A máxima de que “cada criança tem seu tempo”, frequentemente dita por pais, não é totalmente verdadeira e pode até ser perigosa. Segundo o neurologista e pediatra Felipe Kalil, ainda que haja uma margem, é preciso ficar atento ao tempo no qual algumas aprendizagens, como engatinhar, caminhar ou falar, costumam se consolidar, para, em caso de atrasos, investigar o motivo.
Kalil será um dos palestrantes do 1º Congresso Estadual de Educação Infantil, marcado para os dias 17 e 18 de março no Teatro do Sesc, no Centro Histórico de Porto Alegre. Com o tema “Neurociência e empreendedorismo para a Educação”, o evento reunirá profissionais das áreas da Saúde e da Educação para uma série de painéis e palestras. As inscrições podem ser feitas neste link.
A preocupação com o atraso no neurodesenvolvimento aumentou após a pandemia. Conforme Kalil, esse tipo de atraso, que antes acometia 5% da população, depois do período de isolamento social afeta de 20% a 30% das pessoas.
— Temos percebido atrasos na linguagem, comportamentais, muito mais crianças com crises de ansiedade, com quadros depressivos, apresentando dificuldade de socialização. Uma criança que, hoje tem de três a quatro anos, passou metade da vida isolada. Se para um adulto esse período foi traumático, imagina para essa criança — destaca o médico.
Esses atrasos se devem ao fato de que os pequenos aprendem por meio da imitação. Quando estão isoladas em um só espaço e convivendo com um número restrito de pessoas, elas acabam recebendo poucos estímulos de aprendizagem, algo agravado com a superexposição a telas.
— As crianças retornaram para as escolas com atrasos, e os professores não têm formação ou conhecimento para fazer uma intervenção de qualidade nesses contextos. É um pouco dessa capacitação que queremos trazer no congresso — explica Letícia Mello, fonoaudióloga e presidente do Sindicato Intermunicipal dos Estabelecimentos de Educação Infantil do Estado do Rio Grande do Sul (Sindeedin-RS).
É importante que o tratamento de atrasos no neurodesenvolvimento seja iniciado logo, porque até os seis anos as crianças têm uma plasticidade cerebral muito superior à dos adultos. Esse período é chamado por especialistas de “janela de aprendizado” – depois dela, ainda se aprende durante toda a vida, mas mais devagar. Se não tratado, esse atraso pode gerar adultos com transtornos como déficit de atenção, hiperatividade, ansiedade e depressão.
O neuropediatra cita como indicativos de atrasos no neurodesenvolvimento em crianças de um ano e meio sinais como, por exemplo, não olhar nos olhos, não atender a chamados, não mandar beijo ou não dar tchau, por exemplo, assim como não conseguir indicar partes do corpo ou sons que os bichos fazem. Aos dois anos, é esperado que os pequenos falem algumas palavras, como “mamãe” e “papai”.
— São sinais simples que, muitas vezes, passam por aquele pensamento folclórico de que cada criança tem o seu tempo. Cada um tem seu tempo, desde que seja respeitado o tempo. Não posso achar natural que a criança não fale aos três anos. Isso não quer dizer que a criança tenha um problema, mas é um alerta — pontua Kalil.
Hoje, as escolas de Educação Infantil nem sempre estão preparadas, de acordo com Letícia, para identificar esses sinais e fazer uma intervenção precoce. O congresso pretende provocar as instituições de ensino nesse sentido.
— É um início. Precisamos que as escolas comecem a enxergar a neurociência como base na educação. A ideia é despertar isso em todos os coordenadores e diretores de escolas, para que busquem essa formação para suas equipes — ressalta a presidente do sindicato.
As atividades ocorrem na sexta-feira (17), das 17h às 22h, e no sábado (18), das 8h30 às 18h15. O primeiro dia do congresso será de debates ligados a empreendedorismo, enquanto o segundo focará em neurociência. O custo da inscrição varia de R$ 115 a R$ 350.