O Crie o Impossível levou mais de 9 mil estudantes do Ensino Médio de escolas públicas ao Estádio Beira-Rio nesta sexta-feira (3). Moradores de cidades de diferentes regiões do Estado, os jovens enfrentaram horas de ônibus para desfrutar de uma manhã com palestras de 11 convidados. Os chamados speakers — time formado por influencers e outras pessoas reconhecidas por suas carreiras e que estudaram em escolas públicas — contaram um pouco sobre suas trajetórias, que envolviam relatos de superação, até alcançarem o sucesso.
O evento, considerado "a maior aula aberta" para alunos da rede pública, começou pouco depois das 8h e foi acompanhado ainda, em transmissão ao vivo, por mais de 200 mil alunos em escolas de 765 municípios de todo o Brasil.
Euforia com a Boca Rosa
Nas arquibancadas do Beira-Rio, os estudantes vibravam a cada entrada de palestrante. O ápice ocorreu quando a influencer Bianca Andrade, conhecida como Boca Rosa, subiu ao palco. A empresária, influencer e ex-BBB foi uma das mais esperadas e ovacionadas pelo público.
Uma das empolgadas era Maria Eduarda Soares, 17 anos, da Escola Estadual Visconde de Bom Retiro, de Bento Gonçalves, que gritava quando a influenciadora digital pegou o microfone.
— Cara, eu sigo ela desde 2013, quando ela estava começando a bombar no YouTube. Ela é guerreira, empoderada, veio do nada e conquistou tudo. Ela é independente, não precisa de alguém para sustentá-la. Ela corre atrás. E eu? Eu não decidi o que quero ser, mas quero ser bem-sucedida, como ela. Tomara! — disse Maria Eduarda, com os olhos vidrados no palco.
A empolgação da estudante despenca quando fala sobre o ensino público. Maria Eduarda acredita que há cada vez menos espaço para as disciplinas da área de humanas na grade curricular, o que a desmotiva. Ela já desejou ser professora de História, mas não sabe se vai continuar buscando pelo ofício.
— Sinceramente, se eu soubesse, com certeza, que a realidade vai mudar, eu investiria em História. Mas fazer isso em vão, sabendo que essa disciplina pode deixar de existir, me desmotiva — disse.
No palco, Bianca Andrade, dona da própria marca de cosméticos, contou que desde adolescente era apaixonada por maquiagem. Aos 16 anos, usava sempre batom rosa e, por isso, foi apelidada na escola de "maluquinha da boca rosa", o que originou o nome de sua marca. A influencer relatou que começou na internet um tutorial de maquiagem "quando tudo era mato". Na época, não tinha dinheiro para comprar uma câmera e, por isso, começou a trabalhar com a mãe, em um bufê, para juntar dinheiro:
— Parcelei uma câmera em várias vezes, mas ainda não podia comprar a maquiagem que eu queria. Resolvi trabalhar com o que eu tinha, fui em um lugar no Rio de Janeiro onde tinham várias coisas baratinhas, e fiz meu conteúdo comparando com marcas caras. Meu improviso virou meu maior diferencial, porque não deixei para depois.
Bianca destacou que, para chegar até onde chegou, muitas coisas deram errado, mas que precisou daquilo para amadurecer. Depois de sua fala no evento, disse à imprensa que se impressionou com o impacto de sua presença junto aos jovens.
— Fiquei um pouco chocada, não imaginava. Larguei todo o roteiro que eu tinha feito pra falar mais naturalmente com eles. Eu foi nascida e criada em uma favela do Rio de Janeiro e sei que o que a gente precisa é só inspiração, motivação, acreditar que tem pessoas como a gente como referência. Se eu tivesse tido uma oportunidade dessas quando eu estudava em colégio público, com certeza as coisas seriam diferentes — comentou a influencer.
Ramana e a transformação pela dança
Nathália Francine, 16 anos, da Escola Pio X, de Farroupilha, não conhecia a porto-alegrense Ramana Borba, que se denomina "infludancer"— influencer de dança.. Mas gostou de saber que a dançarina não desistiu de seu sonho:
— Eu não sou de dançar, mas quero ser médica. Ela me inspira porque veio daqui e não deixou que as críticas afetassem o futuro dela.
Ramana tem 20 anos e mais de 1 milhão de seguidores no Instagram. Em sua palestra, falou sobre suas inseguranças quando começou a dançar, aos 14, e que ouviu críticas sobre o seu corpo. Na época, não costumava ver negros protagonistas no universo da dança. Mesmo assim, acreditou em si mesma e criou um canal com tutoriais de dança no YouTube — os vídeos eram gravados pela mãe, que usava o próprio telefone.
