Há 14 meses, o governo estadual de José Ivo Sartori fechou seis escolas de Porto Alegre devido à queda no número de matrículas. Esse período foi suficiente para que os prédios e terrenos onde funcionavam as escolas Oswaldo Aranha, Plácido de Castro, Marechal Mallet, Benjamin Constant, Alberto Bins e Miguel Tostes ficassem tomados pelo mato, sujos e, em alguns casos, fossem depredados. O caso mais emblemático o é da antiga Escola Estadual Alberto Bins, no bairro Santa Tereza.
A estrutura foi construída sobre um terreno que pertence ao INSS. A parte interna dos dois prédios foi destruída. Pias e forros dos banheiros foram arrancados, há vidros e lâmpadas quebradas, lixo por vários cômodos, roupas e sapatos espalhados. Nem parece que, até o ano passado, moradores do bairro faziam mutirões para manter a área limpa.
A vegetação tomou conta do terreno e uma poça gigante de água se formou, ponto ideal para proliferação de mosquitos. Os cadeados nas portas não impediram que usuários de drogas invadissem o espaço.
Evasão
Quando fechou, a Alberto Bins tinha 131 alunos. Os estudantes foram transferidos para as escolas Venezuela, Medianeira e Afonso Guerreiro Lima. O problema é que a distância e a disputa territorial entre facções resultaram em um aumento da evasão escolar, de acordo com uma comissão de moradores.
Adélia Maciel, 59 anos, vice-presidente da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (UAMPA), mora a poucos metros da escola. Ela assistia da janela a neta ir e voltar das aulas. Quando a instituição fechou, a menina de 13 anos foi transferida para Escola Venezuela.
O Estado deveria ser criminalizado pelo que aconteceu aqui.
BRUNA RODRIGUES, 31 ANOS
Estudante
Não deu certo. Logo depois, no meio do ano letivo, precisou mudar de escola e ir morar com a mãe no Belém Velho. Agora, Adélia acompanha com tristeza a deterioração do prédio.
Desejo
A situação fica ainda mais preocupante pelo fato de haver uma escola de educação infantil localizada ao lado, separada apenas por alguns pilares.
O maior desejo dos moradores do bairro é ver a escola reaberta com a inclusão do ensino integral. Mas, no fundo, eles sabem que essa possibilidade é remota. Por isso, sugerem a criação de um espaço cultural no local, um CRAS, um Conselho Tutelar ou até a ampliação da creche vizinha. Porto Alegre não foi a única cidade do Estado a perder escolas. Segundo a Secretaria Estadual de de Educação (Seduc), nos últimos três anos, 53 foram inativadas e 11 municipalizadas.
Era escola, mas também um reduto de lazer
A Escola Alberto Bins é o exemplo de instituição que era muito mais que um espaço de ensino e aprendizagem. Era o local de encontro das famílias, onde existia uma pracinha, uma quadra de esportes e gramado, refúgio para muitos dos jovens que precisam conviver em meio a uma realidade problemática. A ocupação irregular do prédio era uma certeza da comissão de moradores, que tentou por várias vezes intervir.
— Nós avisamos que isso aconteceria, tentamos todo o ano passado falar com a Secretaria de Educação e ninguém nos atendeu. O Estado deveria ser criminalizado pelo que aconteceu aqui. Tiram escolas que estabeleceram vínculos com a comunidade, sabendo que as crianças não vão sair do bairro para estudar em outro lugar por diversas razões, mas também pela relação que tinham com essa escola — explica a estudante Bruna Rodrigues, 31 anos.
O educador popular Waldir Bohn Gass, 63 anos, completa:
— Nossa luta continua, temos muitas necessidades aqui e nós vamos reconquistar essa área.
Segundo dados apresentados pelo governo à época, entre 2007 e 2017, a redução no número de matrículas chegou a 29%. No total, foram mais de 400 alunos dessas seis escolas que tiveram de ser transferidos para outras instituições.
Prédio deve ser leiloado
Segundo o INSS, o governo do Estado construiu a Escola Alberto Bins "sem autorização do órgão". Depois, ainda cedeu parte do terreno da escola para que a prefeitura construísse uma unidade escolar da primeira infância, sem a anuência e autorização do INSS. Sobre o terreno, o órgão informa que irá regularizar a documentação junto ao Registro de Imóveis e colocá-lo em leilão.
