Desde a última quarta-feira (5), quando um homem invadiu uma creche em Blumenau e matou quatro crianças, escolas e entes públicos têm debatido e apresentado iniciativas para reforçar a segurança, a fim de prevenir casos semelhantes. Ainda no dia do ataque, o Ministério da Justiça anunciou R$ 150 milhões para ampliar a patrulha nas instituições de ensino. Mas nem sempre as soluções mais eficazes são as mais caras – melhorias nos protocolos e na comunicação com pais e alunos são práticas adotadas em colégios que podem ser implementadas tanto na rede pública quanto na privada.
O entendimento de especialistas em segurança escolar é de que investir apenas em policiamento ou aparatos como câmeras e detectores de metal não resolve. Um estudo publicado em 2019 no periódico Journal of Adolescent Health, por exemplo, analisou 179 episódios de tiroteios em escolas americanas entre 1999 e 2018 e verificou que a presença de guardas nas instituições não reduziu a gravidade dos atentados. Também foi identificada uma fatalidade maior quando os atiradores tinham mais de 20 anos.
O principal é a criação de uma cultura de segurança, que não é simplesmente colocar um porteiro na entrada ou câmeras de segurança em todos os ambientes. Primeiro, é preciso estudar a área da escola e a região onde ela está localizada, a fim de entender a rotina daquela instituição. Também é fundamental criar protocolos para diferentes circunstâncias, com ações que, mesmo envolvendo departamentos diversos, sejam centralizadas em uma pessoa de referência.
— É importante que haja alguém de confiança da escola que faça o elo entre todas as ilhas da escola. É essa pessoa que vai transformar a rotina da escola em uma grande operação — destaca André Steren, especialista em segurança escolar da empresa Prot Consultoria de Segurança.
De acordo com Steren, a segurança nas escolas ainda é um tabu, uma vez que as pessoas acreditam que tratar disso pode gerar pânico nas crianças e nos adolescentes. O especialista entende, contudo, que a realidade mudou, e hoje acontece o contrário: as famílias demandam informações e uma orientação sobre como proceder em casos de emergência. Por isso, a perspectiva é de que simulações de situações de segurança se tornem normais em colégios.
Nas escolas públicas, pode não haver recursos para investir em câmeras de vigilância, detectores de metal, ampliação do policiamento, crachás para acessar a instituição ou sistemas de portões e travas automáticas. A lógica, porém, deve ser a mesma: designar pessoas de confiança dentro da equipe para organizarem a segurança e serem o elo da operação. Definir questões básicas, como por onde as pessoas acessam a escola e quem são os responsáveis por abrir e fechar o portão de entrada e envolver professores, famílias e alunos na criação de protocolos já fortalece a cultura de segurança do local.
Quando um ataque já está em curso, a melhor atitude, segundo Steren, é muito simples: trancar a porta da sala de aula e ficar em silêncio. O especialista relata que, em média, esse tipo de atentado dura de quatro a seis minutos, portanto, ter a chave desses espaços e trancá-los de fato salva vidas.
Proximidade com as famílias
Localizada na Vila Ipiranga, em Porto Alegre, a Escola Estadual Gomes Carneiro aposta em uma relação próxima com os pais dos seus alunos para melhorar a segurança e combater problemas que podem acarretar em comportamentos violentos, como o vício digital.
— Nossa prioridade número um é trazer a família para dentro da escola. Desde o primeiro dia de aula fazemos reuniões com os pais, chamamos para o projeto Papo de Responsa e, ali, colocamos as normas da escola e os convidamos para se inserirem no nosso grupo de trabalho. Pelo contato com os pais, a gente tenta conhecer a realidade do nosso aluno, e isso tem nos ajudado muito — relata a diretora da Gomes Carneiro, Susana Silva de Souza.
Susana é categórica: quando um conflito acontece, a direção e os professores param tudo e chamam o grupo para conversar e lidar com aquilo. Além desses momentos, o projeto Papo de Responsa também prevê encontros regulares com convidados de diferentes áreas, inclusive Brigada Militar, Polícia Civil e Ministério Público do Rio Grande do Sul. Nessas conversas, muitos estudantes acabam trazendo questões sobre as quais não costumam conversar.