— Eu tinha duas coisas que tecnologia nenhuma me dava: vontade e coragem. Não foi fácil, mas, se eu tivesse olhado só para as dificuldades, eu não teria ido pra frente. Quem aqui vai sair e seguir seus sonhos? A única pessoa que decide como vai ser o nosso futuro somos nós mesmos — garantiu.
Hoje ela é dona do maior canal de dança com uma bailarina negra, e recebe mensagens de outras mulheres negras falando que, com ela fazendo sucesso na internet, sentem-se representadas. No currículo, já criou coreografias para danças como Dua Lipa, estrela internacional.
Sentada na arquibancada, a professora Rose Oliveira, da Escola Estadual de Ensino Médio Margot Giacomazzi, de Canoas, tomava cuidado de seus estudantes. Há 15 anos lecionando no ensino público, ela enxerga os jovens cada vez mais desmotivados. Entende que eventos como o Crie o Impossivel pode ajudá-los a ter um norte.
— Eles estão em fase de transição. Ainda não sabem como criar o Impossível. São de classe média baixa, têm pouca clareza do que fazer no futuro. Esse evento estimula eles, abre portas — diz.
Professora de Educação Artística na Escola Olga Nunes, em Quevedos, Região Central do Estado, Vanderleia Abadie acredita que as histórias contadas no Crie o Impossível ajudaram a inspirar os estudantes. Segundo ela, muitos alunos de escolas públicas encontram pouco incentivo em casa, e estavam ainda mais desanimados por conta da pandemia. Os exemplos de superação relatados no Crie o Impossível foram um incentivo aos jovens:
— Na internet, os alunos podem aprender o que quiserem. Já na sala de aula, temos que usar sentimento, criatividade, como aconteceu aqui no evento.
Jaqueline: cientista premiada e Barbie
O público ficou em pé e aplaudiu quando chegou a vez da cientista Jaqueline Goes de Jesus. Reconhecida por liderar uma equipe que sequenciou o genoma do Sars-Cov-2, a biomédica elencou uma série de características que poderiam deixá-la para trás na corrida pela realização profissional.
— Sou negra, mulher, nordestina. Mas também sou cientista reconhecida internacionalmente e lidero uma das pesquisas mais importantes do Brasil. Já estive no lugar de vocês e sei que daí da plateia sairão outros cientistas — previu.
Segundo Jaqueline, foi somente quando ela já estava cursando Biomedicina descobriu que poderia ser cientista. Diante de dificuldades, resolveu criar o impossível:
— Me agarrei a todas oportunidades, e essa é a dica que dou para vocês. Uma das oportunidades que agarrei era um "presente de grego": a gente tinha que viajar pelo Nordeste, com pouca estrutura, sequenciando vírus. Grande parte de meus colegas não quis participar, e foi justamente isso que me levou a entender a técnica que eu utilizei para fazer, em 24 horas, a sequência do coronavírus. Todo mundo acha que foi em 48 horas, mas foram duas rodadas de 24 horas. Eu sou perfeccionista, por isso foram duas rodadas - explicou a cientista.
Uma nova saraivada de palmas foi dada ao Jaqueline contar que virou uma boneca Barbie, uma homenagem da Mattel por seu talento.
— Não sou Barbie porque tenho cabelo da Barbie, casa da Barbie, mas porque sou uma heroína da ciência. As dificuldades vão vir, o descrédito das pessoas vai aparecer, mas não deixe que isso pare vocês - incentivou a profissional.
Educação criativa no Youtube com Noslen
Professor de Língua Portuguesa e considerado o maior youtuber na área de educação, Noslen falou aos estudantes que, aos 17 anos, não sabia o que faria no futuro. Ele lembrou que já trabalhou em diferentes profissões até descobrir o que queria fazer:
— Percebi que o motivo de eu existir é que eu queria ajudar as pessoas.
O professor chegou a começar a graduação em Relações Públicas, mas percebeu que ainda não era o que queria como profissão. Filho de uma professora, lembrou que a mãe sempre ajudou os alunos além das classes de Educação Física e sempre deu conselhos aos alunos. Com facilidade com a gramática, ele encontrou seu caminho.
— Fui estudar Letras, e primeira parte da vida estava resolvida. Mas eu ainda queria ajudar as pessoas. E aí resolvi facilitar a Língua Portuguesa, ser um professor diferente — explica.
O professor Noslen começou a criar paródias com músicas conhecidas e incluir dicas de português nas letras adaptadas. Com a popularização dos smartphones, começou a usar celular em sala de aula, com dicionário online e vídeos para ajudar na interpretação textual:
— Diziam para não deixar usar o celular na sala de aula. Eu fui na contramão do que me pediam, eu usei o celular. Meu nome é Noslen, Nelson na contramão. E não é nome artístico, é meu nome de batismo mesmo. Já que tenho a contramão tatuada na vida, vou continuar na contramão, porque era o caminho correto para ajudar as pessoas.
