Há quem veja a vida passar e quem se atire de cabeça quando enxerga uma oportunidade. Dono da Óptica Davanti, com três lojas em Ijuí, na região das Missões, Joel Leone, 37 anos, é dos que não perdem tempo. Nem poderia.
Filho de uma doméstica e de um pedreiro, não tem, na história da família, o costume de empreender. Sua chance foi aos 17 anos, quando um rapaz que alugava um quarto na pensão de sua mãe anunciou que estava largando o emprego em uma tradicional óptica da cidade, a Losch Heckler, com mais de 70 anos.
Candidatou-se ao cargo e teve ali o seu primeiro trabalho. Começou como auxiliar de laboratório, com a tarefa de limpar as máquinas. Passou para a confecção de lentes, quando aprendeu sobre montagem e fabricação de óculos. Saiu dos bastidores e foi para o balcão, onde se destacou como vendedor, até finalmente ser promovido a gerente.
Levou tempo e esforço para sair do degrau debaixo e alcançar o topo.
— Pensei: "Estou aqui, só tenho essa oportunidade, então vou me dedicar". Mas eu aprendi a amar esse negócio, então comecei a pesquisar, a estudar o ramo. Sempre fui muito enxerido — diz.
Passados 10 anos como funcionário, Joel viu que já não tinha mais como crescer. O cargo de gerente era o último desafio dentro da empresa familiar. Com o conhecimento acumulado, sentiu-se pronto para abrir o próprio negócio.
Montou um plano de negócio com auxílio do Sebrae e fundou, em 2012, a primeira loja Davanti, no Centro de Ijuí. Como não queria disputar clientes com os ex-patrões, focou em um nicho: jovens que não encontravam óculos e relógios modernos nas ópticas mais antigas da cidade.
Empreendedorismo no RS
Com o objetivo de apresentar histórias inspiradoras, a série contará semanalmente as trajetórias de empreendedores que transformaram uma ideia ou um sonho em realidade. Fundadores e sócios de 10 empresas de diferentes cidades gaúchas compartilharão os desafios superados e darão dicas para quem deseja abrir seu próprio negócio nos ramos de tecnologia no campo, saúde, moda, cuidados com o corpo, entre outros.
— As pessoas queriam coisas diferentes. E aqui em Ijuí só tinham clássicos. Quando abri a loja, comprava tudo em cores sóbrias: marrom, preto, branco, dourado, cinza. Comecei a oferecer produtos em cores coloridas e isso vendia. Percebi, então, que tinha um público que estava desassistido.
O sucesso fez Joel se encher de coragem e montar, em 2015, outra óptica. Era uma loja moderna, mas situada em uma rua de Ijuí onde o comércio era de preços populares. Não prosperou. Joel teve de vender a unidade e sofreu, ali, o primeiro fracasso como empreendedor.
— Errei na estratégia. Fiz uma loja linda, top, em uma rua de preços baixos. É um erro que todo empreendedor, em algum momento, tem — admite.
Em 2019, foi selecionado pelo Sebrae para participar da NRF, em Nova York, maior evento de varejo do mundo. Assistiu a palestras de representantes de grandes marcas, como a Apple, e visitou estabelecimentos importantes, como a B&H Photo Video, conhecida como a maior loja de equipamentos de fotografia, além da Phluid Store, tida como primeira loja de roupas sem gênero.
Na pandemia, provou que faz o tipo audacioso de empreendedor. Quando todo o comércio fechou as portas, precisou pensar em estratégias para seguir vendendo sem colocar a saúde dos clientes e dos funcionários em risco.
Uma foi oferecer um tour virtual pela Davanti, em que a pessoa, por videochamada, olhava os modelos de óculos disponíveis nas prateleiras. A outra foi o serviço de tirar medidas dentro da casa do cliente com o máximo de segurança possível: o vendedor fazia um teste rápido para covid-19 e mostrava o resultado negativo.
As vendas triplicaram e, com capital acumulado, Joel abriu mais uma loja em dezembro de 2020, também na região central de Ijuí. Menos de um ano depois, em outubro de 2021, o empresário abriu a terceira unidade — nessa, montou um laboratório digital que faz a confecção de lentes e promete a entrega dos óculos dentro de uma hora.
A série de reportagens
Esta é a décima e última reportagem da série Empreendedorismo no RS, que contou histórias de pequenos empreendedores de todos os cantos do Estado, de Sul a Norte. As repórteres Jhully Costa e Karine Dalla Valle viajaram para diversas cidades para entrevistar pessoas que tinham o sonho de empreender e, para isso, enfrentaram diferentes desafios. Tiveram sucessos e fracassos, entre outros empecilhos.
Cidades que participaram
Contamos histórias em Pelotas, no Sul, Santa Maria, Itaara e Silveira Martins, na Região Central, Ponte Preta, no Norte, Carlos Barbosa, Farroupilha e Caxias do Sul, na Serra, e Santo Ângelo e Ijuí, nas Missões.
Joel admite que sentiu medo de investir tanto dinheiro, em plena crise sanitária, ainda mais com um trauma na bagagem por ter tido uma derrota com a loja de 2015. Mas seguiu um ditado que mantém na ponta da língua:
— É mais fácil ultrapassar 10 carros em dia de chuva do que em dia de sol. Quando tá chovendo, todo mundo freia. Se tu acelera, quando vier o dia de sol, tu estará lá na frente. Na pandemia, quando todo mundo freou, eu disse: "É agora que eu vou acelerar, porque uma hora vai acabar essa crise aí".
Joel tem mais dois propósitos: ser referência no ramo de óptica, relojoaria e joias em Ijuí e, quando alcançar esse objetivo, vender o negócio para os funcionários e se aposentar aos 42 anos. Em vez de acumular mais capital para descansar somente quando ficar velho, deseja ter tempo livre agora para desfrutar com a filha pequena e a esposa.
A ideia é tirar o pé do acelerador e, aí sim, ver a vida passar.
— Quero viver. Mesmo não sendo de família rica, sempre fui organizado, juntei dinheiro, investi. Desde os 25 anos junto para a minha aposentadoria. Não acredito na ideia de ficar velho para aproveitar. Quero aproveitar agora, com minha filha, com a minha esposa. Não acho que preciso deixar riquezas para a minha filha. Eu não tive nada e, mesmo assim, fiz minha história. Ela vai fazer a parte dela, como eu fiz a minha.