Há mais de um mês, Larissa Migotto, 22 anos, moradora do Centro Histórico, na Capital, tem a mesma rotina. Todos os finais de semana, ela enche uma cesta de bambu com mandolates, balas e bolos de pote e se encaminha para a região da Usina do Gasômetro para vender as guloseimas. A busca pela graninha extra tem um motivo nobre: ela foi aceita em programas de mestrado de seis universidades dos Estados Unidos.
A Universidade de Illinois em Urbana-Champaign ofertou – e a jovem aceitou – bolsa de estudos integral e um salário. Porém, ela precisa arcar com o seguro-saúde, que custa US$ 5 mil (aproximadamente R$ 21 mil). Isso a motivou a vender os doces e a criar uma vaquinha online. No início da tarde desta quarta (3), o valor arrecadado já chegava perto de R$ 28 mil.
Até as 17h desta terça-feira (2), foram angariados
R$ 17 mil. Após a participação de Larissa no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesse mesmo dia, houve um salto no valor arrecadado, que antes era de R$ 7,5 mil.
As aulas na universidade norte-americana começam dia 26 de agosto, mas a jovem precisa embarcar uma semana antes para realizar uma espécie de treinamento para estudantes estrangeiros que trabalharão na instituição.
Ou seja, os outros R$ 4 mil necessários para que a viagem seja realizada precisam ser conquistados nos próximos 40 dias.
Ouça a entrevista de Larissa Migotto no programa Timeline
— O salário que receberei lá vai cobrir meus gastos de moradia e alimentação, mas, para entrar nos Estados Unidos, eu preciso comprovar que tenho o dinheiro do seguro saúde.
É muito bom saber que recebi seis cartas de aceitação, mas elas de nada adiantam se eu não tiver este valor em mãos — diz Larissa, que pretende fazer um empréstimo caso não alcance o valor necessário.
A ideia de vender bolos e outros doces na Orla do Gasômetro veio da história da família Migotto. A jovem conta que, anos atrás, quando a mãe, Nara Migotto, 58 anos, e os irmãos Franco Migotto, de 35 anos, e Henrique Migotto, de 32 anos, enfrentaram dificuldades financeiras, o comércio de guloseimas salvou o orçamento do quarteto.
— Minha mãe fazia os doces, eu os embalava e meus irmãos, que eram motoboys na época, realizavam as entregas. Se existe a possibilidade de o dinheiro encurtar, a gente começa a vender doce — diz, entre risadas, a jovem, que é a única dos quatro a ter cursado o Ensino Superior.
Além dessa estratégia que conquista as pessoas pelo estômago, foi criada uma vaquinha online que oferece aos doadores - independentemente do valor – uma recompensa. Neste caso, é o envio de um e-book (livro digital) escrito por Larissa chamado Mestrado nos EUA:
os 7 passos para sua aprovação, que traz dicas para quem deseja estudar fora do país.
De Porto Alegre para os EUA
Filha da escola pública, Larissa cursou o Ensino Fundamental no Colégio Paula Soares e o Ensino Médio no Parobé, ambos no centro de Porto Alegre. Ela sempre se mostrou uma guria engajada com o seu próprio processo de aprendizagem, e também com o dos outros. Enquanto cursava o último ano do Ensino Médio pela manhã e fazia o cursinho pré-vestibular no turno da tarde (para o qual recebeu uma bolsa de 70%), ela arrumou tempo para, durante a noite, ministrar aulas de química, física e matemática para os colegas que enfrentavam dificuldade com a área das ciências exatas.
— Eu queria que todo mundo passasse (no vestibular). Por isso, junto com algumas amigas, criei este grupo de estudos. Dávamos aula de duas a três vezes na semana para quem precisasse — relembra a futura mestranda.
Pela cunhada, Larissa soube de um programa da Embaixada dos EUA que oferecia bolsas a pessoas de baixa renda, desde que elas tivessem boas notas e fossem estudantes da escola pública.
— Eu me encaixava em todos estes critérios e me inscrevi. Na época, tinha 14 anos. A partir daí, me inscrevi nos outros programas promovidos pela Embaixada dos Estados Unidos. Com eles, tive a oportunidade de fazer imersão na cultura norte-americana, conhecer os caminhos que poderiam me levar a estudar fora do país e realizei um intercâmbio de cinco semanas lá — conta Larissa.
Destaque na universidade
Para frequentar a universidade, a jovem fez uso do Programa Universidade para Todos (ProUni), programa do governo federal que concede bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação. Em seu trabalho de conclusão na graduação em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), abordou a política externa dos EUA para com o Paraguai. A monografia foi aprovada com distinção e com recomendação para publicação em revistas científicas.
Em Illinois, ela atuará como auxiliar docente na disciplina de Introdução à América Latina. Suas atribuições abarcarão a correção de avaliações e ministrar aulas uma vez por semana.
A ideia inicial da futura mestranda é seguir na linha de Estudos Latino-americanos:
— Quero permanecer nesta linha de estudo, mas depois quero extrapolar os muros acadêmicos e compartilhar o que aprendi. Essa oportunidade que vou viver é única e significa muito para mim, mas quero que ela tenha significado para os outros também.