Pode não parecer à primeira vista, mas as cidades nos ensinam a todo momento – e é sobre essa função educadora de espaços e serviços urbanos que se propõe a debater o 1° Congresso Porto Alegre Cidade Educadora: Cidade de Paz e Oportunidades. Com programação até esta quarta-feira (30), o evento traz palestras e oficinas e leva a população a locais como museus, comunidades e territórios negros, para mostrar na teoria e na prática como construir uma sociedade que privilegie a educação em todas as suas instâncias.
Para muito além dos muros das escolas, a própria vivência dentro de comunidades de periferia pode ensinar muito sobre uma cidade. Foi pensando nisso que o historiador periférico Clovis da Luz Marques iniciou, seis anos atrás, um trabalho que busca fomentar o turismo e a difusão da história do Complexo do Morro da Cruz, na Zona Leste da Capital. Seu trabalho foi uma das iniciativas mostradas na Rota das Comunidades, uma das seis promovidas nesta terça-feira (29).
— Eu sempre pensei que o professor que vem dar aula na nossa comunidade não pode entender só de quadro-negro, se não entende o que aquele menino passa fora da sala de aula. As próprias ONGs não olham para dentro dos becos. O menino que passa pelos becos para chegar à escola passa por violência, por dificuldade de acesso, por esgoto a céu aberto. Pensei que tínhamos que recorrer à história para entenderem a realidade da comunidade — conta Clovis.
Sempre com a ideia de contar a história da comunidade, um dos projetos criados pelo historiador foi o Brincadeira das Antigas, que resgatou os carrinhos de lomba, os tacos, os piões, as pandorgas e as três-marias. Segundo Clovis, esse resgate trouxe às pessoas um sentimento de nostalgia que tem levado muitos ao Morro da Cruz, atrás desses brinquedos. O historiador também criou um podcast que leva moradores para contarem sobre suas vivências, chamado Morro da Cruz Histórias. Lá, quer trazer a história dos becos para o público geral.
— Isso é uma cidade educadora, que volta lá na história e traz para agregar no futuro. Os becos e vielas não são aceitos pela prefeitura porque não tem gente aqui, para conhecer os nossos becos. A nossa história, a nossa vista e às vezes até as nossas tragédias, tudo isso se choca. Precisamos trazer pessoas de fora que tenham um olhar diferente sobre as coisas, para apostar no turismo por aqui — defende o mobilizador.
Além do Morro da Cruz, outros trajetos dentro da Rota das Comunidades levaram os participantes às Ilhas, à Lomba do Pinheiro e à Vila Planetário.
O menino que passa pelos becos para chegar à escola passa por violência, por dificuldade de acesso, por esgoto a céu aberto. Pensei que tínhamos que recorrer à história para entenderem a realidade da comunidade
CLOVIS DA LUZ MARQUES
Historiador periférico
Territórios negros
Se as comunidades têm muitas histórias e lições para ensinar, os territórios negros de Porto Alegre ajudaram a criar o que a cidade é hoje. Esse legado foi contado na Rota Territórios Negros, que levou os participantes para conhecer um percurso na região central composto por espaços que são referência das práticas culturais e dos modos de vida da população negra da Capital. O roteiro faz parte de um projeto que existe desde 2008 na prefeitura e que, até 2016, contava com a parceria da Carris para transportar as pessoas nesse percurso. Para o ano que vem, a previsão é de que o roteiro volte a acontecer.
— É um processo educativo, independentemente da formação das pessoas, que busca a reeducação da cidade, essa cidade sobreposta negra que muitos não conhecem seus significados. Em uma cidade educadora, nada mais justo que se conheça sua história e seus atores principais, que construíram essa história — observa Adriana Santos, coordenadora da Igualdade Racial na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) e coordenadora dessa rota.
O percurso começou na Praça Brigadeiro Sampaio, no Centro Histórico, hoje mais conhecida como Praça do Tambor, devido a uma escultura do instrumento localizada lá. O monumento marca um lugar antigamente chamado de Largo da Forca, onde se enforcavam escravizados acusados de roubo ou furto. O trajeto também inclui, entre outros, a Praça da Alfândega, o Mercado Público – onde o Bará do Mercado, um orixá de religiões de matriz africana, é representado por um mosaico de pedras e bronze – e o Parque da Redenção, onde escravizados iam celebrar sua liberdade.
Museus
Na Rota dos Museus, foi feito um percurso que passou pelo Museu da UFRGS, pelo Centro Histórico-Cultural Santa Casa, pelo Museu Júlio de Castilhos e pela Pinacoteca Rubem Berta, todos na região central.
Mais antigo da cidade, o Júlio de Castilhos mostrou exposições sobre os 250 anos de Porto Alegre, sobre a história dos povos guaranis e caingangues e seu acervo fixo, com a sala e o quarto de Castilhos, figura histórica na política gaúcha. O local costuma receber a visita de escolas e conta com uma equipe específica para atividades educativas, comandada por Luciano Debom Steiw, servidor concursado formado em História.
— Buscamos mostrar um pouco do que acontece no museu, não só como uma ponte para o passado, mas como espaço para a análise do fenômeno da história e das mudanças sociais. Procuramos mostrar a história das mulheres, dos negros, dos indígenas, toda a pluralidade que nos constitui — ressalta o historiador.
Ex-professor de História, Luciano acredita no papel educador dos museus, que permitem uma forma de entretenimento, em sua opinião, que também traz curiosidade e enriquece para além do conhecimento histórico.
Coordenadora de ações educativas no Museu da UFRGS, Claudia Porcellis Aristimunha participou, durante a pandemia, do programa Museus Conectam, no qual diferentes espaços de Porto Alegre se uniram para fazer programações virtuais conjuntas. A partir daí, se criou uma parceria que organiza roteiros conjuntos para escolas e atividades extras, como uma programação de verão, que ainda está sendo montada.
— Procuramos ter atividades que não sejam só brincadeiras soltas, mas que tenham também um fundo pedagógico, que ensine outras visões de mundo. Isso pode criar o hábito nas crianças de irem a museus e as ajuda a entender como chegamos até aqui hoje — analisa Claudia.
Além destas, foram oferecidas as rotas de Mobilidade Humana, de Inovação e das Escolas. Para esta quarta-feira, serão realizadas mesas redondas e palestras temáticas. As inscrições já estão encerradas.