O ano letivo será de muitas novidades nas escolas da rede pública estadual no Rio Grande do Sul, com mudanças para os alunos de todas as idades, além de pais, professores e demais funcionários. A partir de terça-feira (18), quando a maior parte das instituições volta às aulas – algumas, por conta da greve de docentes no ano passado, ainda estão ou acabaram de sair do ano letivo de 2019 –, haverá uma forma unificada de avaliação, o incentivo ao uso do diário de classe eletrônico, crianças de cinco anos matriculadas no Ensino Fundamental e horas-aula padronizadas em 60 minutos.
Algumas dessas propostas têm sido alvo de críticas, em especial pelo que especialistas em educação e entidades da área classificam como uma falta de diálogo, por parte da Secretaria Estadual da Educação (Seduc), na sua implementação.
Atualmente, cada uma das escolas da rede estadual tem autonomia para definir de que forma vai avaliar os estudantes. É comum que sejam utilizados conceitos como "A", "B", "C" e "D", ou "péssimo", "bom", "muito bom", "excelente", entre muitos outros, que agora deverão ser padronizados com notas de zero a 10. Ficam de fora dessa padronização o 1º e o 2º anos do Ensino Fundamental.
O diretor do Departamento de Educação da Seduc, Roberval Furtado, destaca que foram identificadas, ao longo de 2019, 326 formas de avaliação utilizadas por escolas estaduais em 2019, o que levava a uma pulverização indesejada pela secretaria.
— Com isso, a secretaria não tinha como acompanhar o desenvolvimento dos alunos. O estudante transitava entre escolas da rede estadual e não havia uma uniformidade. Não pode haver essa pulverização — afirma Furtado.
O diretor explica que isso era prejudicial, por exemplo, ao se analisar o histórico escolar: conceitos diferentes dificultam uma compreensão mais clara da evolução e das aptidões do aluno. Ele garante, porém, que as escolas poderão continuar utilizando os conceitos com que estão acostumadas, contudo a divulgação das notas à Secretaria da Educação deverá, obrigatoriamente, ser feita com notas de zero a 10.
— A forma de avaliar é da escola, isso é muito genuíno, e é até interessante que a gente tenha várias formas de avaliar. Mas a forma de expressão dessa avaliação é que precisa ser única, para a rede poder acompanhar o desenvolvimento de cada aluno ao longo dos anos — completa Furtado.
Também serão padronizadas as matrizes curriculares, de forma a unificar a nomenclatura de disciplinas – há português e língua portuguesa, por exemplo – e a quantidade de aulas previstas para cada conteúdo.
Críticas ao modelo
A definição foi publicada pela Seduc em uma portaria de 3 de dezembro, e pouco mais de duas semanas depois o Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS) divulgou um parecer, aprovado por unanimidade pelo seu colegiado em sessão plenária em 20 de dezembro, em que solicita a revogação desse tipo de registro de avaliação e da reorganização curricular proposta pela secretaria para o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
— A secretaria não tem prerrogativa de alterar o regimento escolar, mas resolveu desconsiderar o que estava no regimento de cada escola e unificar o sistema de avaliação. Nós não somos necessariamente contra (a avaliação com notas de zero a 10), o grande problema é que não fomos ouvidos. O conselho não foi consultado, as próprias escolas não foram consultadas — relata a presidente do CEEd/RS, Sônia Verissimo.
Para Faisal Karam, secretário estadual de Educação, o "fundamental nisso tudo é a reorganização da rede".
— Não é o fato de pegar e impor de cima para baixo, mas tem que ter uma padronização das ações. Chegou o momento de reorganizar a vida da secretaria, a vida da rede e, por consequência, trazer a melhoria do ensino para os nossos alunos — garante Karam.
O secretário argumenta que, se os resultados da educação gaúcha fossem de excelência, não seria preciso tomar medidas drásticas. Mas o quadro atual demanda ações urgentes.
— Como o professor vai ser contra isso? A quem interessa essa desorganização da rede? Ela não interessa ao aluno. Não interessa ao professor.
Mas para Jose Clovis de Azevedo, secretário estadual de Educação entre 2011 e 2014, durante o governo Tarso Genro (PT), que adotou um conceito mais amplo que o numérico, nada muda quando se altera apenas o sistema de avaliação.
