A rede de escolas comunitárias de Educação Básica de Porto Alegre deve ganhar, em breve, um acréscimo e tanto. Organização não governamental (ONG) que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, a Aldeia da Fraternidade, que já oferece Educação Infantil e atividades variadas no contraturno, firmou parceria com a Lumiar, de São Paulo, para se lançar também como escola formal, iniciando pelo primeiro ano do Ensino Fundamental.
Iniciativa do empresário Ricardo Semler, a Lumiar é reconhecida pela inovação e criatividade em sua metodologia de ensino. A expectativa é de que a Escola Aldeia Lumiar, no bairro Tristeza, comece as atividades em março, caso toda a tramitação do processo já tenha sido finalizada junto ao Conselho Estadual de Educação.
Com unidades no Brasil e avançando para o Exterior, a Lumiar, eleita por Unesco, Universidade de Stanford (Estados Unidos) e Microsoft uma das 12 escolas mais inovadoras do mundo, tem como objetivo incentivar o desenvolvimento global do aluno, focando em sua autonomia e participação ativa no contexto social. "Queremos que nossos estudantes estejam preparados para a vida real e para o futuro", lê-se no site institucional.
Alfredo Fedrizzi, consultor na área de inovação e negócios e presidente da Aldeia da Fraternidade, explica que a instituição baseia seu trabalho no tripé composto por sustentabilidade, arte e cultura, esporte e lazer. A partir de agora, será implementado um "quarto pé", o da tecnologia e inovação.
– As escolas públicas não precisam ser ruins, e não estou dizendo que sejam, e não precisam ser iguais, previsíveis e normais em um mundo extremamente plural e diversificado. O mundo tem uma nova normalidade – observa Fedrizzi.
O presidente destaca que os alunos da Aldeia vêm de lares marcados pela desestruturação familiar e pela falta de recursos básicos para a sobrevivência com um mínimo de conforto e dignidade. Estimular a criatividade, desde muito cedo, é uma das principais apostas da Aldeia Lumiar.
– É uma das maneiras de os alunos poderem ter uma boa inserção no mercado de trabalho. O objetivo não é conseguir um bom emprego com bom salário, é também isso, mas fazer com que as pessoas tenham uma vida mais estruturada. Precisamos botar a régua lá em cima, não nos contentar com pouco. Podemos desenvolver profissionais que consigam posições melhores – afirma Fedrizzi, lembrando que muitos egressos da ONG costumam trabalhar como diaristas, frentistas e garçons, enquanto outros têm um dramático destino. – "Onde está o fulano?" Está preso. "Onde está o beltrano?" Morreu. "Cadê aquela menina?" Está grávida aos 13 anos. Isso dói, né? – completa.
É uma das maneiras de os alunos poderem ter uma boa inserção no mercado de trabalho. O objetivo não é conseguir um bom emprego com bom salário, é também isso, mas fazer com que as pessoas tenham uma vida mais estruturada. Precisamos botar a régua lá em cima, não nos contentar com pouco. Podemos desenvolver profissionais que consigam posições melhores.
ALFREDO FEDRIZZI
Presidente da Aldeia da Fraternidade
Será implantado o sistema por ciclos (dos seis aos oito anos, dos nove aos 11 e dos 12 aos 14 anos), misturando alunos de diferentes idades em uma mesma sala. A ideia é começar com três turmas do primeiro ciclo, o que representaria um universo entre 60 e 75 crianças. Pais que já têm filhos vinculados à Aldeia têm aceitado bem a ideia. A implementação da escola formal será também um facilitador no cotidiano das famílias, pontua Fedrizzi, uma vez que a criança passará o dia inteiro no mesmo lugar – um turno na aula e o outro em oficinas complementares, como jiu-jítsu e orquestra –, poupando os adultos de deslocamentos.
Desde 2017, a Lumiar tem uma unidade em Porto Alegre, dirigida pela pedagoga e mestre em Educação Maria Soledad Gómez, apoiadora e entusiasta da Aldeia Lumiar. Maria Soledad conta que uma das principais características deste modelo educacional, a multietariedade, é benéfica para todos os integrantes de um mesmo grupo.
– Ano passado, tivemos crianças não alfabetizadas que se alfabetizaram em um mês, em função da curiosidade, da colaboração dos mais velhos, do incentivo – conta a educadora.
– Tem um guri de seis anos que já leu 80 livros! – admira-se.
Os conteúdos são organizados em projetos, módulos e oficinas. Os estudantes saem a campo para complementar o aprendizado, e profissionais das mais diversas áreas vão à escola.
– São pessoas da vida real apaixonadas pelo que fazem. Pode ser desde um jardineiro até um doutor da academia. Esse diferencial de ter a vida na sala de aula é muito interessante – detalha Maria Soledad.
Um exemplo: recentemente, alunos da Lumiar Porto Alegre demonstraram interesse por geografia, leitura de plantas, escalas e proporções. Um arquiteto desenvolveu com eles um projeto que envolvia a construção de uma maquete, e uma professora de artes foi escalada para aprimorar os aspectos estéticos, como cores, texturas e materiais.
– Os interesses partem do aluno, mas a gente também oferece – diz a diretora.
A Aldeia Lumiar deve receber um investimento inicial de cerca de R$ 500 mil, entre contribuições das esferas privada e pública. Para a largada, a prefeitura municipal repassa, no início do convênio, R$ 100 mil, em parcela única, a título de "enxoval", verba a ser investida na aquisição de mobiliário. Mensalmente, há o pagamento de um montante por aluno, de acordo com o vínculo (Educação Infantil ou Ensino Fundamental).
Titular da Secretaria Municipal de Educação, Adriano Brito reforça que as escolas comunitárias são públicas, mas não estatais – não pertencem ao Estado –, gratuitas e sem fins lucrativos. O secretário saúda a pluralidade da iniciativa:
– A Aldeia conseguiu uma parceria com uma instituição importante. Educação é uma tarefa da sociedade civil. Não precisa ser só o público/estatal a fazer a educação pública.