De todas as soluções encontradas pelas escolas para evitar o contágio pelo coronavírus nesta volta às aulas, com as mostradas neste link, o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry considera que a mais eficaz ainda é a ventilação dos ambientes, somada ao uso de máscara e à higienização das mãos.
— Se os professores puderem dar aula no pátio e as merendas forem consumidas em lugares abertos, tanto melhor. Quando você vai comer, evidentemente vai tirar a máscara, então, nesses momentos, se a peça não é ventilada, o risco é maior — analisa Petry.
Com a chegada do inverno, a tendência é fechar as janelas. Contudo, o epidemiologista alerta que, mesmo com o frio, a recomendação é manter tudo aberto, criar fluxos de ar, com aberturas opostas abertas, e não ligar o ar-condicionado, que não faz a troca do ar com o exterior. O especialista sugere que os pais agasalhem bem as crianças quando forem para a escola, a fim de evitar a necessidade de fechar janelas.
Entre as ideias colocadas em prática pelos colégios, Petry aponta os aplicativos para que os pais aguardem seus filhos no carro como positivos, uma vez que reduzem a circulação de pessoas nos ambientes. Também indica a instalação de divisórias de acrílico entre as mesas no refeitório como uma solução eficaz, que protege os estudantes contra os aerossóis.
— Os vírus respiratórios são transmitidos por gotículas de fala e aerossóis. As gotículas são partículas maiores e mais pesadas, então logo caem. Os aerossóis, por serem menores, flutuam, então, mesmo com determinada distância, as pessoas podem contaminar outras com o aerossol, e os acrílicos reduzem o risco — explica.
Processos de higienização de mochilas e objetos, por outro lado, têm uma importância menor no que se refere a evitar o contágio, de acordo com o epidemiologista. O fundamental mesmo é evitar a proximidade entre as pessoas.
Escolas encaram novo modo de ensinar, enquanto recuperam tempo perdido
Uma unanimidade entre as escolas é a constatação de que a pandemia acelerou mudanças que as instituições de ensino já vinham implementando mais lentamente há bastante tempo. Com as aulas remotas, o consumo do papel caiu e os recursos tecnológicos se tornaram os melhores amigos dos professores.
Na visão de Dario Caldas, do Observatório de Sinais, a maior parte dos investimentos das escolas em tecnologia era na área de hardware, adquirindo computador, Wi-Fi, lousa inteligente, mas pouco se mudou na forma da educação em si. A pandemia fez com que as instituições fossem para a lógica “figital” (mistura de física e digital).
— Este momento da pandemia fez com que caísse a ficha nas escolas de que não é possível ficar à parte das tecnologias. Já ficaram distantes da tecnologia por muito tempo e, de uma hora para a outra, tiveram que correr atrás do prejuízo. Agora as escolas estão mais maduras para ir para o digital, que não é só dar aula online — defende.
Para a diretora pedagógica do Farroupilha, Marícia Ferri, abre-se um leque de oportunidade para o trabalho pedagógico no meio digital, que foi de maneira intensa. Ela considera que essas ferramentas "vieram para ficar”, porque possibilitam o uso de metodologias que levam a um processo de aprendizagem mais eficaz.
Aos poucos, vai se criando um entendimento dentro dos colégios de que as tecnologias são meios, assim como os livros, para alcançar um conhecimento, mas não fazem o trabalho sozinhas.
— A tecnologia que mediar a construção do aprendizado, essa não deixará de ser usada nem depois da pandemia. A escola que conseguiu fazer a leitura desse tempo vai avançar e crescer — avalia a irmã Celassi Dalpiaz, diretora do Santa Inês, onde o meio digital tem servido para criar projetos sobre temas diversos, sobre os quais os estudantes precisam pesquisar em profundidade.
No Israelita, plataformas adotadas para o ensino de leitura, informática e hebraico, por exemplo, serão permanentes no currículo. Algumas disciplinas do Ensino Médio, que antes eram presenciais, devem continuar online no pós-pandemia, como inovação e empreendedorismo, por exemplo. O mais importante, porém, foi a mudança na lógica educacional. Para o superintendente-geral do colégio, Janio Alves, este é o momento de estar com a mentalidade aberta para lidar com um mundo de incertezas:
— Muitas escolas pensavam que entrar para o ensino remoto era dar a mesma aula pela internet. Desde o início, nós adotamos uma postura diferente: fizemos uma reunião com os professores e dissemos “Bom, esqueçam o que fazíamos. O que as novas tecnologias nos permitem?”, questionamos, e propusemos aprender tudo dentro daquela realidade. Foi muito interessante.
O diretor administrativo do Província de São Pedro, Guilherme Peretti, reconhece que é um grande desafio o professor pensar em duas aulas diferentes, uma online e outra presencial, mas considera que os recursos disponíveis têm oferecido alternativas que geram engajamento e novas experiências. A instituição tem contado com a plataforma Google Sala de Aula para quebrar o paradigma do professor enquanto "ensinador", para assumir um papel de facilitador.
