A ampliação de escolas que oferecem a modalidade de ensino em tempo integral no RS foi uma das pautas central da campanha eleitoral de Eduardo Leite. A questão, porém, é cercada de desafios, que vão da estrutura das escolas à rejeição ao modelo, passando pela necessidade de mais professores e limitações de espaço.
A secretária estadual da Educação, Raquel Teixeira, afirma que, apesar de desafiadora, a promessa eleitoral de Leite, de ter 50% das escolas de Ensino Médio com tempo integral até 2026, é possível:
— É possível chegar. Potencialmente, existe a chance.
Confira, abaixo, a entrevista completa:
De onde o RS parte, no que diz respeito a escolas de tempo integral?
A gente parte hoje no Rio Grande do Sul de uma oferta muito baixa. Se pegarmos as 27 unidades da federação, somos a 27ª em oferta (de tempo integral). A ideia do tempo integral é mais focada no Ensino Médio. E a reforma do Ensino Médio foi criada para ser em tempo integral. Em 2018, quando foi regulamentada, o próprio Ministério da Educação criou um fomento específico para apoiar as escolas na implementação do Ensino Médio em tempo integral. Temos hoje, no Rio Grande do Sul, 18 escolas de Ensino Médio de tempo integral. Para efeito do Censo Escolar (feito pelo Inep), são 41 escolas de tempo integral no RS. Mas, o que é o modelo inovador são mesmo 18, de um total de 1,1 mil escolas de Ensino Médio no Estado.
Dá para chegar à promessa do governador eleito em 50% das escolas de Ensino Médio com tempo integral até 2026?
A gente vai trabalhar para isso. A gente está trabalhando para chegar nesta meta. É possível chegar. Potencialmente, existe a chance. Vou te mostrar os percalços e dificuldades. Quando decidimos que precisávamos expandir as as escolas de tempo integral, fizemos um levantamento para saber quantas escolas estavam prontas para receber o tempo integral. Criamos as premissas e fizemos o mapeamento das 1,1 mil escolas. Dessas, 140 escolas têm condição de receber já em 2023 o tempo integral. Podemos chegar em 2026 com 550 escolas? Potencialmente, podemos. O que acontece na prática? Apresentamos a lista dessas 140 escolas para as Coordenadorias Regionais de Educação e pedimos que analisassem a escolha que nós fizemos em gabinete. Eles analisaram e nos devolveram uma lista com 72 escolas. Essas 72 foram consultadas e, então, 53 aceitaram. Essas 53 novas escolas de tempo integral já estão fazendo matrícula para 2023. A gente está fazendo um trabalho de convencimento com as demais. As pessoas têm medo do tempo integral. Acham que o aluno não vai querer ficar porque vai ter que trabalhar, que o professor não vai gostar. Culturalmente, não é uma ideia completamente assimilada. Eu que implantei em Goiás, meu Estado. Os professores estranham a ideia de passar o dia todo na escola.
Neste momento, são 71 escolas de Ensino Médio com tempo integral para 2023: 18 que já tinham, mais 53 novas. Como chegar a 550 até 2026?
Teoricamente, é possível. Agora, a implementação implica mudanças de cultura. O dinheiro é a parte menos importante. É essa apropriação do modelo que leva um tempo. A gente está na fase que outros Estados já passaram.
O que significa escola de tempo integral, na prática?
Eu fui autora da lei que criou a escola de tempo integral, quando fui deputada. Fiquei um ano viajando o Brasil inteiro para isso. A educação em tempo integral é aquela que é oferecida com no mínimo sete horas por dia, de segunda a sexta, com no mínimo três refeições servidas na escola. Pode ter escolas de tempo integral com oito ou nove horas diárias. Em Goiás, são todas de 10 horas por dia. Educação em tempo integral expande tempo e oportunidades de aprendizagem. Quando começaram a funcionar escolas de tempo integral, a gente tinha o conceito de que, de manhã, funciona a escola séria e de tarde uma escola mais lúdica. Isso não existe mais. Não existe a ideia de contraturno na escola de tempo integral. Existe um turno, do tamanho que for: sete horas, 10 horas.
O que se ganha de conteúdos e disciplinas?
Há várias vantagens. A própria permanência do professor em tempo integral cria um sentido de pertencimento e corresponsabilização pela escola que o professor que pula todo dia de escola em escola não tem. É impressionante a diferença do professor quando ele tem o senso de pertencimento. Deixa de ser um fornecedor da rede e passa a ser um profissional da escola, com tempo de discutir com colegas os casos dos alunos. E o aluno pode ter certeza de que terá um atendimento mais personalizado. O aluno poderá ter atividades de iniciação científica, culturais. É outro conceito.
Com tempo integral, há aumento de carga horária de Português, Matemática e das novas disciplinas do novo Ensino Médio? O que será feito nas duas horas a mais em relação ao formato tradicional?
O aluno vai ter tempo com os colegas para fazer um trabalho de iniciação científica, robótica, espaço e apoio do professor para atividades de aprofundamento do conhecimento. A escola tem todos os tempos preenchidos. Não significa ter mais aulas de Português e Matemática.
O tempo a mais servirá para…
Exploração, inovação. E há dentro das escolas uma supervisão para ver se o aluno está só perdendo tempo ou está de fato fazendo alguma coisa. Essas horas a mais serão preenchidas com disciplinas eletivas, clubes juvenis.
E o professor estará presente?
