Estudantes aprovados pelos sistema de cotas socioeconômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) convivem com a incerteza sobre o seguimento da vida universitária há mais de um ano. Isso porque, pelo menos desde a seleção de 2018, há atraso na análise dos documentos desses candidatos aprovados tanto pelo vestibular quanto pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
No ano passado, o Diretório Central de Estudantes (DCE) garantiu em primeira instância na Justiça Federal a matrícula provisória dos que não receberam ainda o resultado da análise pela UFRGS. É o que tem mantido essa parcela de universitários nas classes da instituição, assistindo às aulas, realizando provas e trabalhos, mas sem garantia de que o vínculo definitivo seja ratificado. Outras 130 ações individuais também chegaram ao Judiciário.
O processo normal prevê que, para confirmar a vaga, os selecionados pelo sistema de cotas (há oito tipos) precisam comprovar o enquadramento no Programa de Ações Afirmativas da UFRGS, que garante reserva de, no mínimo, 50% das vagas. Após analisar os documentos e atestar que o aprovado cumpre os requisitos, a matrícula é autorizada. Mas essa resposta não tem vindo, e a vida de alunos está, de certa forma, travada.
— A dúvida de não saber se vou, definitivamente, entrar na universidade é muito difícil. É ter de fazer vestibular de novo e perder todas as disciplinas feitas até agora. O medo de não ter homologada a minha aprovação e precisar sair surge todo dia quando verifico a minha situação no portal do aluno — conta uma jovem de 19 anos, estudante de Engenharia Civil, que ingressou na UFRGS em 2018.
Por causa de sua situação indefinida, ela pede para não ter o nome divulgado. Em janeiro daquele ano, a jovem, que atende aos critérios racial, de renda e de ensino na rede pública, ingressou com toda a papelada. Por questões burocráticas, precisou, por mais de uma vez, anexar novas comprovações exigidas em determinado padrão pela universidade.
O capítulo mais recente foi em outubro: uma conta de luz que estava trocada com uma de água e um documento ausente da avó dela. Desde então, não há retorno por parte da UFRGS sobre a confirmação ou não da universitária na faculdade.
— No momento, estou procurando uma bolsa na universidade. No início, até não estava me candidatando, porque achava que não podia com a matrícula provisória. Mas nesse início de semestre, a Gabriela (coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes) me falou que eu poderia, e estou me candidatando — conta a universitária.
Encontro com o TRF4
Para tentar resolver a questão, o Sistema de Conciliação (Sistcon) do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) realizou, em março, audiência com o DCE e a universidade. O processo original está em reexame pelo TRF4, e as partes buscam uma forma de tornar o processo de análise mais rápido para quem espera pelo resultado definitivo.
— Desde o começo de 2018 estamos pressionando a UFRGS para melhorar a matrícula. Houve avanços, mas o grande problema é que a maioria dos cotistas não tiveram documentação avaliada. Estimamos que nem metade dos cotistas de 2018 teve a documentação analisada, mas a instituição ainda não nos passou os números — diz a coordenadora-geral do DCE, Gabriela Silveira, estudante de Agronomia.
De acordo com o TRF4, os representantes da UFRGS explicaram as dificuldades em relação ao assunto e se mostraram comprometidos em resolver o problema.
— A postura dos representantes da universidade foi muito propositiva, demonstraram total compreensão sobre a repercussão desse problema nas matrículas. Alegaram que têm dificuldades de quadro de servidores para dar conta do processo, mas estão fazendo esforço para isso — relata o desembargador federal Rogerio Favreto, coordenador do Sistcon.
As tratativas entre a universidade e o DCE devem continuar na próxima audiência, em 16 abril. De acordo com Favreto, solicitou-se que a UFRGS resolva a questão desses estudantes até junho, estabeleça para esse grupo um sistema de notificação por e-mail e crie mais canais de negociação com os estudantes. O desembargar está otimista de que uma solução seja alcançada no encontro.
Por e-mail, a UFRGS se manifestou reforçando que foi garantida a oportunidade para todos os candidatos que não tiveram a avaliação concluída antes da data de matrícula presencial se matricularem e informou que, em "alguns casos", candidatos ainda não tiveram as etapas de avaliação concluídas.
Sobre o motivo dessa avaliação não ter ocorrido dentro dos prazos, a instituição explica que o processo de análise envolve várias etapas "a depender da modalidade de vaga em que o candidato se inscreveu e foi lotado, e cada uma depende da outra para o andamento do processo".
Entre as medidas tomadas para corrigir a situação, a universidade cita a redução do número de documentos solicitados, a transformação em formulários online de alguns que antes eram em papel e o envio de e-mail para candidatos ingressantes em 2019 cada vez que há mudança no status da avaliação.
Mudanças no calendário do vestibular 2020
Em novembro do ano passado, a UFRGS revelou ter decidido antecipar em dois meses o concurso referente ao ano letivo de 2020. O vestibular vai acontecer no mês de novembro de 2019, em vez de janeiro de 2020. Um dos motivos da alteração era justamente ampliar o tempo "para as análises de documentos e aferições exigidas aos candidatos classificados para ingresso pelo Programa de Ações Afirmativas", explicou a universidade na ocasião.