Pelo segundo semestre consecutivo, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu não fazer seu tradicional vestibular – o ingresso será por meio de um processo seletivo baseado nas notas dos alunos nas edições de 2017, 2018, 2019 e 2020 do vestibular da instituição ou do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
A decisão teve como base as orientações do Comitê Covid, responsável pela criação de planos de contingenciamento da pandemia envolvendo a comunidade acadêmica. Esse grupo, composto por todos os segmentos da universidade, entendeu que não haveria condição de fazer o vestibular, devido às condições epidemiológicas atuais.
Segundo o vice-pró-reitor de Graduação da UFRGS, Leandro Raizer, para dar tempo de corrigir as provas, fazer a análise documental e completar o processo relacionado a cotas sociais e étnico-raciais antes do início das aulas, marcado para 7 de janeiro de 2022, a instituição precisaria fazer o vestibular em setembro ou outubro, quando a faixa etária dos 18 aos 23 anos, da qual a maioria dos vestibulandos faz parte, ainda não terá recebido a segunda dose da vacina contra a covid-19 e, portanto, não terá imunização completa.
— Entendemos a insatisfação que essa decisão possa gerar. A pandemia prejudica muito, altera muito a nossa rotina, mas, infelizmente, os jovens deverão estar com o esquema vacinal completo por volta de dezembro. Não termos como realizar o vestibular tão tarde, e prevalece a nossa preocupação com a saúde e a vida dos vestibulandos e suas famílias — afirma Raizer.
O vice-pró-reitor ressalta, ainda, que o valor de inscrição para o vestibular precisaria ser mais alto do que nas edições anteriores, já que seria necessário oferecer mais salas para a realização da prova e uma série de equipamentos e protocolos. Raizer também salienta que o risco de contaminação de servidores, estudantes e candidatos envolvidos com o evento começa no deslocamento de ida e volta para o exame.
— Assim que possível, pretendemos retomar a forma tradicional do vestibular, mas, para isso, precisamos de condições epidemiológicas melhores e esquema vacinal completo — pontua o vice-pró-reitor.
O uso da nota do Enem de 2021 também se torna inviável, devido ao período no qual a prova será realizada. Previsto para novembro, o exame dificilmente teria a divulgação final de suas notas feita a tempo de o certame poder ser incluído no processo seletivo de 2021/1 da UFRGS.
O infectologista Luciano Goldani considera a decisão da instituição de ensino acertada.
— Vivemos um momento epidemiológico ainda muito preocupante, com um número de casos e de óbitos ainda alto no Brasil, apesar de terem diminuído. Os jovens praticamente não foram vacinados e não daria tempo, até outubro, de vacinar todos — avalia o médico.
Goldani destaca que o ritmo da vacinação está lento a entrada da variante Delta no país, mais contagiosa, preocupa ainda mais. Em sua opinião, como a UFRGS encontrou formas alternativas de fazer a avaliação dos candidatos, a decisão preserva a saúde e contingencia a crise sanitária – diferentemente do Enem, que não conta com alternativas e, portanto, precisa ser feito.
— O Enem avalia diferentes faixas da população, desde os mais pobres até os alunos de escolas privadas, então ele é muito importante, para evitar desigualdades no processo avaliativo. Porém, o governo federal deveria adotar todas as medidas protocolares para fazer um evento desses — observa o infectologista, citando, por exemplo, a aceleração do ritmo da vacinação, protocolos para o transporte dos alunos e a testagem em massa dos candidatos.
Replanejamento
Vestibulanda há quatro anos, Natália Zanini, de 20 anos, relata que a forma como os candidatos têm estudado mudou com essa alteração no processo seletivo da UFRGS. A principal diferença, segundo a estudante, é que o vestibular da universidade possui questões mais objetivas sobre as matérias, enquanto o Enem envolve mais textos e demanda uma capacidade interpretativa maior.
— Normalmente, havia os vestibulandos que gostavam mais do vestibular da UFRGS e outros que gostavam mais do Enem. Quando a UFRGS optou por usar a nota do Enem foi extremamente desafiador, porque muitos alunos tiveram de mudar o planejamento, porque já não há mais uma porta de entrada diferente do Enem. Mas não entro no mérito de fazer ou não o vestibular, porque é, sim, relevante em uma pandemia não fazer um evento desses — analisa a jovem.
Natália, que estuda no Método Pré-Vestibular e almeja uma vaga na Faculdade de Medicina, diz que, para ela, funciona melhor fazer exercícios e provas e ir estudando com base nos seus erros. Para o Enem, tem separado as provas anteriores e feito seus estudos com base nelas, com um olhar mais analítico.
No cursinho, ela afirma que o conteúdo programático não tende a mudar, já que os mesmos conhecimentos são exigidos em ambas as provas. Porém, o planejamento, que normalmente envolve focar na estrutura do Enem antes e, depois que o exame termina, trazer o que cai mais especificamente na UFRGS – como assuntos ligados a Geografia e História local, por exemplo – deve ter algumas mudanças.
A equipe pedagógica do Método, em nota, defendeu que o principal problema não é o uso da nota do Enem para a UFRGS, e sim a demora na tomada de decisões sobre a forma de ingresso, que afeta o trabalho dos cursinhos “e a vida das milhares de famílias envolvidas”. Entretanto, assegura que nada mudará e o pré-vestibular seguirá auxiliando na preparação dos estudantes nos diferentes tipos de processos seletivos para universidades públicas e privadas.