Não necessariamente. O professor orienta no início e os alunos depois adquirem uma dinâmica própria. Pode ter um clube de gastronomia, de futebol, de Fórmula 1, de ciência, de energia. Neste tempo a mais são realizadas atividades diversas, como disciplinas eletivas, clubes juvenis, atividades culturais, esportivas. Agora, é claro que isso não vai estar pronto amanhã ou no ano que vem. É uma mudança profunda.
E não há risco de essas escolas passarem a ter duas horas a mais apenas para alunos ficarem, por exemplo, jogando bola?
Não. É uma preocupação nossa neste momento de expansão. Você tem razão, e a gente tem esse cuidado. A gente não vai criar uma coisa que não tenha antes formação de professor, porque o professor precisa orientar. Por isso, a expansão neste momento inicial é mais lenta. Não só de quantidade, mas de qualidade da escola. Não tem varinha mágica.
E como é o funcionamento de horário das escolas de tempo integral?
Hoje, a carga horária é de cinco horas por dia. Vão ficar sete horas. Chegam, tomam café da manhã, depois terão almoço e lanche. Vai ficar até 15h ou 16h. Ficam direto na escola.
Tempo integral de sete horas não é o dia inteiro na escola, então?
Não. Por isso lá em Goiás são 10 horas por dia de carga horária nas escolas de tempo integral (para preencher o dia todo). O transporte escolar também não coincide (com sete horas ao dia). Vamos ter problemas de transporte escolar, já estamos olhando isso. Por isso não dá para falar que vamos ter 140 escolas de tempo integral no Rio Grande do Sul ainda no ano que vem.
E dá para chegar na meta de 550 escolas de tempo integral em 2026?
Potencialmente, dá. Dependendo do sucesso de 2023, a expansão vai ser mais rápida e mais fácil.
Quantos professores a mais precisam ser contratados para 2023 para isso?
O cálculo está sendo feito. Não está fechado. O que nos dá uma certa facilidade? Contratamos 4 mil professores em 2021 para o programa Aprende Mais, que é o nosso programa de recomposição de aprendizagem. O programa ampliava a oferta de duas horas semanais de Português e de três horas semanais de Matemática. Reduzimos uma hora cada nesse programa e, assim, temos um estoque de professor disponível. A minha grande preocupação em tudo na educação hoje é ter professor. A gente está vivendo um apagão de professores.
O Estado não pode obrigar nenhuma escola a se tornar de tempo integral?
Não. Em princípio, até poderia. Mas não é uma lógica que funciona na educação. Não adianta a secretária da Educação pensar uma coisa se lá na ponta (as equipes da Educação) não se apropriarem do conceito.
Para uma escola poder funcionar em tempo integral tem pré-requisitos, como ter cozinha, refeitório, cantina. O governo já definiu um novo formato para resolver a lentidão das obras em escolas?
Não. O governo de transição está discutindo isso. Eu vou discutir com o governo de transição no dia 21 de novembro. Isso não está fechado. Agora, claramente vai ter que ser tomada uma providência sobre infraestrutura.
Com o número atual de professores, dá para ampliar o tempo integral em 2023?
Dá, por conta dos professores que já estão no programa Aprender Mais. Agora, a gente ainda vai ter que contratar e vai ter falta de professor de Inglês, Arte, Espanhol em 2023.
Em que regiões se pretende instalar as escolas de tempo integral? Há prioridade para áreas de vulnerabilidade?
As nossas premissas não falam sobre local geográfico. Não tem nenhuma relação (com questões socioeconômicas).
O dinheiro para financiar as escolas de tempo integral vem de onde? Tem dinheiro federal ou é tudo estadual?
O MEC (Ministério da Educação), quando era o governo Temer, ajudou muito. Principalmente na fase do Mendonça de Barros como ministro. Aqui no Rio Grande do Sul, só 17 escolas pediram apoio financeiro. Em Goiás, pedimos dinheiro para mais de cem. O MEC criou a reforma do Ensino Médio e criou o recurso para infraestrutura das escolas. Hoje não tem (dinheiro). A nossa esperança, e eu tenho certeza que vai acontecer, é que o novo governo (Lula) vai retomar esse investimento. O Bolsonaro parou. Foram quatro anos de zero investimento (para a melhoria do Ensino Médio).
O que faz a senhora imaginar que isso vai melhorar no governo Lula em relação ao governo Bolsonaro?
Pelo próprio discurso da campanha. Você pega a proposta da Simone Tebet (ex-candidata à presidência, que integra a equipe de transição de Lula). É uma proposta de se comprometer com escola de tempo integral. E ela fala ainda em bolsa para os alunos de tempo integral. E o Lula tem um compromisso com as propostas que a Simone Tebet fez. Ao longo da campanha ele falou nisso. Tenho razões para acreditar que vai ser implementado.
E as escolas que dizem que não querem tempo integral, alegando que os alunos vão desistir porque, por exemplo, precisam trabalhar em um dos turnos e não podem passar o dia na escola. Qual a estratégia para esses casos?
Por isso a gente já criou, desde o ano passado, uma bolsa de R$ 150 (Programa Todo Jovem na Escola) que está sendo paga desde setembro do ano passado. A gente está pensando em ampliar o valor e o número de bolsas. A gente tem 70 mil alunos que recebem R$ 150 por mês.
A ideia é subir o valor dessa bolsa para quanto?
A gente paga hoje R$ 150 (ao mês). Se deixar por mim, eu coloco pelo menos R$ 300. Mas isso é uma decisão do governador (Eduardo Leite).