A ideia de que os glaciais têm se retraído a uma velocidade acima da média tem se mostrado cada vez mais falsa. Sim, eles estão derretendo e degelando rapidamente em todo o mundo; no entanto, à medida que as temperaturas mundiais e a variabilidade climática aumentam, as imprevisíveis ondas de enchentes no Glacial Mendenhall, a cerca de 22,5 km do centro de Juneau, capital do Alasca, têm transformado uma caminhada moderada em uma corrida a toda velocidade.
Desde julho de 2011, e a cada ano desde então, torrentes súbitas de água disparadas da parte de baixo da geleira se tornaram uma nova faceta da breve, porém notória alta temporada de verão de Juneau. Naquela primeira e até agora maior enchente medida até hoje, cerca de 37.854 metros cúbicos jorraram da geleira em três dias, ameaçando casas e propriedades nas proximidades do rio Mendenhall, que atravessa parte da cidade. Houve pelo menos duas enchentes menores neste ano.
- Essa primeira nos pegou de surpresa - disse Tom Mattice, diretor de programas de emergência e meteorologista de avalanches da prefeitura e distrito de Juneau.
A explicação para isso não se resume ao fato de que o Glacial Mendehall, de 19,3 quilômetros de extensão, tem se diluído há décadas. A água proveniente da neve derretida, da chuva e do degelo também têm se combinado de maneiras que até hoje eram desconhecidas, disseram pesquisadores - primeiro, formando uma depressão coberta de gelo próxima a um Glacial chamado Suicide Basin, e encontrando, em seguida, um caminho para correr declive abaixo.
O que provoca uma onda desse tipo, assim como a busca urgente de uma forma de antecipar e se preparar através de cientistas e autoridades de segurança como Mattice, é a pressão. Como a água se acumula na bacia e tenta encontrar uma saída, pode levantar partes do Glacial, ainda que de maneira sutil, de modo que a água encontre por aí uma saída. Sob a grande pressão que o gelo exerce sobre ela, a água irrompe nas profundezas do lago Mendenhall, seguindo de lá para o rio.
Os glaciólogos até mesmo já batizaram esse processo, que tem se tornado cada vez mais comum em muitas partes do mundo em decorrência da mudança climática: "jökulhlaup", uma palavra islandesa geralmente traduzida como "salto de Glacial".
- Nós não sabemos bem o grau de ameaça que isso representa, ou a quantidade de água que pode ficar armazenada lá em cima - disse Jason Amundson, professor adjunto de geofísica na Universidade do Sudeste do Alasca, em Juneau.
O que aumenta a preocupação é a proximidade das pessoas, que são muitas. Há geleiras se descolando em muitos lugares, mas isso acontece principalmente em locais isolados.
O Mendenhall, diferentemente, é um dos Glaciales mais visitados do mundo, além de ser urbano. Cerca de 400 mil turistas por ano, 80 por cento deles vindos em navios de cruzeiro que atracam no porto de Juneau, visitam o Glacial.
- Somos uma geleira acessível. Em quantos lugares é possível encontrar algo do tipo? - disse Nikki Hinds, diretor adjunto do Centro de Visitantes do Glacial Mendenhall, que é operado pela Agência Florestal dos EUA.
Neste verão, o monitoramento do glacial se intensificou. Um transdutor de pressão de medição do acúmulo de água, parcialmente financiado pela prefeitura, foi instalado em uma fenda profunda na margem da bacia, com uma ligação por satélite que envia dados em tempo real sobre a movimentação oculta da água na geleira. Pela primeira vez, uma câmera que captura imagens com longos intervalos de tempo também foi posicionada no principal local de acumulação para rastrear protuberâncias no gelo que possam sugerir pontos de concentração de água.
- Entre as coisas que desconhecemos, a principal é o que está bloqueando o quê - disse Jamie Pierce, alpinista e pesquisador da universidade.
Pierce esteve recentemente no glacial Mendenhall para vistoriar os instrumentos. Depois de descer de rapel cerca de 15,2 metros até o transdutor, ele o encontrou completamente seco, o que sugere que a água tinha encontrado outro canal ou outro ponto de acumulação, diferente daquele que se suspeitava ter causado o problema.
Assim como outros glaciais de todo o mundo, o Mendenhall tem hoje apenas uma fração de seu tamanho anterior, tendo diminuído centenas de metros desde que os visitantes começaram a passar por aqui, no final de 1800.
Os modelos climáticos em longo prazo sugerem a ocorrência de um padrão mais quente e úmido nesta parte do Alasca, o que poderia trazer uma série de consequências infelizes para o glacial Mendenhall e as pessoas que tanto o apreciam, que o estudam e vivem perto dele.
A incidência de temperaturas mais elevadas pode significar a presença de mais chuva e menos neve em altitudes mais baixas, disse Tom Ainsworth, meteorologista responsável pelo escritório do Serviço Meteorológico Nacional em Juneau. Isso poderia ainda intensificar o escoamento e a frequência de enchentes. Contudo, o aumento da frequência de precipitações, segundo ele, também pode fazer com que mais neve se acumule em altitudes mais elevadas. Um aumento na quantidade anual de neve, reiterado ao longo de muitos anos, pode fazer com que alguns glaciais - ou partes deles - aumentem à medida que a neve for se compactando de modo a formar gelo.
Pode não ser fácil entender esse quadro paradoxal - o encolhimento ou aumento dos glaciais, o aumento das chuvas, da neve, das temperaturas - apenas nas breves temporadas que a maioria dos turistas passa no glacial.
- Seguimos um cronograma. Quando você se dá conta, pronto. Acabou. Já é a hora da próxima atração - disse Sherry Reese, de 65 anos, ex-gestora de viagens corporativas de Denton, Texas, hoje aposentada, que encontrei andando em uma trilha perto do centro de visitantes, em um recente passeio de uma hora pelo local com o marido, Alan.
Reese disse que o resultado final disso é que a maioria das pessoas provavelmente não consegue sequer imaginar que o glacial tem mudado, já que ele parece tão grande e eterno em sua majestade azulada.
- Eles veem o que está à frente deles e pronto. Não se dão conta de como o glacial era há 500 anos - disse Alan Reese, que, como a esposa, vestia um moletom com uma mensagem contra o derretimento das geleiras e a palavra "Alaska" estampada na frente.