— A aprendizagem não está restrita ao horário da escola, o aluno aprende sempre. Cabe à escola entregar recursos para isso e envolvê-los. No conceito de “sala de aula invertida”, por exemplo, o professor manda antes o que preparou para a aula e usa o momento em sala de aula para debater aquilo que o aluno já teve contato. O professor pode ganhar tempo com as ferramentas digitais — salienta Peretti.
Ensino híbrido demanda metodologias ativas, tecnologia, integração e personalização
A professora da Faculdade de Educação da UFRGS e coordenadora do Núcleo de Tecnologia Digital aplicada a Educação, Patricia Alejandra Behar, relata que, para ser considerado híbrido, o ensino precisa envolver algumas características: o uso das metodologias ativas, a integração entre as modalidades de ensino, o uso de recursos digitais e a personalização da educação, sempre colocando o estudante como foco do processo ensino-aprendizagem. Contudo, a docente avalia que nem sempre essa combinação acontece.
— Nem todos os professores estão aplicando metodologias ativas, onde o aluno é o protagonista e adota uma postura mais participativa, de resolução de problemas e desenvolvimento de projetos voltados para o conhecimento. Em muitas escolas, os professores estão gravando as aulas em vídeo e pronto, e isso não é ensino híbrido — pontua.
No que se refere à personalização do ensino, Patricia explica que ela não significa oferecer atividades desenvolvidas para cada aluno. A ideia é usar todas as modalidades tecnológicas possíveis, para que cada aluno encontre o que funciona melhor para ele – e isto não demanda turmas menores ou atendimento individualizado:
— Cada aluno é único, tem interesses, talentos próprios e responde de forma única aos estímulos de aprendizagem e motivação. Para desenvolver um ensino personalizado, precisamos ter uma série de estratégias, usando diferentes tecnologias e ações pedagógicas, em momentos diferentes, para promover a construção do conhecimento desse aluno de forma individualizada, respeitando a limitação e as competências de cada um.
No sentido oposto ao da personalização do ensino, Dario Caldas, do Observatório de Sinais, chama a atenção para a prática de algumas instituições de ensino, de gravar aulas e usá-las em diferentes situações, a fim de economizar com horas-aula pagas aos professores. O sociólogo destaca que as pessoas têm buscado exatamente o contrário.
— Existe uma tendência muito forte da personalização, que o digital, inclusive, favorece muito. Não se pode usar a lógica digital para oferecer um ensino de massa, pronto para ser consumido. A tecnologia boa é aquela que vai jogar a favor da excelência dos mestres, e não substituí-los. A tendência é de personalização e, junto dela, a transformação da experiência digital em mais quente, humanizada e inclusiva — cita Caldas.
O principal entrave para que o ensino híbrido em toda sua complexidade seja viabilizado é a formação dos professores para ele. Segundo a professora da UFRGS, a pandemia exigiu mudanças muito rápidas nas escolas e não houve oportunidade para a preparação adequada tanto dos docentes, como dos alunos para essa realidade. A transformação fez com que os educadores precisassem usar a criatividade e os estudantes desenvolvessem mais autonomia em seus estudos, o que, para Patricia, é positivo.
Para lidar com o ensino híbrido – que, conforme a educadora, veio para ficar – o professor terá de buscar formações contínuas, sempre aprofundar seus conhecimentos sobre recursos tecnológicos, aprender a se comunicar, a trabalhar de forma colaborativa e, principalmente, desenvolver a habilidade de fazer curadorias educacionais, de acordo com Patricia. Enquanto curadores, os docentes aprendem a selecionar materiais e fontes e a pensar nos recursos e na acessibilidade de aprendizagem para estudantes com deficiência.
A curadoria educacional vai ao encontro do pensamento autodidata que os jovens da geração atual têm, na opinião de Dario Caldas. O problema é que, segundo o sociólogo, esse mesmo jovem não enxerga a escola como o canal onde ele vai encontrar as informações que ele deseja e procura, o que o afasta da escola e o aproxima de uma prática mais “faça você mesmo”.
— Essa é a geração tutorial. Eles acham que as escolas falam sobre conteúdos que não lhes interessam, que tudo que já foi feito está errado e acabam não querendo estudar, que dirá fazer faculdade. O desafio da escola do futuro é encontrar equilíbrio entre todo esse apelo do futuro e gerar interesse pelo que tem que ser mantido do “passado”, ou seja, o conhecimento de base — observa.
Para lidar com tantas mudanças e se aproximar dos alunos, a professora Patricia Behar reforça que os docentes não podem ter medo de errar:
— (Errar) É algo que o professor acha que não pode. A gente erra muitas vezes e não tem que ter esse medo na frente dos alunos, porque o modelo híbrido é novo, estamos migrando e descobrindo no susto, e o sucesso vai depender dos professores, dos alunos, dos gestores e das famílias. Tendo esses quatro pilares, vai ser um sucesso — garante a professora.