Ana Carolina de Silveira Dorini entrou no primeiro ano do Ensino Fundamental com quase seis anos e meio. Os pais, a pedagoga Emelise de Silveira Dorini e o administrador Carlos Eduardo Dorini, ambos de 43 anos, ficaram satisfeitos com o "ano extra" que a filha passou na Educação Infantil (EI). De acordo com as regras atuais, o ingresso na EI e no Ensino Fundamental (EF) se dá, respectivamente, a crianças de quatro e seis anos completados até o dia 31 de março. Como Ana Carolina nasceu em setembro, a matrícula no "colégio grande" teve de esperar. Para a família, tudo ocorreu na hora certa, pois a filha, hoje com sete anos e no segundo ano do Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, aproveitou por mais tempo o ambiente mais livre e lúdico da escolinha. Mas essa realidade, vigente há quase uma década, pode mudar.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está votando uma possível alteração na resolução de 2010 do Conselho Nacional de Educação (CNE), ligado ao Ministério da Educação, que determina quatro e seis anos no início do ano letivo. Pela norma corrente, quem faz aniversário a partir de 1º de abril deve aguardar até o ano seguinte. A corte, por enquanto, está dividida. Em sessão realizada no último dia 30 de maio, o placar registrou empate – quatro ministros votaram a favor das regras atuais, enquanto outros quatro se posicionaram contra. Marco Aurélio Mello pediu vistas, o que significa dispor de um tempo maior para avaliar o tema, e o julgamento será retomado em data a ser definida. Se a barreira etária cair, um aluno que completa seis anos em janeiro e outro que alcança essa idade apenas em novembro poderão ser colegas de classe.
Entre os favoráveis à continuidade da delimitação de quatro e seis anos até março está o ministro Luís Roberto Barroso (além de Luiz Fux, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski), que acredita ser necessário permitir que a criança tenha tempo para aproveitar a infância, além de considerar "perigoso e grave" o STF questionar a validade de uma medida de um órgão especializado que já foi amplamente debatida. Figuram entre os argumentos dos oposicionistas à manutenção da resolução do CNE – Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Edson Fachin e Dias Toffoli – o da inconstitucionalidade. Fachin citou o artigo 208 da Constituição e "o direito de acesso aos níveis mais elevados do ensino, consoante a capacidade de cada um". O corte etário, para essa parcela do STF, significa uma restrição ao acesso à educação. Moraes concordou com a padronização de seis anos, mas não achou "razoável" a imposição de um mês específico.
Alessio Costa Lima, conselheiro da Câmara da Educação Básica do CNE, aposta na "sensibilidade" dos integrantes da corte que ainda precisam votar.
– A gente espera que os ministros deixem essa matéria para ser ditada pelo CNE. A antecipação é vista como altamente nociva ao desenvolvimento da criança. Muitas vezes, o pai acha que está fazendo um bem e está causando um mal a seu filho – opina Lima.
A decisão do STF valerá para todo o Brasil. Hoje em dia, existem Estados e municípios que descumprem a resolução número 6 de 2010 do CNE. Há famílias que entram com liminares para conseguir matricular filhos de cinco anos no primeiro ano, alegando que já estão alfabetizados, prontos para seguir adiante. Para Emelise e Carlos Eduardo, o começo de Ana Carolina aos seis anos e meio não teve nada de desperdício. A menina dispôs de mais um ano para brincar, desenvolver a autonomia e a maturidade, socializar, aprimorar a linguagem e compartilhar.
– Para o desenvolvimento de uma criança, qualquer mês a mais tem uma diferença – afirma Emelise, amparada também na experiência como profissional da área de educação.
A mãe recorre à canção Paciência, do cantor e compositor pernambucano Lenine, para explicitar a importância que confere a essa etapa da trajetória escolar.
– Busquei nele um pouco de poesia para marcar que "a vida é tão rara", assim como essa fase da primeira infância. E mesmo que "o tempo acelere e peça pressa", é importante a recusa das antecipações que não auxiliam, de maneira adequada, no desenvolvimento. Somos a favor do modelo atual – diz a mãe, garantindo que nunca sentiu ansiedade quanto a uma possível demora para o ingresso da garota no primeiro ano. – Eu pensava: minha filha vai ganhar seis meses. Vejo a angústia de pais, "o outro está lendo e meu filho não está lendo". Isso é um reflexo da nossa sociedade, da nossa cultura, que pede mais. O desenvolvimento é muito peculiar de cada criança – completa.
Ana Carolina iniciou no primeiro ano em 2017 – já reconhecendo todas as letras, escrevendo o próprio nome e algumas palavras simples. Os pais lembram que ela estava pronta para avançar, desejosa de algo mais. Aceitou o novo ambiente, mostrou-se autônoma no cuidado com o corpo e o uniforme e também para se servir do lanche, tendo uma adaptação tranquila. Nos primeiros dias de aula, um comentário expressou bem uma das diferenças marcantes da transição – a turma dava início à rotina de passar mais tempo sentada diante das carteiras.
– Mamãe, dói o meu bumbum – constatou a pequena estudante.
Professora da pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a pedagoga Maria Carmen Silveira Barbosa é totalmente contra a antecipação das matrículas – para a docente, o modelo atual já é ruim e não se pode permitir que seja piorado. Ela lembra que, antes de vigorar a recomendação atual, a quantidade de alunos de sete anos reprovados no primeiro ano era muito expressiva.
– Quando você tem essa realidade, nunca baixa para fazer um primeiro ano com seis. Se com sete as crianças não conseguiam aprovação, imagina com seis. É uma irresponsabilidade fazer isso. O sistema educacional não está coadunado com a realidade brasileira – critica.
Maria Carmen defende que mais tempo na Educação Infantil é extremamente benéfico para a criança, e o ideal seria retornar ao ingresso com sete anos. Em grupos menores, a professora consegue dar mais atenção a cada um. As salas disponibilizam brinquedos, livros e materiais de artes plásticas, enquanto o cenário do Ensino Fundamental tende a ser menos rico.
– Se a criança entrar no primeiro ano lendo, ótimo. Mas, para ficar lendo, ela deixou de fazer outras coisas. Ela pode não saber correr com equilíbrio, por exemplo. A Educação Infantil é a possibilidade de se desenvolver integralmente, corpo e mente. Brincar é a atividade central de uma criança pequena. Cada vez mais, estamos tirando a brincadeira da vida das crianças. Sem movimento, elas entristecem, vão adoecendo – argumenta a professora.
Ao "suprimir" tempo da vida infantil, dá-se início a um descompasso entre a idade do aluno e o andar das séries.
– O que acontece é uma visão econômica: quanto mais cedo elas saírem da escola, mais cedo vão virar um trabalhador. Estar na escola é uma proteção ao mundo do trabalho, um momento em que elas não são mais só da família, mas ainda não fizeram a escolha profissional. Estamos colocando-as na escola com cinco anos e querendo que decidam a profissão com 16. Cada vez mais vemos jovens menos adultos tendo que tomar decisões muito difíceis – conclui Maria Carmen.