Os ramos de fabricação de calçados e de produtos alimentícios estão entre os que mais demitiram no Rio Grande do Sul em junho. Com quedas em toda a indústria de transformação, os segmentos derrubaram as contratações formais do setor fabril como um todo.
A indústria foi a que mais dispensou funcionários no mês, com baixa de 3,9 mil empregos com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged).
Exceto a construção, todos os demais setores econômicos tiveram dados negativos. No comércio, foram 2.529 postos a menos (-0,39%), seguido de 2.154 baixas na Agropecuária (-2,17%). Nos serviços, foram 451 desligamentos a mais do que contratações (-0,04%). Os resultados, no entanto, são considerados compreensíveis, diante do cenário.
— É razoável, tendo em vista que boa parte das cidades ainda estavam debaixo d'água e com empresas ainda sem retomar suas atividades. Quando pensamos que a enchente alagou 80% do RS, não vejo que seja preocupante, e, sim, um momento de adequação — diz a economista e professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Maria Carolina Gullo.
— Provavelmente em julho poderemos ter algo diferente, já que ao longo de junho foram chegando ajudas do governo federal para manter as empresas — projeta.
Para o Ministério do Trabalho e Emprego, os números gaúchos vieram até melhores do que o esperado, dada a dimensão do impacto econômico da cheia. No entanto, o setor vê um caminho ainda difícil para a recuperação plena, especialmente na indústria.
Atenção aos recursos
Excluindo a indústria de tabaco, que tradicionalmente dispensa trabalhadores neste período, os segmentos da indústria de transformação como fabricação de artigos de couro, alimentos, máquinas e confecção lideram as perdas.
A fabricação de produtos alimentícios fechou 382 vagas no mês. O dado chama atenção por uma característica do próprio setor, que não costuma fazer grandes demissões, justamente por lidar com itens essenciais. No entanto, muitas empresas do ramo, apesar de não terem fechado por completo durante a cheia, tiveram problemas no recebimento de matéria-prima e na logística, o que exigiu ajustes relacionados à operação.
O presidente do Sindicato das Indústrias da Alimentação e Bebidas do RS (Siab RS), Marcos Oderich, diz que a morosidade na obtenção dos recursos destinados à recuperação econômica é o maior desafio para a retomada neste momento.
— Estamos confiantes quanto às sinalizações, mas é muito demorado. São meses de espera até receber um equipamento necessário. A depender do patamar da empresa, são muitas etapas obrigatórias para avançar no processo. O BNDES alega que o serviço deles triplicou, mesmo dando prioridade ao RS. Mas só tem um caminho: baixar a cabeça, ter discernimento para acertar nas prioridades e seguir. Precisamos gerar produção. O Rio Grande do Sul não vai se recuperar se a indústria não se reerguer — diz Oderich.
O dirigente acrescenta que há uma dificuldade geral para contratar mão de obra, justamente num momento em que o reforço de pessoal faz falta:
— São muitos problemas de equipamentos danificados pela água e precisaríamos de mais gente para fazer o que uma máquina faz. Todavia, estamos perdendo mão de obra. É uma realidade muito diferente. Não sei qual o efeito emocional das pessoas que foram afetadas no Vale do Taquari e do Caí... Muitos estão migrando para outros locais.
Na indústria calçadista, a fabricação manteve uma das principais baixas, mas reduziu o ritmo de demissões em relação a maio e em relação a junho do ano passado. Foram 211 empregos a menos em junho, contra 1.249 no mês anterior. A queda é sazonal, segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, e os efeitos da enchente no setor são indiretos. A cadeia é uma das que sofreu com a dificuldade logística e com a inoperância de alguns comércios.
— A catástrofe vem trazendo outros problemas. Desde quando começaram a ser discutidos os auxílios, foi dito que não se pode haver morosidade. Esse apoio precisa ser o mais rápido possível porque ajuda a economia como um todo — diz Ferreira.
O Rio Grande do Sul é o segundo maior produtor de calçados do país. O segmento é o maior empregador da indústria nacional. De toda a produção brasileira, 7% dos calçados são comercializados no Rio Grande do Sul, e o varejo foi um dos mais prejudicados pela cheia, lembra o dirigente.
Apontando a retomada
Diferentemente dos demais setores da indústria, a construção contratou 0,4% a mais no mês (saldo positivo de 546 postos). Foi o único setor no azul e o saldo positivo também pode ser relacionado à enchente. Conforme a economista Maria Carolina, a tendência é de que o setor permaneça aquecido por alguns meses:
— Faz todo sentido a construção estar contratando, porque é exatamente o que estamos vendo neste momento: a necessidade de obras e reformas, tanto em residências e locais comerciais quanto em estradas.
A sinalização de recuperação é exemplificada pelos serviços. Entre as quedas, o setor teve o menor saldo no fechamento de postos (-451), já indicando retomada. Muitas atividades pararam completamente durante a enchente, sobretudo as ligadas ao turismo.
A partir do momento que a locomoção voltou a ser possível, o chamado turismo de proximidade, em geral feito de carro, ganhou força. Para os especialistas, o desempenho do setor vai contribuir nos próximos meses para dados de emprego e do Produto Interno Bruto (PIB).