Já a Seduc informa que o termo de cedência do terreno é anterior ao decreto que criou a instituição de ensino, no ano de 1953. No início de 2018, quando as atividades da escola foram encerradas, a Seduc ainda buscou um acordo com o INSS para que a área fosse utilizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Entretanto, as negociações não avançaram.
A Secretaria de Educação de Porto Alegre, por sua vez, afirmou que as tratativas para a construção da Escola Municipal de Educação Infantil da Vila Tronco foram feitas diretamente com a Secretaria Estadual da Educação. A Smed informa que nunca foi contatada acerca dos planos para o imóvel.
Quatro terrenos devolvidos para a prefeitura
Quem contempla os antigos prédios da Marechal Mallet, na Vila Jardim, pode achar que a escola está abandonada há muitos anos, e não apenas há um.
O mato tomou conta do terreno, cercas de arame foram arrebentadas e alguns vidros das janelas quebrados. Em uma ponta do terreno, um parquinho infantil lembra que o cenário outrora serviu para diversão da criançada.
— Eu acho um espaço bom e que poderia ser melhor aproveitado. Se não for com a escola, com uma pracinha maior (já existe uma em frente), campinho, creche ou um postinho — opina o vizinho Emerson de Lima, 43 anos.
Nas áreas onde ficavam as escolas Oswaldo Aranha e Plácido de Castro, a imagem se repete. A vegetação alta se alastra em meio aos prédios e aos campinhos de futebol lacrados pelos portões fechados com cadeados já enferrujados.
Exceção
A Benjamin Constant é a única que se mantém com alguma atividade. Na entrada da antiga instituição, faixas mostram que ali agora funciona a ocupação da ONG Centro de Referência Mulheres Mirabal. O fato de um dos prédios, onde antes ficavam a direção e o refeitório da escola, estar agora habitado por mulheres e crianças, evita a sensação de abandono sentido nas outras localidades.
Já entraram ali para roubar fios, material que ficou para trás.
MARILISE ARONI, 52 ANOS
Professora
No entanto, o prédio principal da escola possui classes abandonadas dentro das salas de aula e, inclusive, algumas luzes acesas. O cenário mostra que ali também ficou um pedaço da memória e da história de muitos estudantes de Porto Alegre.
Próximas semanas
A Seduc informa que os quatro terrenos das escolas Oswaldo Aranha, na Vila Ipiranga, Marechal Mallet, na Vila Jardim, da Plácido de Castro, no bairro Higienópolis e da Benjamin Constant, no São João, pertencem à prefeitura de Porto Alegre e foram devolvidos. A Secretaria Municipal de Educação disse que ainda está definindo o uso dos locais e que uma decisão deve ser anunciada nas próximas semanas.
Segurança privada não impediu invasões
Moradora do outro lado da Rua Déa Coufal, onde fica a Escola Miguel Tostes, em Ipanema, a professora Marilise Aroni, 52 anos, afirma que, desde que as aulas foram encerradas, algumas invasões foram registradas no local. A Brigada Militar e a Guarda Municipal chegaram a ser acionadas algumas vezes.
— De fato a escola tinha poucos alunos, mas é importante saber o que vão fazer com o espaço. Já entraram ali para roubar fios, material que ficou para trás. Nossa principal preocupação é que isto passe a ser mais frequente — afirma.
O local está protegido por uma empresa de segurança privada, o que não impediu que fosse acessado irregularmente.
Futuro indefinido
Segundo a Seduc, o prédio da Escola Miguel Tostes, no bairro Ipanema, pertence à Fase. A Fase, no entanto, disse que a responsabilidade é da Fundação de Proteção Social. Em abril do ano passado, a fundação informou que a estrutura seria usada nas políticas de acolhimento da instituição e que seria feito um estudo para definir sobre a construção de um abrigo ou pela realização de cursos para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. A reportagem entrou em contato com a fundação novamente para saber sobre a conclusão do estudo, mas não obteve retorno.