Aprovado para Licenciatura em Física no Vestibular 2018 como cotista de baixa renda e egresso de escola pública, Maximiliano Pazzini de Andrade, 17 anos, aguardava com ansiedade pelo primeiro dia de aula na UFRGS. A partir de 5 de março, ele oficialmente seguiria os passos da irmã mais velha, que se formou no mesmo curso. Mas o atraso na análise da documentação comprobatória de sua condição impede que ele frequente a instituição normalmente. Quase dois meses após entregar a papelada exigida, o jovem hoje contabilizará duas semanas de aulas perdidas.
Andrade, que mora em Canoas, até chegou a ter o gostinho da universidade após assistir ao primeiro dia de aula, como aluno-ouvinte. Mas ficou por aí. Sem a matrícula, ele é impedido de usufruir do restaurante universitário, que cobra R$ 1,30 pela refeição, da biblioteca e do vale-transporte estudantil. Na falta de dinheiro para bancar alimentação, estudos e transporte, ele agora fica em casa à espera da resposta da instituição.
— Meu sonho era entrar na UFRGS, minha irmã sempre me inspirou. Não tenho vergonha de dizer, choro quase todo dia. Acho que vou perder o semestre, meu curso é muito difícil e faz diferença faltar muitas aulas de cálculo. Na UFRGS, me falaram que tem muita demanda, e por isso atrasa — afirma.
O jovem vive com o pai, Lisandro de Andrade, 49 anos, e a mãe, Joselene. Os três vivem com uma renda de R$ 1.764 ao mês.
— Meu filho está sendo discriminado. Por que alguns alunos podem ir para a aula e outros não? Disseram na UFRGS que talvez leve até abril para aprovarem tudo, mas as aulas começaram em 5 de março. Como ele vai ficar até lá sem aula? Eu não tenho como pagar para ele ir todo dia, o trem está mais de R$ 4 e ainda tem o ônibus em Porto Alegre. A cota (de baixa renda) tem que ser cumprida — reclama o pai do jovem.
Outro que sofre com o atraso na análise de documentos é Pedro de Daniel Oliveira, 18 anos, aprovado em História por cota racial, de baixa renda e egresso de escola pública. Ele consegue frequentar as aulas como aluno-ouvinte, mas depende da boa-vontade dos professores, que anotam sua presença manualmente, dos veteranos, que informaram as disciplinas e localização das salas, e dos colegas, que repassam material.
— Meus documentos ainda não foram avaliados, e a resposta da UFRGS é que tem poucos funcionários trabalhando. É ruim não estar matriculado. Pagando R$ 4,30 a passagem de ônibus, fica complicado se deslocar até o (Campus do) Vale — afirma.
Na quarta-feira (14), o juiz federal Luiz Clovis Nunes Braga acolheu pedido do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFRGS e obrigou a instituição a matricular egressos de escolas públicas que tiveram problemas em comprovar a conclusão do Ensino Médio devido à greve dos professores da rede estadual em 2017 - os casos mais graves foram registrados no Julinho e no Protásio Alves, em Porto Alegre. No entanto, outras modalidades de cotas não foram beneficiadas pela decisão.
O problema ocorre pelo terceiro ano seguido. Em 2016, o DCE também entrou com ação na Justiça Federal para assegurar o direito de os aprovados no vestibular por cotas frequentarem a universidade, o que foi acolhido pela Justiça. À época, a UFRGS declarou que o atraso se deu devido à mudança na entrega da documentação, de presencial para online, no site da instituição. No ano passado, a universidade contornou o problema ao garantir aos alunos uma matrícula temporária.
Em carta aberta, reitor cita 800 alunos em processo de análise
Na carta aberta enviada na sexta-feira (9) aos estudantes da UFRGS, o reitor, Rui Vicente Oppermann, e a vice-reitora, Jane Tutikian, afirmam que a ocupação da Reitoria pelos movimentos negros atrasa a matrícula e a verificação da documentação de alunos, incluindo cotistas.
"Todo o procedimento de ingresso de alunos cotistas na Universidade está prejudicado por esta invasão. Temos, neste momento, o risco de 800 candidatos em diversas situações de análise documental, inclusive cotistas, aprovados no Concurso Vestibular/2018 e SISU, ficarem sem matrícula e terem o semestre e o ano letivo perdido", diz o texto.
Integrante do Coletivo Balanta, a estudante de Direito Carla Souza afirma que o argumento da reitoria é uma tentativa de "jogar os novos estudantes contra o movimento negro".
— Não é culpa nossa (o atraso na análise da documentação). Não teve ocupação no começo de 2016 nem de 2017, mas ainda assim houve atraso nesses dois anos. Além disso, a ocupação em 2018 começou no dia 7, e as aulas, no dia 5. Então, a UFRGS ainda nem tinha finalizado a análise dos documentos apesar do início das aulas. Se tivessem responsabilidade com a questão, diriam que não conseguiram analisar porque a universidade sofreu corte de verba e não conseguiu contratar mais pessoas. Mas preferem culpar a ocupação - critica.
O que diz a UFRGS
A universidade afirma que o processo de análise da condição para ingresso de candidatos, especificamente de cotas (são oito modalidades), é complexo e realizado em diferentes etapas por vários núcleos: pró-reitorias de Graduação e a de Assuntos Estudantis (Prae), a Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas (CAF), o Departamento de Atenção à Saúde (DAS), o Núcleo de Inclusão e Acessibilidade (Incluir) e as Unidades Acadêmicas.
No comparativo com os dois últimos anos, a instituição diz que o processo em 2018 está mais complexo em virtude do acréscimo de duas fases: verificação da autodeclaração racial e análise de pessoas com deficiência.
"O candidato classificado na modalidade L10 (estudante egresso de escola pública, com renda inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarado preto, pardo ou indígena e pessoa com deficiência), por exemplo, inicia a avaliação para ingresso na análise da condição de PCD. Caso homologado, é convocado por edital próprio (com prazos que permitam o comparecimento) para aferição da autodeclaração racial. Após a homologação desta fase, a documentação do candidato vai para análise acadêmica. Como também é de baixa renda, passará posteriormente para análise socioeconômica. Este processo envolve ainda, caso seja necessário, uma análise feita pelas respectivas comissões de recurso, de acordo com a modalidade de ingresso, com seus respectivos prazos".
A UFRGS justifica a análise apesar do início das aulas "devido aos novos chamamentos que continuaram ocorrendo após o início das aulas – inclusive o último foi realizado no dia 13". Acrescenta, também, que aprovados no vestibular por todas as modalidades de cotas ainda estão sendo analisados, sem apontar quantos candidatos.
Questionada se o motivo do atraso é a falta de pessoal, a UFRGS não precisou o número de funcionários que atuam na análise, mas afirmou que "o processo é bastante criterioso e, por isso, equipes maiores sempre poderiam dar mais agilidade ao trabalho".
A universidade ainda diz que contribuem para o atraso no processo a falta de documentação entregue por candidatos sem interesse na vaga, o que reinicia o processo a partir do chamamento de novos aprovados, e que as aulas, em 2018, começaram 24 dias antes do ano passado, reduzindo o tempo hábil de análise.
Por fim, a instituição considera repetir a metodologia do ano passado de conferir matrículas provisórias aos aprovados: "A fim de evitar ao máximo possíveis prejuízos aos candidatos, a UFRGS adota procedimentos que viabilizem o ingresso no menor prazo possível, dentro de critérios estabelecidos". A instituição não forneceu previsão de término de análise das candidaturas.