A vacinação de crianças de cinco a 11 anos contra a covid-19 começou na última sexta-feira (14) no Brasil – no Rio Grande do Sul, a campanha se inicia nesta quarta-feira (19). Já aplicação de doses da Pfizer no público de 12 a 17 anos começou ainda em 2021. Com o avanço da imunização dos menores de 18 anos, surge uma dúvida: escolas podem negar matrícula e frequência de estudantes não vacinados?
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a vacinação é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Quem descumpre "os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda" está sujeito a multa de três a 20 salários - pode haver, ainda, punições mais severas.
Especialistas destacam que para essa regra valer é preciso que a vacina conste no Plano Nacional de Imunização (PNI), o que ainda não foi feito pelo governo federal. Vacinas BGC e a tríplice viral, por exemplo, são obrigatórias.
Quando o imunizante passa a integrar o PNI, as escolas podem exigir comprovante na matrícula. Negar a frequência do estudante, porém, é considerado "difícil".
Direito à educação
No Rio Grande do Sul, não haverá exigência da vacinação contra a covid-19 para que adolescentes e crianças retornem às aulas. Em posicionamento encaminhado a GZH nesta terça-feira (18), véspera do início da campanha para crianças no Estado, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) reforçou que, para ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, só será cobrado comprovante das vacinas que estão incluídas no calendário nacional - a covid-19 ainda não está entre elas.
A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) informou que atende às diretrizes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid (Secovid), submetida ao Ministério da Saúde, e garantiu que não haverá impeditivos para estudantes não vacinados contra a covid-19.
Em São Paulo, apesar de as escolas não impedirem a matrícula, uma lei obriga a instituição a informar o Conselho Tutelar da não apresentação do comprovante vacinal por parte de pais ou responsáveis.
Já as instituições de ensino privado do país, conforme a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), têm orientação de não exigir o certificado de vacinação. Presidente da Fenep, Bruno Eizerik, que também é representante do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS), destaca que, embora ambos os sindicatos defendam a vacinação para as crianças, as escolas não podem fazer essa cobrança, já que é uma atribuição do governo estadual ou federal.
- No momento, a vacina contra a covid-19 não está na lista de vacinas obrigatórias exigidas pelo Ministério da Saúde. Então, não cabe às escolas essa exigência. O que podemos fazer é conscientizar as famílias para a importância da vacina - disse Eizerik.
O que diz a lei
A lei 13.979/2020, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, diz, no artigo 3, que o Estado pode determinar vacinação compulsória "para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus".
Em dezembro de 2020, após debater o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve entendimento de que a vacinação obrigatória é constitucional, mas que ninguém pode ser forçado a se vacinar. Pela decisão, os Estados podem exigir a vacinação por medidas indiretas, como a cobrança de passaporte vacinal para adentrar alguns espaços. O STF ainda definiu que pais são obrigados a vacinar filhos, independentemente de convicções ou crenças.
– A questão da comprovação da vacina tem um amplo respaldo nos artigos 196 e 197 da Constituição, que asseguram o direito à saúde e que cabe ao poder público dispor sobre as suas regulamentação – avalia Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Quanto à proibição de matrícula e frequência, Anna destaca que é "complicado", pois o acesso à educação é um direito.
– Sabemos que esses dois anos de pandemia trouxeram graves prejuízos ao processo de aprendizagem dos alunos. Então, eles ficariam ainda mais prejudicados se não pudessem ir à escola (devido à falta de vacina) – reflete.
Já a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Elisa Costa Cruz considera que a proibição de matrícula ao não vacinado é um "caso difícil".
– Porque a criança não pode ser prejudicada no seu direito à educação nem à saúde por um comportamento que é dos pais. Mas numa reiteração do não cumprimento do dever de vacinar, e uma vez que a gente precisa levar isso em consideração como saúde pública, talvez se justifique.
A advogada especialista em direito da família Marília Golfieri Angella, por sua vez, pontua que não há "dispositivo legal" que permita essa proibição. Ela diz que podem ser aplicadas outras medidas, como imposição de multas em razão da violação de dever decorrente do poder familiar ou tutela e guarda.
– Em casos extremos, até mesmo a perda da guarda por parte de pais que se recusem a vacinar os filhos, por exemplo, por posições políticas negacionistas – pontua.