A presença de mulheres tem aumentado na Pós-Graduação, mas as pesquisadoras ainda recebem menos do que homens com a mesma formação. O cenário é retratado em estudos recentes que relacionam a participação da parcela feminina nessa etapa de formação nas universidades e no mercado de trabalho.
— As mulheres buscam consolidação no mercado de trabalho de forma constante e em ciclos que se encaixam na rotina e vida, que conciliam papéis profissionais e pessoais. Mestrado ou doutorado são meios de contribuir para ampliar e fortalecer conhecimentos da formação ou expandi-los para outras áreas — explica Gisele Spricigo, doutora em Economia do Desenvolvimento e gerente da pós-graduação stricto sensu da Unisinos.
Segundo a pesquisa Brasil: Mestres e Doutores 2024, divulgada em junho, elas são maioria entre os que concluem mestrado e doutorado no Brasil. O trabalho (disponível aqui) foi desenvolvido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e reúne dados entre 1996 e 2021 – período de 15 anos.
Em 1996, elas eram 49,8% entre os mestres e 44,3% no conjunto de doutores formados no país. Em 2021, a proporção subiu para 56,8% e 55,6%. Em relação ao Rio Grande do Sul, a presença de mulheres entre os titulados é maior do que a média nacional: 61,9% (mestrado) e 60,1% (doutorado) – veja a evolução no infográfico abaixo.
Conselheira da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS), Claudia Vergara afirma que o cenário pode ser explicado por contextos históricos e culturais:
— Os conhecimentos técnicos das mulheres são questionados. Quando um homem grita, ele é forte e tem personalidade. Quando uma mulher grita, ela se descontrolou ou está de TPM. O caminho foi a escolarização, para mostrar que nossas falas não são baseadas em achismo, mas em pesquisa, em cima do que estudamos.
A maior presença na Pós-Graduação, porém, não é acompanhada de melhores resultados na questão salarial, segundo o estudo do CGEE. Em 2021, a remuneração média das mulheres com mestrado no Brasil era de R$ 10.033,95, 26,7% menor do que recebiam os homens com a mesma formação. No caso das doutoras, a remuneração média naquele ano era de R$ 14.782,68 – 16,4% abaixo do que ganhavam os doutores.
No Rio Grande do Sul, a discrepância foi superior; as mestras tinham em média salário 29,4% menor (pior resultado entre as unidades da federação); já as doutoras ganhavam -16,5% na comparação com os homens com a mesma titulação.
— A presença feminina em posições de liderança tem crescido, mesmo que timidamente. Ainda ouvimos que a remuneração de um homem tem que ser maior porque ele é o líder da família. A realidade é diferente. Há muitas mulheres que sustentam a casa. Ainda existe um longo caminho de diálogo para não existirem mais essas discrepâncias salariais — pontua Claudia Vergara.
Para Emanuele Araujo, 35 anos, aluna do doutorado em Engenharia Civil da Unisinos, o mercado de trabalho precisa considerar características distintas de homens e mulheres. Ela cita como exemplo o caso de pesquisadoras que se tornam mães durante a pós-graduação.
— Somos prejudicadas porque diminui o número de publicações durante um período. A gestação reduz o tempo para a pesquisa, para idas ao laboratório, atrapalha o período de estágio no Exterior (doutorado sanduíche). Há a licença-maternidade, a amamentação, depois a escolinha, consultas médicas — afirma Emanuele, que foi mãe quando estava no mestrado.
Segundo a doutoranda, o prejuízo financeiro não é verificado quando as pesquisadoras estão no Ensino Superior, porque há equidade no valor das bolsas: o obstáculo ocorre no momento de buscar vagas no mercado de trabalho.
— Você vai participar do processo seletivo com menos publicações, sem o estágio fora do país. São pontos que contam contra a pesquisadora. A maternidade deve ser vista de outra forma, não pode nos penalizar — diz.
Conforme o Plano Nacional de Pós-Graduação, em 2022, a participação de mulheres no Pós-Doutorado apresentou maior percentual para seis das nove grandes áreas, com percentual abaixo de 50% apenas em ciências sociais aplicadas, exatas e da terra e engenharias – as duas últimas possuem diferença de ao menos 20 pontos percentuais dos pesquisadores do sexo masculino.
Ciências da saúde continuou como a área com maior participação feminina (30% acima em relação aos pesquisadores do sexo masculino), seguida pela Linguística, Letras e Artes e Biológicas, ambas com 59%.
Maioria também no mercado
Segundo o CGEE, em 2021 as mulheres representavam 54% dos mestres empregados e 50,9% entre os doutores no mercado de trabalho, segundo o estudo. Ou seja: elas eram maioria entre os titulados na pós-graduação e também entre os empregados, mas ganhavam menos do que os homens.
O infográfico abaixo mostra como foi a distribuição dos salários médios nas unidades da federação – mulheres com mestrado e doutorado ganhavam menos em todos os Estados e no Distrito Federal.
Poucas pesquisadoras na tecnologia
Ainda segundo a pesquisa do CGEE, as áreas com maior percentual de mulheres formadas no mestrado foram:
- fonoaudiologia (88%)
- nutrição (87,9%)
- enfermagem (85,1%)
E, no doutorado, foram estes os campos com maior prevalência feminina:
- nutrição (86,5%)
- enfermagem (85,4%)
- serviço social (80,5%)
Porém, no mestrado, ciência da computação foi a área do conhecimento com menor proporção de mulheres entre os formados em 2021: 16,2%, uma queda em relação aos 28% de 1996 e distante do pico de participação feminina contabilizada em 1998 (37,5%).
No doutorado, na mesma área, elas representavam 17,7% de quem se formou no último ano do levantamento. A análise de longo prazo indica também queda da presença delas nesse nível de ensino: eram 33,3% em 1996 e 50% em 1997, ano do recorde da participação.
Esse campo do conhecimento costuma oferecer salários altos para a média de ganhos do brasileiro e oportunidades de ingresso no mercado.
— Não há uma explicação clara ou única para a baixa participação das mulheres (em ciência da computação). A comunidade científica está atenta e há eventos para motivar a entrada delas — acrescenta Gisele Spricigo.
Uma das iniciativas é o Programa Meninas Digitais, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), criado em 2011, que tem como objetivo divulgar a área de computação e suas tecnologias para despertar o interesse de estudantes da Educação Básica.