
A criação de uma comissão para verificar as informações prestadas pelos candidatos na inscrição para o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), anunciada nesta segunda-feira (25), divide opiniões entre professores e juristas. Com o objetivo de evitar fraudes, a autodeclaração racial assinada pelos estudantes será avaliada por um grupo de representantes de professores, alunos e funcionários da instituição antes da realização da matrícula. A medida passa a valer a partir do ano que vem.
Nelson Inocêncio, professor e membro do núcleo de estudos afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UnB) — primeira federal a adotar o sistema de cotas, em 2003 — garante que a comissão é "absolutamente necessária". Para Inocêncio, só a autodeclaração abre uma brecha para que qualquer pessoa tente burlar as regras.
— Toda pessoa negra é uma afrodescendente, mas nem todo afrodescendente é negro. Tem pessoas que têm antepassados que são negros, mas não quer dizer que, fenotipicamente, elas possam ser identificadas como pessoa negra, que sentem os mesmos constrangimentos que os negros passam hoje. A pessoa dizer que é afrodescendente não é um argumento plausível, o mundo é afrodescendente porque os Homo sapiens surgiram no continente africano. As pessoas são discriminadas porque têm o cabelo crespo, porque têm traços que identificam uma herança africana, é um conjunto de elementos — defende Inocêncio.
A UFRGS contabiliza 64 processos abertos em função de denúncias de fraudes nas cotas raciais. São de pessoas que entraram nas vagas destinadas a pessoas negras, mas que seriam brancas.
Até agora, a pessoa precisava apenas entregar uma autodeclaração para fazer a matrícula. A partir de 2018, antes de efetivar o ingresso na universidade, o estudante precisará passar pela avaliação da comissão — que será feita presencialmente, de forma individual e silenciosa (sem entrevistas), diante de membros da comissão.
O critério utilizado será o fenótipo, ou seja, os membros da comissão irão avaliar a cor da pele, o tipo de cabelo, o formato do nariz e dos lábios. Nenhum questionamento será feito ao estudante.
Para o advogado e professor do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Thiago Amparo, a questão de comissões julgadoras é controversa:
— A jurisprudência constitucional brasileira e a lei federal privilegiam a autodeclaração racial, mas comissões para verificar a autenticidade da autodeclaração com base no fenótipo são comuns em diferentes partes do Brasil.
O problema, segundo Amparo, é que a medida sendo válida para todos os candidatos, como fator decisivo para uma vaga na UFRGS, já parte do pressuposto de que a informação do aluno no momento da inscrição não é verdadeira.
— O importante é que estas comissões verifiquem apenas os casos de fraude e não se transformem em tribunais raciais para todos os candidatos cotistas aprovados, uma vez que deve-se respeitar a presunção de veracidade da autodeclaração racial até que se prove o contrário.