A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu suspender temporariamente o processo de aferição realizado com estudantes que se autodeclararam negros, pardos ou indígenas ao ingressar na universidade por meio de cotas raciais. Com isso, os possíveis desligamentos dos alunos envolvidos em supostas fraudes dependerão de nova decisão da universidade enquanto, segundo a UFRGS, "é construída uma proposta que assegure plenamente os direitos dos envolvidos".
No início do mês, a instituição anunciou, em um resultado preliminar, que apenas 35 dentre 274 estudantes suspeitos de fraudarem as cotas foram declarados negros pela Comissão Especial de Verificação da Autodeclaração Racial. Assim, 86% daqueles que compareceram às aferições realizadas presencialmente no fim de novembro tiveram sua declaração indeferida e correm o risco de ser desligados da universidade. O resultado final do processo estava previsto para ser divulgado em 9 de janeiro.
Além do procedimento montado para avaliar alunos que já estão matriculados, agora temporariamente suspenso, a UFRGS criou um sistema para verificar as autodeclarações dos ingressantes. O edital para o vestibular de 2018, publicado em outubro, informa que no ano que vem os candidatos terão de comparecer perante uma comissão de verificação da autodeclaração étnico-racial. Só poderão se matricular se esse comitê validar que são pardos ou pretos.
A decisão de suspender temporariamente o processo foi tomada em reunião nesta quinta-feira (21) entre o reitor da UFRGS Rui Vicente Oppermann, e o procurador regional dos Direitos do Cidadão Enrico Rodrigues de Freitas, ocasião em que foi discutida a recomendação feita pelo Ministério Público Federal (MPF) orientando que a universidade cancelasse o processo de verificação de raça de cotistas. A recomendação também sugere que a UFRGS não faça qualquer verificação futura de forma "retroativa" com base nas características físicas dos alunos. Esse critério de avaliação não estava previsto nos editais dos concursos vestibulares anteriores.
Para elaborar a recomendação, o procurador levou em conta os depoimentos de "constrangimento e discriminação" relatados por alunos que passaram pela comissão de verificação e o fato de que, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é parda ou negra a pessoa que se autodeclara como tal. Diz, também, que não é apenas a cor da pele que define se uma pessoa é negra.
Em entrevista ao GaúchaZH, Freitas ressalta que a UFRGS não deixará de investigar possíveis fraudadores, mas que conduzirá o processo garantindo "o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa".
—Vamos sentar e construir, UFRGS e MPF, uma nova forma de investigar. Mas não se fará qualquer análise com base exclusiva no fenótipo, ele será um dos elementos para apurar eventual falsidade. Vai se analisar todo o contexto da autodeclaração, que continuará sendo o critério. E, antes de qualquer decisão, a UFRGS vai garantir a adequada manifestação dos alunos, na qual eles poderão dizer por que fizeram a autodeclaração. Depois, eles terão a possibilidade de entrar com recursos dentro da universidade — afirma.
Lisiane Donamore dos Santos, advogada de cotistas que foram aferidos pela comissão especial da UFRGS e que tiveram a autodeclaração negada pela universidade, comemorou a suspensão temporária como uma "trégua e encaminhamento positivo". No entanto, ela lamentou que a instituição de ensino não tenha retirado a aferição do vestibular de 2018.
— Ao menos agora, algumas questões pontuadas estão sendo levadas em consideração. Haverá uma reflexão sobre a ampla defesa, o direito adquirido e o contraditório. Não sou contra a comissão, mas contra o método. Esse tipo de verificação não estava prevista no edital até 2017, foi criada uma nova regra no meio do jogo. Só que a recomendação do Ministério Público não abrange o vestibular de 2018. Acredito na autodeclaração até que se prove que não é fidedigna — avalia.
O Balanta, coletivo negro que entregou à universidade a relação de 400 nomes de possíveis fraudadores, afirmou que entende que a recomendação do MPF "questiona o modo como a universidade acolheu e agiu sobre as denúncias" e que, por isso, aguardará o posicionamento do reitor antes de manifestar-se a respeito.