Esclarecimento: o material enviado inicialmente pela PUCRS, que utilizava como recorte o percentual de 10% dos mais ricos e dos mais pobres do Estado, foi revisado. A versão final do estudo utiliza como recorte percentuais de 15% e 5% dos mais ricos e de 20% dos mais pobres, o que não muda resultados gerais ou conclusões, apenas amplia o detalhamento dos dados. Esta reportagem já foi atualizada.
Mesmo somando 2,1 milhões de pessoas e representando quase um quinto da população gaúcha, os negros eram 5,5% entre os mais ricos do Estado em 2021. Entre os mais pobres, por outro lado, representavam quase 30% (veja o gráfico abaixo). Os dados que destacam a sub-representação desse grupo no topo da pirâmide social fazem parte do Levantamento Sobre Desigualdade Racial no Rio Grande do Sul, elaborado pelo PUCRS Data Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A equipe utilizou como fonte de informações a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No ano passado, as taxas de pobreza e de extrema pobreza entre os negros foram quase o dobro das verificadas entre pessoas brancas: enquanto os índices para os indivíduos autoidentificados como pretos e partos chegavam a 19,5% de pobreza e 4,3% de extrema pobreza, entre os brancos, eram de 10,8% e 2,2%, respectivamente.
De acordo com o professor André Salata, coordenador do PUCRS Data Social, esses dados enfatizam a manutenção e a estabilidade da desigualdade racial no RS ao longo dos últimos anos e chamam atenção para as grandes barreiras à mobilidade social que os negros encontram na sociedade gaúcha. Esses obstáculos, afirma, podem ser constatados em diferentes momentos da trajetória dessa população:
— Eles estão presentes, por exemplo, tanto nas chances de chegar aos níveis mais altos de ensino quanto na oportunidade de obter melhores salários no mercado de trabalho entre aqueles que conseguiram um diploma de Ensino Superior.
Salata argumenta que a diferença entre as taxas de pobreza se deve basicamente a dois fatores: a barreira de classe e a barreira racial.
— Em função da nossa herança escravista, os negros tendem a nascer em famílias com menos recursos econômicos, culturais e, como consequência, costumam acumular menos escolaridade. Soma-se a isso um efeito da discriminação racial. Vemos nos dados que há um processo de discriminação racial no mercado de trabalho. Então, o que se tem, na verdade, é um ciclo de desvantagens que afeta os negros — afirma o professor.
Dados do levantamento mostram que, historicamente, a média de anos de estudo de pretos e pardos no Estado se mantém mais baixa do que a dos brancos — o que reflete no nível de escolaridade atingido pelo grupo. O índice de negros que chegou a ingressar no Ensino Superior é de 16,7%, entre 2012 e 2021, enquanto o dos brancos é de 31,8%.
Para a professora e pesquisadora do PUCRS Data Social Izete Pengo Bagolin, mesmo que tenham tido impactos positivos ao ampliar as oportunidades dos pretos e pardos, as políticas de inclusão “ainda não foram suficientemente capazes de diminuir as persistentes desigualdades enraizadas em nossa sociedade”.
A bióloga Valesca dos Santos Gomes, que é professora de Ciências, atua há 16 anos na Educação Básica e integra os coletivos Negros da Pós e Pretas & Profs, destaca que realmente há um “funil” para os negros na rede de ensino. Ela comenta que, no final do Ensino Fundamental, já se observa bem menos alunos pretos e pardos do que nas séries iniciais. Já no Ensino Médio, “eles praticamente desaparecem proporcionalmente”, diz a doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS.
Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), onde a professora também atua, por outro lado, a maior parte dos alunos é representada por pessoas não brancas, que, ao adquirir uma certa estabilidade no grupo familiar com o passar dos anos, consegue retomar à escolarização. No ambiente universitário, entretanto, as condições de permanência são mais complicadas:
— No Ensino Fundamental, o estudante tem merenda na escola, que é perto de casa. Então, ele pode ir caminhando e ainda ganha lanche: a criança volta para a casa instruída e alimentada. Quando chega no nível Superior, o que tem para ajudar o estudante a se manter na universidade, que geralmente é distante de casa e gera um alto valor de deslocamento? Agora tem algumas poucas políticas de custeio para isso, mas alimentação gratuita não tem, só na universidade federal ela é subsidiada.
Por isso, Valesca acredita que, para mudar o cenário, seria preciso não só ampliar o acesso à universidade para os negros, mas também dar condições para que eles permaneçam estudando. Ela aponta ainda que há questões de convivência, já que essa população “ingressa em um espaço onde as pessoas repetem reiteradamente que não é onde ela deveria estar”.
— Como a legislação nos permite acesso à educação, não nos negam a entrada. Mas a forma como o sistema educacional está organizado ainda é muito excludente, assim, as dificuldades que vão surgindo ao longo do período fazem com que esse aluno saia da escolarização — acrescenta a professora.
Em relação à renda oriunda do trabalho, a pesquisa aponta que a média dos brancos foi maior do que a dos negros no ano passado, ainda que ambos tivessem o mesmo nível de escolaridade. A maior diferença é percebida entre indivíduos com diploma universitário: enquanto pretos e pardos com Ensino Superior completo aparecem com média de R$ 4.363, brancos recebiam R$ 813 a mais, com R$ 5.176.
— A literatura especializada tem apontado a persistência de diferenciais de salário que não são explicadas por condicionantes tradicionais de produtividade no trabalho, como o nível educacional. Ou seja, ainda estamos diante de diferenças de rendimento discriminatórias — ressalta Ely Jose de Mattos, coordenador do PUCRS Data Social.