O Ministério da Educação (MEC) não tem como pagar em dezembro os 14 mil médicos residentes de hospitais federais e outros cerca de 100 mil bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) após congelamento de verbas decretado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) na semana passada. A informação foi passada pelo atual ministro da Educação, Victor Godoy, à equipe de transição em reunião nesta segunda-feira (5). Este foi o primeiro encontro com o governo eleito sobre a área da educação.
— Nossa maior preocupação é o não ter como pagar os serviços já executados para o MEC, para as universidades, para o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) — disse Henrique Paim, coordenador da equipe de educação de transição, ex-ministro e atual professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). São recursos que deveriam ser pagos até o fim do ano, mas um decreto do presidente, do dia 1º, zerou totalmente o caixa do MEC. Segundo Paim, o próprio ministro se mostrou preocupado na reunião.
Na tarde de terça-feira (6) a Capes lançou nota oficial (confira abaixo na íntegra) na qual confirma os cortes e cobra a "imediata desobstrução dos recursos financeiros essenciais para o desempenho regular de suas funções", citando que "a entidade e seus bolsistas já começam a sofrer severa asfixia". Em sua manifestação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior enfatiza que a liberação das verbas é necessária para "principalmente para conferir tratamento digno à ciência e a seus pesquisadores".
Outras repercussões também são anunciadas. O bloqueio no orçamento dos institutos federais gaúchos deve comprometer bolsas e até alimentação estudantil, conforme apurou GZH. Nas universidades federais gaúchas não há dinheiro para pagar bolsas estudantis e contas de luz e água.
Os 14 mil médicos residentes que atuam em hospitais universitários federais têm um custo de R$ 65 milhões. Neles estão incluídos, por exemplo, os que trabalham no Hospital São Paulo, na capital, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) são 100 mil em mestrado, doutorado e pós doutorado no Brasil e no exterior e outros 60 mil em bolsas de formação de professores.
O texto do decreto diz que não há mais "limite de pagamentos das despesas discricionárias" que "não será possível" ao ministério "efetuar novas liberações de recursos para as despesas discricionárias durante o mês de dezembro". Desde então, o MEC afirmou que está tentando com o Ministério da Economia a ampliação do limite de pagamentos. Procurado novamente nesta segunda-feira, os ministério da Educação e da Economia ainda não responderam à reportagem.
Além dos pagamentos deste ano, há a preocupação com o orçamento do ano que vem. A equipe de transição está incluindo despesas como recomposição para as universidades, merenda escolar, assistência estudantil, bolsas e residência no âmbito da PEC de transição, que deve ser votada nesta quarta-feira (7).
Mas, segundo Paim, há preocupação com outros contratos como os dos livros didáticos. O MEC não tem neste momento um limite orçamentário para empenhar recursos e pagar os materiais para serem entregues até fevereiro nas escolas, afirma.
Segundo ele, equipes da transição vão também fazer conversas entre as áreas para que a Economia seja incluída na discussão. "Tudo isso pode eventualmente gerar problema para quem assumir o ministério da Educação, estamos muito preocupados com os primeiros 90 dias", afirmou Henrique Paim.
Outro alerta que surgiu na reunião são os contratos da área de tecnologia que sustentam sistemas como o Sisu, que distribui as vagas em todas as universidades federais por meio da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A licitação para o Enem do ano que vem também ainda não foi iniciada.
Nos últimos anos, o MEC sofreu sucessivos cortes de recursos no Ensino Superior e também na educação básica. Segundo fontes, a reunião foi em clima cordial e teve a participação de todos os secretários do ministério, alguns presencialmente e outros virtualmente. Eles apresentaram a situação de cada área e os programas realizados. Agora, a equipe de transição deve se reunir com cada um dos setores do MEC individualmente.
Leia na íntegra a nota da Capes:
Restrições orçamentárias e financeiras impostas à CAPES
À comunidade acadêmica, aos alunos e aos pesquisadores vinculados à CAPES
A Capes recentemente sofreu dois contingenciamentos impostos pelo Ministério da Economia, o que a obrigou a tomar imediatamente medidas internas de priorização, adotando como premissa a necessidade urgente de assegurar o pagamento integral de todas as bolsas e auxílios, de modo que nenhuma das consequências dessas restrições viesse a ser suportada pelos alunos e pesquisadores vinculados à Fundação.
Não obstante, mesmo após solucionados os problemas acima, a Capes foi surpreendida com a edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro (Anexo II), impondo idêntica restrição a praticamente todos os Ministérios e entidades federais.
Isso retirou da Capes a capacidade de desembolso de todo e qualquer valor - ainda que previamente empenhado e liquidado - o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas, cujo depósito deveria ocorrer até amanhã, dia 7 de dezembro.
Diante desse cenário, a Capes cobrou das autoridades competentes a imediata desobstrução dos recursos financeiros essenciais para o desempenho regular de suas funções, sem o que a entidade e seus bolsistas já começam a sofrer severa asfixia.
As providências solicitadas se impõem não apenas para assegurar a regularidade do funcionamento institucional da Capes, mas, principalmente, para conferir tratamento digno à ciência e a seus pesquisadores.
A Capes seguirá seus esforços para restabelecer os pagamentos devidos a seus bolsistas tão logo obtenha a supressão dos obstáculos acima referidos.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Redação: CGCOM/CAPES)