— Desde pequena tive o sonho de dar aula em universidade. Venho de uma família na qual minha mãe não teve a possibilidade de estudar, por ser mulher, enquanto meus tios homens tiveram incentivo dos pais e tornaram-se professores universitários. Sempre gostei muito de estudar e fui atrás desse objetivo desde o início.
Foi com isso em mente que a professora Jade de Oliveira, do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), recebeu nesta semana o prêmio Para Mulheres na Ciência 2023. Aos 36 anos, a jovem cientista foi uma das vencedoras na categoria Ciências da Vida, seu primeiro reconhecimento nacional.
Além da pós, ela dá aulas na graduação, nos cursos de Farmácia e de Agronomia. Mãe do Matteo, dois anos, ela conta sobre os desafios de conciliar a pesquisa com a maternidade e destaca a importância do incentivo.
— Entrei para o corpo docente da UFRGS em 2019, ele (Matteo) nasceu 2021. Esse prêmio serviu para me mostrar que, de alguma forma, estou dando conta. Depois que tive meu filho ficou muito mais evidente essa desigualdade, a dificuldade de conciliar a carreira com a família, com o trabalho de cuidado. Por mais que eu não esteja conseguindo fazer tudo que desejo, percebi que as coisas vão dar certo. O prêmio foi a realização de um sonho — conta.
Jade investiga os efeitos que dietas desequilibradas na infância podem causar a longo prazo, analisando os impactos no cérebro. A proposta é estudar as relações entre a alimentação, a microbiota intestinal e o sistema nervoso. Segundo a professora, há indícios de que uma dieta rica em gorduras e açúcares está associada não somente a doenças cardiovasculares, mas também ao desenvolvimento de transtornos de humor, desencadeando condições como a depressão.
Promovido pelo Grupo L'Oréal no Brasil, em parceria com Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Agência das Nações Unidas para a Educação (Unesco) no Brasil, o prêmio busca promover a igualdade de gênero, valorizando a participação feminina na ciência. O programa oferece bolsas de R$ 50 mil para financiar pesquisas de doutorado conduzidas por mulheres.
Trajetória guiada por mulheres
A relação de Jade com a pesquisa começou ainda na graduação, quando fez iniciação científica durante o Curso de Farmácia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em 10 anos ela concluiu o Mestrado e o Doutorado em Bioquímica e Pós-Doutorado em Neurociência pela UFSC (2016). Durante esse período, sua principal referência foi uma mulher: a professora Andreza Fabro de Bem, que foi inspiração e a orientou ao longo da trajetória acadêmica.
Hoje, Jade está entre os 15 mil bolsistas de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ela faz parte do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da UFRGS, que é nota 7, conceito máximo atribuído pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
E ela tem contribuído para que outras jovens possam ocupar esses espaços de destaque. Uma de suas orientandas, Sâmili da Silva, 24 anos, de Santa Maria, veio para Porto Alegre fazer o mestrado na UFRGS porque se interessou pela linha de pesquisa criada pela professora, e conta que ela tem sido um modelo.
— Vemos a professora dando conta do filho e conseguindo nos orientar, tirar dúvidas, ajudar. Ela é um exemplo não só de cientista, mas de mulher. É difícil uma mulher conseguir progredir tanto na carreira com essa idade, ainda mais com filhos, e ela mostrou que isso é possível — diz Sâmili, que pesquisa sobre doenças metabólicas e o desenvolvimento de neuropatologias. Ela vai defender a dissertação ainda em dezembro.
Já Mariana Viana, 27 anos, começou o mestrado neste ano e diz que escolheu a Jade como orientadora justamente por se espelhar nela.
— Ela é uma professora jovem, me senti inspirada. E essa linha de pesquisa é uma questão importante, porque no final das contas, a gente é o que a gente come. Investigar os mecanismos por trás disso é fundamental — afirma a aluna, graduada em Biomedicina pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Pesquisa premiada
Nos últimos anos, evidências científicas demonstraram a relação entre doenças metabólicas, como diabetes, hipercolesterolemia e obesidade com o desenvolvimento de neuropatologias. O projeto de pesquisa premiado busca compreender os mecanismos bioquímicos e moleculares envolvidos nas doenças metabólicas e as desordens que afetam o cérebro humano.
Com o aumento da expectativa de vida, cresce o número de pessoas afetadas por doenças neurodegenerativas, como as que representam as principais causas de demência, Alzheimer e Parkinson. Os transtornos de humor também são uma preocupação crescente.
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), 300 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão, e o Brasil é o país com a maior prevalência da condição na América Latina. Com base nesse contexto, a pesquisa examina os efeitos das dietas pouco balanceadas, explorando sua correlação com o surgimento de transtornos de humor e doenças neurodegenerativas.
— Estamos analisando não somente os aspectos comportamentais, mas também os mecanismos por trás disso. Queremos saber como as doenças metabólicas periféricas se relacionam com fatores de risco cardiovascular, e também as associações com o sistema nervoso central — explica Jade.
O foco do estudo é compreender as interações entre a alimentação na infância, a microbiota intestinal e o cérebro, analisando os efeitos adversos gerados pela dieta rica em gorduras ao longo do curso da vida. Assim, o trabalho pretende mapear estratégias de prevenção para evitar ou mitigar os efeitos das doenças metabólicas nas estruturas cerebrais.
Os efeitos do uso de antibióticos e da natureza dos alimentos na microbiota intestinal também são explorados na pesquisa, bem como o potencial benéfico do uso de probióticos e metformina (medicação para diabetes) como possíveis intervenções para preservar a saúde da microbiota e do tecido adiposo.
O trabalho será conduzido durante 12 meses, por meio da realização de testes com camundongos. Ainda serão coletadas informações de bases de dados já existentes, sobre a alimentação de pessoas ao longo da vida.
Na UFRGS, Jade fundou o Laboratório de Investigação em Desordens Metabólicas e Doenças Neurodegenerativas (LABIMN), coordenado por ela. Além dos estudos conduzidos pelo grupo, que conta com dez alunos de graduação e pós-graduação, os pesquisadores também realizam trabalho de divulgação científica nas redes sociais.