— Quando aconteceu o ataque em Blumenau, só largamos uma palavrinha no quadro, “ressurreição”, e perguntamos o que eles entendiam dela. Daí, trouxemos os casos de Blumenau e São Paulo e surgiram tantas coisas. Eles têm tantas coisas a nos dizer que mostram que estão pedindo socorro. A gente vê que tudo o que está acontecendo ali é pela falta da presença da família na vida daquela criança. É um trabalho e tanto mudar esse ódio que eles sentem — comenta a diretora.
O pai de uma menina de 10 anos que estuda na Gomes Carneiro e prefere não se identificar conta que a instituição é muito boa, pois professores e direção dão muita atenção aos alunos. As famílias também são incentivadas a participar, por meio de uma associação de pais, grupos no WhatsApp usados para tomar decisões e atividades coletivas, como a limpeza do pátio, no retorno das aulas presenciais.
— A escola se comunica muito, mas ela não tem como, em algumas horas do dia, fazer tudo. A gente nota que tem problemas que têm a ver com a liberdade que os pais dão para aquela criança, até na falta de limites de jogar no computador na hora que quiser ou de ficar no celular. Aí, eles replicam na escola as atitudes que aprendem no meio virtual — lamenta o homem.
Conforme o pai relata, a instituição de ensino proporciona palestras sobre bullying, com orientações expressas sobre quais os sinais de que um colega está sofrendo e quando reportar. Com isso, entende que a escola previne que a cultura da violência se instale em sala de aula.
Doutora em Educação e especialista em Psicologia Escolar, Claudia Flores Rodrigues foi à Gomes Carneiro nesta segunda-feira (10) conversar com os estudantes sobre assuntos como violência, discurso de ódio e agressividade.
— Eu procurei que eles percebessem que todos nós estamos sempre vulneráveis. Temos medos, dores, somos humanos. Perceber que a gente precisa de ajuda e pedir essa ajuda é uma atitude de coragem — ressalta Claudia, que diz que os alunos manifestaram surpresa com as atrocidades que as pessoas são capazes de fazer.
A especialista pontua que as escolas ainda são um lugar violento, no qual há desrespeito tanto de alunos com professores quanto de professores com alunos, e que é importante buscar saídas para minimizar essa cultura. Um dos mitigadores são as rodas de conversa, que promovem um ambiente de confiança e a criação de empatia dentro da comunidade escolar.
Farroupilha investe em segurança
O atentado em Blumenau fez o Colégio Farroupilha, no bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, enviar uma nota aos responsáveis pelos mais de 3 mil alunos e investir na segurança da comunidade escolar.
No material divulgado no dia seguinte ao crime, a instituição ressalta as diretrizes já seguidas: a presença de uma equipe de segurança terceirizada no interior da escola e nas imediações 24 horas por dia, com um sistema de 170 câmeras de videomonitoramento. O colégio também destaca que o acesso ao interior dos prédios é controlado por crachás ou só é permitido com a apresentação de documento com foto, para um cadastro prévio.
Somado a isso, a direção decidiu adotar medidas para reforçar a segurança. Foi acertado o aumento no efetivo de vigilantes, a instalação de um portão na área externa que antecede o Acesso 1 do Prédio A (Recepção de Alunos), colocação de uma trava eletrônica no portão de pedestres do Acesso 3 - Prédio C (Educação Infantil), a implementação de um protocolo de atuação para situações de risco, além de capacitação de toda a equipe de educadores sobre os procedimentos indicados.
André Steren, consultor de segurança do Farroupilha, destaca que o colégio tem à disposição sua consultoria, com mais de 20 anos de experiência na atuação em diferentes instituições de ensino. Esse fato, segundo ele, faz com que a instituição trabalhe de forma prévia o tema.
— Monitoramos os ataques, os crimes que acontecem (nas escolas) no Brasil e no mundo, todas as informações que possam colocar em risco a vida escolar. O colégio tem um departamento que faz análises diárias para que as atividades acadêmicas possam ser tranquilas. Não fizemos isso apenas agora (após o ataque em Blumenau), o colégio tem uma preocupação permanente de segurança.
Steren destaca ser importante que as instituições de ensino invistam para criar uma “cultura de segurança” no ambiente acadêmico:
— Não é o clima de pânico que vai resolver essa situação, mas sim a organização, trabalhar em conjunto, unir os departamentos, unir o público escolar, sempre com o intuito de trazer uma maior tranquilidade para as famílias.