Uma realidade entre empresas brasileiras e estrangeiras, a jornada de trabalho com quatro dias semanais tem como principal objetivo aumentar a produtividade e melhorar a saúde mental e o bem-estar dos colaborados. Conforme mostrou GZH, a partir de junho, a organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global e o Boston College, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, de São Paulo, desenvolverão um estudo no Brasil para testar o modelo nas companhias interessadas. A reportagem consultou representantes de diferentes entidades empresariais para verificar como avaliam a proposta.
Para Eliane Ramos, presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), o primeiro ponto a ser analisado é a cultura e o segmento da empresa, porque o modelo pode não funcionar para todas as companhias, mesmo que já venha sendo adotado por algumas. Também considera importante medir os resultados, em caso de teste, para confirmar se é algo benéfico ou não para os dois lados:
— Se a produtividade diminuir, não vai funcionar. E não é simplesmente tirar um dia da jornada, tem que redesenhar o modelo de trabalho, rever processos do dia a dia. Cada empresa tem suas particularidades, não é só seguir o modismo, tem que estudar, ver se encaixa. Depende da empresa e do perfil do trabalhador. Isso tudo tem que ser muito bem analisado entre ambas as partes. Tem que ser um processo ganha-ganha, para a empresa e para o funcionário, uma via de mão dupla.
A representante da ABRH acrescenta que a proposta é interessante e que estudos apresentam bons resultados, mas destaca que todas as medidas têm prós e contras. Em sua visão, para o sucesso da redução, as lideranças devem entender suas equipes e verificar se as demandas estão adequadas ou não ao modelo da empresa.
— Acredito que é superimportante quando os funcionários trabalham juntos e são ouvidos para repensar a forma de trabalho. Do ponto de vista da negociação coletiva entre sindicatos, é possível sim reduzir a carga horária. Mas toda mudança tem que ser verificada se vai ser benéfica ou não, por isso que se começa com estudo — afirma.
Fecomércio cita diferenças entre os segmentos
Lucas Schifino, gerente de Relações Governamentais da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), concorda que a medida pode ser mais viável e fácil para companhias de alguns segmentos do que para outros. Por isso, a entidade defende a autonomia entre empresas e trabalhadores, que devem negociar a melhor jornada de trabalho para cada setor e região do Estado.
Entretanto, comenta que teria que haver um aumento bastante relevante de produtividade para “compensar” o dia de folga durante os quatro de trabalho — o que representa um grande desafio, mesmo para os setores que têm mais condições de reduzir a jornada, já que o Brasil enfrenta há muito tempo uma luta para ampliar os níveis de produção. Outra questão, segundo Schifino, é que o mercado de trabalho não está com muitos profissionais disponíveis:
— Hoje, no Rio Grande do Sul, temos um cenário em que a taxa de desemprego ficou em 5,4% no primeiro trimestre, ou seja, estamos em pleno emprego. O que quer dizer que as empresas que participarem da iniciativa provavelmente terão dificuldades para contratar mais pessoas para manter a mesma produtividade.
O representante da Fecomércio-RS enfatiza que a entidade só é contrária a uma possível intervenção do governo, que impusesse - o que não está em discussão - a redução da jornada de cinco para quatro dias semanais.
— Defendemos a liberdade das empresas negociarem a jornada. Então, iniciativas partindo das próprias empresas representam exatamente o que defendemos. É um desafio grande ter um ganho de 25% de produtividade, mas vai de cada empresa analisar e avaliar as condições de conseguir isso — pondera.
Varejo e indústria demonstram preocupação
Na avaliação do presidente do Sindilojas Porto Alegre, Arcione Piva, o varejo tem algumas características muito próprias, diferente de empresas de tecnologia e de comunicação, que já estão adotando o modelo de quatro dias. Uma das peculiaridades, por exemplo, é a remuneração por comissão e produtividade. Nesse sentido, Piva não enxerga a possibilidade de equipes de vendas trabalharem dessa forma, já que haveria grande impacto na remuneração.
— Esse setor teria dificuldades porque o momento do varejo brasileiro é muito delicado. Não sou contra os testes e estudos, porque tudo que está em fase de avaliação pode ir para um lado ou outro, mas hoje não teríamos margem para diminuir a carga horária, já que toda a parte comercial teria ganhos menores. Já não é tão expressiva a remuneração, então se tivesse redução seria mais complicado — afirma.
Além disso, o presidente do Sindilojas Porto Alegre aponta que o varejo precisa de colaboradores atuando para ter rendimento e que dificilmente alguma empresa do setor teria condições de arcar com os custos de contratar mais funcionários para atuarem de forma escalonada:
— Uma loja de shopping, por exemplo, teria que ter duas equipes inteiras para atender as folgas. Fazendo uma análise financeira da situação de hoje, aumentar o quadro seria inviável. Se fosse obrigatório, o varejo teria problema seríssimos. Se aumentasse o custo com mão de obra, teria que repassá-lo ao consumidor e daí não venderia.
Também considerando esse aumento de custo para as empresas, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do sul (Fiergs) demonstra preocupação diante da proposta. Segundo Guilherme Scozziero, coordenador do Conselho de Relações do Trabalho (Contrab) da entidade, a medida parece não levar em conta os aspectos de custo envolvidos nas relações de jornada de trabalho.
— Vemos isso com bastante preocupação, porque parece uma experiência um tanto quanto temerária. Parece que é deixado de lado nessas avaliações uma análise de que qualquer redução representa um aumento de custo para as empresas. Não é porque reduz a jornada, que reduz a carga de trabalho. Então as demandas terão que ser produzidas por outras pessoas para que se faça a mesma quantidade de produtos — comenta.
Scozziero cita como exemplo um restaurante que, se fechar em um dia, atenderá menos pessoas. Para não fechar, teria que contratar funcionários para trabalhar no momento em que os outros colaboradores estiverem de folga. Ressalta ainda que o Brasil tem um problema de baixíssima produtividade e que, se esse indicador reduzir ainda mais, haverá um aumento de custo dos produtos.
— É uma proposta absurda achar que se alguém parar de trabalhar isso não terá um custo. Funciona como uma balança, se tirar horas de um lado, o custo aumenta. Se desequilibrar um desses lados, tenho um desiquilíbrio de custo e preço, e o produto da indústria vai ficar mais caro. Não existe mágica. É um experimento feito com base em algum ideal, mas com pouco estudo, sem consultar uma grande quantidade de empresas de setores como indústria, serviço e comércio. Como que esses segmentos trabalham um dia a menos? — questiona Scozziero.