Além de desafiar as regras, ele resolveu levar o português para o celular e criou o seu canal na internet. Ele é dono do maior canal de educação de ensino de Língua Portuguesa de todo o Youtube.
— Eu criei o impossível — finalizou o professor.
João: professor, escritor e ex-BBB
João Pedrosa, professor, escritor e ex-BBB também compartilhou sua história. "Mais nervoso do que em dia de discórdia", ele direcionou sua fala para a educação e saudou todos os professores:
— Minha vida se transformou como jamais eu imaginaria. Se eu não estivesse neste palco, provavelmente estaria sentado aí com vocês, junto com meus alunos. Fui aluno de escola e depois virei professor de escola pública.
Pedrosa destacou para a plateia que é possível sonhar:
— Há muito tempo, não sabia o que queria fazer da minha vida. Vocês têm cerca de 17 anos, é muito cedo para decidir. Tudo bem se aventurar, mas façam o que vocês gostam, que serão felizes.
Tinga: dos campos de futebol, de volta à sala de aula
Quem também subiu ao palco foi Tinga, ex-jogador de futebol. Ele, que já pisou no campo do Beira-Rio tantas vezes enquanto jogador do Inter, se emocionou ao falar para milhares de adolescentes sobre suas experiências. Ex-atleta e empresário, contou que as dificuldades na família começaram aos sete anos, quando seu pai saiu de casa. Na época, sua mãe passou a trabalhar ainda mais para sustentar a família. Testemunhando o esforço da mãe, resolveu que queria dedicar ao seu sonho: jogar futebol. Colorado desde pequeno, fez três testes no Internacional, e foi reprovado em todos:
— Colorado desde a infância, eu sonhava jogar neste estádio. Vim fazer meu primeiro teste aqui no Inter. Depois de 15 minutos, o treinador me disse que eu era pequeno, magro e precisava treinar mais. Voltei pela segunda e pela terceira vez, e fui reprovado de novo. Confesso que da terceira vez quase desacreditei. E aí veio a tomada de decisão: resolvi fazer o quarto teste, o primeiro no Grêmio.
Esperando o ônibus para ir para o teste, Tinga encontrou três conhecidos na esquina. Todos sabiam da história dele e o convidaram a "fazer aquela correria que não é legal", mas que dava R$ 50. Sem dinheiro, titubeou antes de ir para o teste:
— Graças a Deus eu subi no ônibus. Passei no teste e, três anos depois, eu estava jogando no profissional e vivi durante 20 anos de carreira com sete clubes e em três países diferentes. E todo dia a gente tem ônibus para subir.
Aos 37 anos de idade, depois da carreira no futebol, resolveu retomar os estudos. Até então, Tinga tinha cursado somente até a quinta série. Por já ser conhecido, ficava com vergonha de dizer que estava com dúvida nas lições.
— Quando levantei o dedo e disse que não estava entendendo nada, nunca vi tanta gente querendo me ajudar. Ali eu entendi que o que move o mundo são as perguntas. Quando você entender que são as perguntas que vão fazer você transformar a vida, o mundo, tudo muda — observou o ex-jogador.Além do currículo como jogador profissional, hoje ele é dono de empresa de turismo, marca de roupas e investidor na área de entretenimento em Gramado.
Humorista Isaías é fenômeno do TikTok
Humorista e influencer, Isaías começou sua fala lembrando que na semana passada gravou seu primeiro filme, um sonho realizado. Ele, que sempre foi criativo, queria ser ator, mas não tinha onde estudar para isso na cidade onde vivia. E foi aí que resolveu a gravar vídeos na internet, há sete anos:
— Quando eu comecei eram poucas pessoas, hoje são muitas na internet. Você pode ser inteligente em uma área ou em outra, até encontrar o seu lugar, onde você se destaca mais. E tudo fica mais fácil.
Ele lembrou que não tinha internet em casa quando começou, e usava a wi-fi do curso de inglês para publicar os primeiros vídeos na internet. Hoje ele mais de 11 milhões de seguidores no TikTok. Foi após virar influenciador que conquistou gravar o seu primeiro filme.
Edemar — da paixão pelos quadrinhos a dono do próprio negócio
Edmar Ferreira é o criador de uma empresa de marketing, a Rock Content, que ele define como "a maior do mundo". A vontade para os negócios, conforme relatou, começou na infância, quando já era fã do Batman, herói dos quadrinhos, que, além de homem-morcego, é empresário.
— Minha professora ficou doente e saiu. E daí uma professora substituta perguntou para a gente o que a gente queria ser quando crescesse. Na minha vez, eu disse que queria ser um empresário. Ela riu e disse: "Você terá sorte se não virar um presidiário". Eu fiquei triste, mas era a realidade de onde eu morava — contou.
