O corte no orçamento anunciado pelo governo federal na semana passada atinge fortemente a ciência e a educação, com efeitos prejudiciais para as escolas e universidades brasileiras. Da Educação Básica ao Ensino Superior, uma série de consequências dessa redução de verbas pode comprometer o andamento de pesquisas científicas e o investimento em áreas como transporte, infraestrutura, formação de professores e financiamento estudantil em todo o país.
João Luiz Filgueiras de Azevedo, presidente da principal agência de fomento à pesquisa científica do país, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), estima que as verbas atualmente à disposição do órgão só garantem dinheiro para pagamento de bolsas de pesquisa até setembro. "De outubro em diante certamente não paga tudo, provavelmente paga muito pouco", estimou ele, em entrevista ao G1.
A Academia Brasileira de Ciências (ABC), em conjunto com outras entidades, divulgou carta endereçada às autoridades nacionais e à população brasileira afirmando que o congelamento de verbas no ministério inviabiliza o desenvolvimento científico e tecnológico do país. E completa:
"O contingenciamento de 80% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) impede o financiamento à inovação e à infraestrutura de pesquisa das instituições de ciência e tecnologia, e o corte de 80% do orçamento do Ministério de Minas e Energia atinge áreas importantes para a tecnologia e a soberania nacional, agravando o cenário de desconstrução", aponta um trecho da carta.
O físico Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), lamenta que os cortes afetem os fundos para bolsas de pós-graduação concedidas pelo CNPq e os programas de estímulo aos estudos acadêmicos. Conforme a SBPC, o orçamento para o setor neste ano é o menor desde 2006.
A política econômica está sendo irresponsável e comprometerá todo o sistema de ciência e tecnologia construído ao longo de décadas no país. Muitas redes internacionais de pesquisa serão desmanteladas, enquanto a compra de equipamentos para laboratórios será interrompida, comprometendo o desenvolvimento da pesquisa.
ILDEU DE CASTRO MOREIRA
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
— A política econômica está sendo irresponsável e comprometerá todo o sistema de ciência e tecnologia construído ao longo de décadas no país. Muitas redes internacionais de pesquisa serão desmanteladas, enquanto a compra de equipamentos para laboratórios será interrompida, comprometendo o desenvolvimento da pesquisa — afirma.
O governo congelou R$ 29,6 bilhões em verbas federais para este ano após reavaliar o cenário econômico, prevendo menos crescimento e arrecadação. Os cortes na educação foram os mais significativos, chegando a uma redução de quase R$ 6 bilhões – queda de 25%. No Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), os valores são menores, mas o percentual é ainda maior. O contingenciamento é de R$ 2,1 bilhões, o que representa corte de 43% no orçamento da pasta.
GaúchaZH entrou em contato com o MEC e o MCTIC para saber se as pastas têm estimativas de quais programas ou ações serão afetados com os cortes, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
Consequências também para as escolas
Na educação, como ainda não houve definição em relação às áreas específicas que serão afetadas, ou mesmo aos Estados que mais sentirão esse impacto, há cautela na avaliação do que pode acontecer daqui para frente. Para o secretário estadual da educação, Faisal Karam, a diminuição do orçamento disponível, seja como for que ocorra, é prejudicial para o ensino.
— Todo corte de verbas, independentemente do tamanho, sempre vai trazer impacto. Ainda mais quando se tem a perspectiva de procurar novos investimentos, como estamos tentando na área da educação no Rio Grande do Sul. Lamentamos o corte, mas também entendemos que é preciso buscar uma adequação à realidade orçamentária — afirma Karam.
O secretário garante que a pasta, atenta às restrições de verbas federais, está em busca de alternativas. Para projetos que envolvem iniciação científica, por exemplo, tenta apoio no também combalido Ministério da Ciência; pedidos relativos à renovação do transporte escolar serão também levados ao Ministério da Infraestrutura; aqueles englobando atividades esportivas devem ser encaminhados ao Ministério da Cidadania.
Temos pleitos em Brasília solicitando R$ 307 milhões em investimentos para a educação. Em meio ao atual processo de enxugamento, esse tipo de demanda nossa pode ser impactada. Mas estamos sempre buscando outros caminhos.
FAISAL KARAM
Secretário estadual da Educação
— Temos pleitos em Brasília solicitando R$ 307 milhões em investimentos para a educação. Em meio ao atual processo de enxugamento, esse tipo de demanda nossa pode ser impactada. Mas estamos sempre buscando outros caminhos — completa o secretário estadual da educação.
O ensino privado no Estado também pode ser afetado, ainda que dependa muito menos de verba federal para suas atividades. A Educação Básica não deve ter impacto, já que é toda bancada pelas próprias escolas na rede particular, mas o Ensino Superior antevê consequências. Vêm do governo recursos para iniciativas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni).
— Nos resta lamentar que continue havendo cortes em educação, área que deveria ser a prioridade do nosso país. Sem educação, não temos futuro. Não se pode brincar com o futuro do país, e isso passa pelo investimento adequado em educação — diz o presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), Bruno Eizerik.
Nos municípios, principais responsáveis pelos primeiros anos de ensino na rede pública, o impacto também é incerto. Em nota, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre explicou que "os recursos federais repassados ao município para o custeio da educação pública são provenientes de obrigações constitucionais, como o Salário-Educação e o Fundeb. O corte anunciado ocorre nas transferências voluntárias e refere-se a recursos, sem a especificação de programas. Portanto, ainda não é possível mensurar o impacto".
O contingenciamento não é definitivo: as verbas costumam ser liberadas ao longo do ano, à medida que o governo refaz sua estimativa de receitas. Esse bloqueio atinge somente as chamadas despesas discricionárias, gastos de custeio e investimento não obrigatórios que o governo tem liberdade para manejar e cortar – gastos obrigatórios, como salários e benefícios previdenciários, não podem ser bloqueados.
Trecho da carta assinada por entidades científicas
"O severo corte orçamentário, determinado por decreto assinado nesta última sexta-feira pelo Presidente da República, atinge em cheio a ciência e a inovação tecnológica no Brasil, prejudicando a qualidade de vida da população brasileira e eliminando, por um longo período de tempo, a possibilidade de protagonismo internacional do país.
[...] A formação de grupos de pesquisa competentes custou décadas de esforço nacional. São eles que permitem enfrentar epidemias emergentes, aumentar a expectativa de vida da população, buscar novas fontes de energia, garantir a segurança alimentar, estruturar empresas inovadoras com protagonismo internacional, reforçar a segurança nacional e aumentar o valor agregado das exportações. Se essas restrições orçamentárias não forem corrigidas a tempo, serão necessárias muitas outras décadas para reconstruir a capacidade científica e de inovação do país."
Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino (Andifes)
Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap)
Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência e Tecnologia (Consecti)
Fórum Nacional de Secretários Municipais da Área de Ciência e Tecnologia
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)