Uma prova como as outras também pode ser surpreendente. É essa a sensação que fica ao se analisar as questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019, que teve o primeiro dia de aplicação neste domingo (3) para milhões de estudantes em todo o Brasil. Depois de problemas com a gráfica (a que iria imprimir o exame decretou falência em abril), de preocupações quanto ao teor do exame (o presidente Jair Bolsonaro criticou perguntas feitas na prova em outra edição) e de dúvidas quanto à logística, o Enem foi aplicado sem sobressaltos, seguindo o mesmo padrão dos últimos anos.
Isso significa que, mesmo com a divisão em dois domingos – no próximo fim de semana, os estudantes deverão voltar aos locais de prova –, foi preciso demonstrar resistência para aguentar uma tarde inteira respondendo a 90 questões de Ciências Humanas e Linguagens, além de escrever uma Redação. E significa também que o exame não deixou de lado temas polêmicos e contemporâneos.
— Fiquei surpreso, achei que a prova não iria abordar temas de que o atual governo tenta fugir. Mas não foi isso o que deu para perceber: tinha questão sobre agrotóxico, sobre o Estado laico permitindo a perseguição a algumas religiões, sobre desigualdade de renda e a fome como produto disso — diz Cláudio Hansen, professor de geografia e atualidades e gerente pedagógico do Descomplica.
Entre as questões mais atuais, aponta o professor, estão uma envolvendo a revisão do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e outra sobre a condição de bônus demográfico que vive o Brasil, assim como muitos outros países. Para Hansen, porém, alguns assuntos ficaram em falta, como a geografia física do Brasil, comum em outras edições da prova.
Fiquei surpreso, achei que a prova não iria abordar temas de que o atual governo tenta fugir. Mas não foi isso o que deu para perceber
CLÁUDIO HANSEN
gerente pedagógico do Descomplica
Os professores Leandro Almeida e Leandro Vieira, do ProEnem, também destacaram um perfil diferente da prova de Ciências Humanas, especialmente por conta do uso de textos introdutórios mais curtos.
— As questões foram, em sua maioria, bastante objetivas. Surpreendeu também o baixo número de questões de História, além da ausência de temas clássicos como Revolução Francesa, Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria. Sociologia também não apareceu com tanto destaque, mas houve questões relacionadas a cultura, patrimônio e políticas públicas governamentais — garantem eles, salientando que Filosofia teve o maior aumento do número de questões em relação aos anos anteriores.
Outra questão importante da prova neste ano foi que, pela primeira vez desde 2009, o Enem deixa de abordar a ditadura militar. Conforme apuração da Folha de S. Paulo, a primeira edição do Enem sob o governo Jair Bolsonaro foi também a primeira em pelo menos oito anos que não trouxe nenhuma questão relativa à ditadura militar (1964-1985) nas provas de Ciências Humanas e Linguagens.
A prova de Linguagens também seguiu a mesma linha de anos anteriores. Duas características chamaram atenção neste ano: a primeira foi a ausência de questões envolvendo quadros, pinturas, tão comuns no exame. Outra foi a quantidade de perguntas sobre esporte e alimentação.
— Tinha uma questão muito específica de transtornos alimentares, que não é nada comum na prova. Também tivemos menos questões de funções de linguagem, um assunto que normalmente cai bastante. Na parte de Literatura, teve muita interpretação de texto, como de costume — avalia Mariana Goulart, professora de redação e linguagens no Me Salva!.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aplicou a prova em 10.133 locais, em 1.727 municípios brasileiros. Agora, os inscritos se preparam para o segundo dia de provas, que acontece no próximo domingo, 10 de novembro. Os participantes farão as provas de Ciências da Natureza e Matemática. A aplicação terá cinco horas de duração e os portões serão abertos às 12h (horário de Brasília).