Nas noites que antecederam as disputas mais importantes dos seus 10 anos, Paulo Henrique Borba sentiu uma "pressão no coração". Imaginava os oponentes, talvez praticantes de jiu-jítsu havia bem mais tempo, e não conseguia refrear os pensamentos negativos.
– Vou perder, perder, perder – inquietava-se, à espera do sono.
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No campeonato brasileiro da luta marcial, realizado no final de abril em Barueri (SP), o garoto ganhou, ganhou, ganhou – três vezes. O aluno da Aldeia da Fraternidade, organização não governamental de Porto Alegre que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, sagrou-se campeão e conquistou bem mais do que uma medalha de ouro: sua performance reafirmou que a dedicação a uma prática esportiva pode salvar vidas.
Em menos de três anos no jiu-jítsu, Paulinho, que divide um casebre na Vila Conceição, zona sul da Capital, com a mãe dona de casa e os cinco irmãos, gaba-se da fartura: já soma 13 medalhas. A Aldeia oferece Educação Infantil e oficinas recreativas no turno inverso ao da escola para 240 estudantes, em geral de famílias desestruturadas e de baixa renda. O objetivo é mantê-los ocupados, interessados, bem alimentados.
– A gente concorre com o tráfico. Nossa oferta tem de ser mais interessante do que a rua – afirma a pedagoga Simone Oliveira, que acompanhou os representantes da ONG na viagem a São Paulo.
Cerca de 30 meninos e meninas treinam jiu-jítsu três vezes por semana na sede do bairro Tristeza. O professor Eduardo Oliveira Rodrigues observa um processo de transformação que se repete: os novatos chegam exaltados, distribuindo xingamentos. Qualquer brincadeira descamba para a hostilidade, e é comum os pais pensarem que os exercícios vão turbinar a agressividade dos filhos.
– Eles vão aprender a brigar – temem os adultos.
Eduardo os corrige:
– Eles vão aprender a se defender.
Com o decorrer das aulas, os princípios que norteiam a luta, como o respeito, são internalizados e colocados em prática – a gurizada que antes explodia diante de qualquer dificuldade desenvolve o autocontrole. Quando as competições se aproximam, Eduardo escala os mais bem preparados, que precisam, além da técnica, comprovar desempenho satisfatório nos estudos e bom comportamento em casa.
– O esporte é uma ferramenta de muito valor para a mudança da criança e do jovem. Tem que ter 100% de disciplina no jiu-jítsu. Fazer o certo sempre, e não só no tatame – prega o treinador.
Outros quatro lutadores que viajaram para a competição nacional também voltaram com distinções em suas categorias: mais dois primeiros lugares, com Jozyel Araujo e Diana Regina Araujo, um segundo, de Anajulia Oliveira, e um terceiro, de Jorge Campos. Acompanhados do técnico e da pedagoga Simone, os atletas viajaram de avião pela primeira vez e enfrentaram uma rotina exigente, tendo de acordar às 4h para tomar um ônibus e quatro conexões de metrô até o local das provas. Faceiros com tantas novidades, não reclamaram de nada – à exceção de um contratempo com Paulinho. Calçando um par de tênis em condições precárias, com a sola descolando, o menino caminhava arrastando um dos pés para não tropeçar. Constrangido, confidenciou a Simone:
– "Sôra", tá todo mundo me olhando.
Administrando um orçamento enxuto para custear o transporte e as refeições do grupo, a pedagoga não se conteve. Compadecida, comprou, com o próprio dinheiro, chinelos novos para o pequeno atleta. O presente revigorou o ânimo do garoto. Quando Paulinho ganhou a medalha de ouro, ouviu da "sôra":
– Agora todo mundo vai te olhar, mas não é por causa do teu tênis.