Ferreira ainda lembrou que, naquele mesmo dia, contou o episódio ao avô, que o falou sobre algo que virou uma espécie de lema em sua vida:
— Meu avô me disse: "Você não precisa se preocupar em ser alguma coisa, você já é tudo que precisa ser. Você precisa se preocupar em fazer alguma coisa, o importante é sempre fazer alguma coisa". Aquilo ficou na minha cabeça, fazer o que posso, com o que eu tenho e onde eu estou.
Ele começou a aprender programação com livros impressos. Como não conseguia ter um computador e sua família não tinha como pagar pelo curso, pegou livros na biblioteca da escola. Com um lápis, copiou todo o livro em um papel. Aprender a programar foi o que permitiu que ele criasse a empresa que, hoje, tem clientes em todo o mundo e tem faturamento de mais de R$ 100 milhões por ano.
MC Soffia na parada
MC Soffia, que atualmente está no 3º ano do Ensino Médio, também falou ao adolescentes no Bei-Rio. Contou que sempre acreditou nos seus sonhos. Hoje, ela aborda temas como racismo, feminismo e empoderamento em suas canções. Explicou que estudo é a melhor arma contra o preconceito:
— Já fiz vários trabalhos com a ONU, a Unicef, trabalhos internacionais. Quando comecei a cantar, só queria chegar no nível da Beyoncé, mas a gente vê que vai conquistando fases.
A rapper cantou para encerrar participação no evento.
Influencer da vida capira
Gustavo Tubarão, influencer que fala sobre a vida caipira, compartilhou com os estudantes a história de como começou sua carreira. Quando saiu do Interior e foi viver em Belo Horizonte, foi difícil fazer amigos por conta do sotaque. Lembrou que sofreu bullying e que, em meio a dificuldades, surgiu a ideia que fez com que ele criasse o impossível:
— Fiz do limão uma limonada. Eu pensei que tinha que ser eu, mostrar quem eu era de verdade, da roça. Comecei a filmar a minha vó me xingando pelas tatuagens, as dificuldades com meu carro velho.
Investidor Favelado e o primeiro milhão aos 26 anos
Murilo Duarte conquistou seu primeiro R$ 1 milhão aos 26 anos. Ao subir no palco, disparou:
— Quem quer ser rico?
O grito foi geral. Peterson Alves, 16 anos, da Escola Estadual de Ensino Integral Fernando Ferrari, de Campo Bom, bradou junto.
— Quero ser rico para ajudar minha família. Tenho o sonho de ser jogador de futebol, mas, se eu não conseguir, vou ser programador. Até já fiz curso — disse o estudante.
O palestrante, criador do canal Favelado Investidor, contou que começou a criar o impossível com a compra de um livro sobre investimento e planejamento econômico. Relatou aos estudantes que começou o canal gravando os primeiros vídeos na laje, e com o Favelado Investidor, criou metas para aumentar o número de seguidores de redes sociais, mas também desejava aparecer na Forbes, feito que conseguiu cerca de um ano depois da criação do canal:
— Uma frase que eu sempre repito nas redes sociais: o segredo é a constância. Você tem que estudar todo dia, sacrificar coisas e até abrir mão de algum rolê em prol do seu futuro. Da favela para o mundo, eu acredito em vocês. Pra cima!
Chegada e expectativa
Os portões do estádio foram abertos às 6h30min, como previsto, mas antes mesmo já tinha uma fila de ônibus com os estudantes e professores no pátio do complexo.
Às 6h50min, a primeira fileira, mais próxima do palco instalado atrás do gol, já estava ocupada. As poltronas foram tomadas por uma turma que veio de longe: estudantes do município de Manoel Viana, na Fronteira Oeste.
— Eu espero tudo — diz o aluno Anderson dos Santos oliveira, 16 anos, sobre a expectativa para o evento.
— Tudo e mais um pouco — complementou o amigo, Gilliard Tassinari Petrocelli, 17.
A professora da turma da Escola Estadual Manoel Viana explicou que tem motivado os jovens para sonhar alto.
— Sonhar não custa nada. Depende de cada um — acredita a educadora.
O grupo de 45 adolescentes e seus professores saiu às 21h30min de quinta-feira (2) em direção a Porto Alegre. Os estudantes trouxeram chimarrão e, na entrada do estádio, ganharam uma sacola com uma planilha, biscoito, sanduíche e suco.
A quarta edição do Crie o Impossível, na capital gaúcha, é organizada em parceria com o Sebrae-RS - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul e com a Secretaria Estadual da Educação. Também tem apoio de Instituto MRV, Instituto Localiza, Alicerce Educação, Bees, Latam, Estádio Beira-Rio e Grupo RBS.