— Tem uma visão tradicional de educação que parte do princípio de que o conhecimento pode ser mensurado, e aí estabelece quantificações. Nos meus estudos, e na linha de pensamento que desenvolvi, essa é uma concepção que não dá conta do processo de desenvolvimento do aluno. Na realidade, ela avalia só o produto final, e a avaliação deve se preocupar com todo o processo de aprendizagem — descreve o professor, que é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
Para Azevedo, o ideal é que as notas apresentem mais do que apenas um número. O melhor, para educadores, pais e alunos, seriam conceitos amplos, que resumissem um pouco o processo de aprendizagem de cada aluno, levando em consideração a história dos estudantes, suas especificidades.
— Sei o quanto isso é difícil dentro da realidade do nosso Estado. Já fui secretário de Educação. E é claro que as famílias estão muito acostumadas à forma tradicional, à nota 8, 9 ou 10... Mas isso é um dos responsáveis pelo mal desenvolvimento da educação brasileira, pois estabelece uma régua. E, quando os alunos ficam para trás, nunca o processo pedagógico vai ao encontro das suas realidades — afirma o pesquisador.
Incentivo ao uso do diário eletrônico
Além da mudança no sistema de avaliação, a volta às aulas na rede estadual também prepara outras novidades. Uma delas é a implementação do diário de classe online: a partir deste semestre, todas as escolas públicas estaduais serão incentivadas a adotar um aplicativo que permite o registro de frequência e o desempenho de cada estudante nas provas. As informações ficarão acessíveis para a direção das escolas, os professores e os pais ou responsáveis cadastrados.
— O professor lança os conteúdos e notas no sistema, e os pais podem acompanhar a frequência e conceitos dos estudantes. Facilita a vida do professor e o controle dos pais —avalia Roberval Furtado, diretor do Departamento de Educação da Seduc.
Também passa a vigorar neste ano, nas instituições estaduais de Ensino Fundamental e Médio, a política denominada Escola Gaúcha. Entre as dimensões propostas por essa política estão pontos referentes à formação integral dos estudantes, organização curricular, práticas pedagógicas, gestão educacional, valorização dos profissionais da educação, infraestrutura escolar, avaliação, financiamento e regime de colaboração com os municípios.
A ideia é que as práticas propostas por essa política transcendam um único governo e sejam adotadas como uma base para a evolução educacional no Rio Grande do Sul.
— É uma política de educação para a rede que vai balizar todas as ações (da Seduc), com objetivos e dimensões claras. A gente deixa de pensar só no rápido, só no plano imediato, para propor ações a longo prazo. Projetos têm vida muito curta. Essa é uma política de educação.
Também passa a valer, neste ano, as matrículas para o primeiro ano do Ensino Fundamental na rede estadual para alunos que completam seis anos até 31 de maio. A lei estadual que flexibiliza a idade para ingresso na escola é alvo de controvérsia, e foi sancionada pelo governador Eduardo Leite no final de 2019.
Neste ano letivo, também será adotada uma hora-aula padrão de 60 minutos: antes, as aulas variavam, de acordo com cada escola, entre 45, 48, 52, 58 e 60 minutos.
— É inadmissível que, ao longo dos últimos anos, a rede tenha se desestruturado a tal ponto de termos que discutir o que é hora-aula. Uma hora não é de 45 minutos, é de 60. Fomos perdendo, ao longo do tempo, alguns critérios fundamentais, que estamos retomando — define o secretário Faisal Karam.
Para Jose Clovis de Azevedo, medidas administrativas, sozinhas, não têm força para determinar mudanças na qualidade da educação.
— Esse fato de o Estado estabelecer notas uniformes não representa absolutamente nada em termos de melhorias no ensino, a não ser que venha acompanhado de políticas de educação consistentes.
Faisal Karam explica que as mudanças, ainda que não sejam consensuais, são de fácil implementação e podem representar avanços para as escolas e os alunos. Mas ele admite que é preciso ir além:
— Temos que modernizar as escolas. Investir em tecnologia. Tornar a aula mais atraente para o aluno. Mas isso demanda muitos recursos. É uma realidade com que procuramos lidar permanentemente.
Calendário Escolar 2020*
- Início: 18 de fevereiro
- Fim: 16 de dezembro
- Recesso: entre 20 de julho e 2 de agosto
* Escolas cujo ano letivo de 2019, por conta da greve dos professores, avançou para 2020, poderão elaborar calendários escolares diferenciados. Eles devem ser aprovados pelo Conselho Escolar e submetidos à análise e à homologação da respectiva Coordenadoria Regional de Educação e da Secretaria Estadual da Educação.
Fonte: Secretaria Estadual da Educação (Seduc)