- É possível, doutor?
- Tecnicamente, sim, mas
- Eu não aguento mais, doutor. Esta dor está me matando aos poucos.
- Eu entendo. Realmente entendo. Mas sem esgotar as demais possibilidades, seria prematuro
- Eu já tentei de tudo! - exclamou o paciente, quase aos prantos. - Dos métodos mais ortodoxos à meditação venusiana.
- Meditação venusiana?
- Não pergunte - respondeu ele, com um estremecimento.
- Os custos de importação
- Dinheiro não é problema!
- As complicações pós-operatórias
- Eu conheço os riscos!
O médico exasperou-se:
- Nós nem sabemos se a operação resolverá o seu problema!
- Por favor, Doutor! Eu preciso tentar alguma coisa!
Ele o encarou com penúria. Conhecia Armando há duas décadas. Estava mais do que acostumado com a sua teimosia. Se não realizasse a operação, ele certamente encontraria outro médico com menos escrúpulos.
- Precisamos fazer alguns testes
- O que for necessário!
- Volte em duas semanas.
- Obrigado, Doutor. O senhor salvou a minha vida!
Ele aceitou o cumprimento, mas não antes de acrescentar:
- Só me agradeça se acordar após a operação
***
Armando acordou com a ressaca típica da anestesia geral. Seus olhos estavam dormentes e sua boca estava seca. Ele sentiu o hálito adstringente descer pela garganta machucada e uma ânsia rápida percorreu seu sistema digestivo.
Com as mãos trêmulas, ele tateou os fios e tubos que o conectavam aos inúmeros aparelhos que vigiavam e regulavam cada aspecto do seu corpo nas últimas horas. Ele inspirou pela boca, sugando o oxigênio da máquina de ventilação e levou os dedos até o peito, conferindo a linha de cicatrizes que serpenteava pela sua pele, escondendo em suas entranhas o aparelho pulsante que substituíra o seu coração.
Suas costas doíam, sua respiração estava falha e seus movimentos pareciam tão trêmulos quanto os de um ancião; no entanto, ele sorriu. Se tivesse forças, gargalharia.
Afinal, apesar de todos os entraves e perspectivas sinistras, a operação fora um sucesso: depois de meses, o peso que dilacerava a sua alma sumiu.
Após tanto tempo, a dor causada pela partida de Marina finalmente desaparecera nos circuitos biônicos do coração de lata.
A.Z.Cordenonsi é professor universitário e autor de fantasia e aventura. Autor da saga Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes, também é contista