Ao contrário do que aconteceu com a média nacional, em que o rendimento médio real entre 2022 e 2023 avançou 3,25%, no Rio Grande do Sul os ganhos com o trabalho reduziram 1%. Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do quarto trimestre do ano passado, a alta de R$ 2.854 para 2.947 no país, representa a segunda maior elevação em uma década. No Estado, por outro lado, houve redução de R$ 32, passando de R$ 3.241, em dezembro de 2022, para R$ 3.209, em igual mês de 2023.
De acordo com outro indicador, o de rendimento domiciliar per capita, enquanto o salto do ano passado chegou a 16,5% no Brasil, o melhor desempenho desde o início do Plano Real, por aqui, o acréscimo de 10,4% é o quarto pior entre as 27 unidades da federação avaliadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só não foi menor do que o apurado em Sergipe (2,6%), Acre (5,5%) e Rio Grande do Norte (8,4%). Nesse caso, considera-se o total dos rendimentos domiciliares divididos pela quantidade de moradores da residência, levando em conta a renda de trabalho, mas também de outras fontes, como as advindas dos programas sociais, por exemplo.
Ao observar os números, o pesquisador do IBGE e coordenador da Pnad no RS, Walter Rodrigues, chama atenção para diferenças setoriais que ajudam a justificar as performances. Um dos segmentos que, segundo ele, explica a discrepância entre o Estado e o país, é o agronegócio, uma vez que no Brasil a renda associada ao setor cresceu 3,62% e no RS teve queda de 17,3%, com efeitos extensivos para as demais atividades econômicas.
A economista que faz parte da equipe do Mapa do Emprego da Fecomércio-RS, Giovanna Menegotto lembra que a maior diferença em termos de atividade do país e do RS foi a indústria. Nas vagas formais, exemplifica, além da destruição líquida de postos na Construção, a Indústria de Transformação gaúcha – exposta aos acontecimentos do campo – fechou mais de 6 mil postos em 2023. Em contrapartida, no Brasil foram criadas mais de 100 mil nessa atividade.
— A indústria gaúcha, além do maior peso na estrutura produtiva em relação ao país (20% do emprego formal do RS e 15% no Brasil), tem na sua composição participações maiores das atividades industriais que tiveram desempenho pior. Com aumento marginal da participação do emprego formal em setores com remuneração média menor pode ter havido uma limitação setorial à dinâmica da remuneração média do RS em relação ao Brasil — argumenta.
Influência da renda na inflação gera polêmica
O atual aquecimento da renda no país foi alvo da ata na última reunião Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que reduziu os juros ao patamar de 10,75% ao ano, no mês passado. O texto afirma que o colegiado “demonstrou maior preocupação com possíveis efeitos da ampliação de ganhos reais no período mais recente e da aceleração de crescimento observada nos dados referentes à massa salarial sobre a dinâmica prospectiva da inflação de serviços.
Na prática, trata-se do temor de que o maior fluxo de dinheiro na economia possa, agora, desequilibrar os preços, o que demandaria menos flexibilização da taxa Selic. A teoria foi negada com afirmações do ministro do Trabalho, Luíz Marinho, durante a divulgação de mais um crescimento nas vagas e nos salários em ocupações formais do país.
— Controlar a inflação com juros e restringindo crescimento é a maneira burra de fazer. O jeito inteligente é você controlar a inflação pela oferta, com o planejamento das empresas que precisam perceber que nós vamos crescer os empregos, tem investimento para isso, e vai crescer a demanda de consumo. As empresas não devem esperar faltar mercadoria, elas têm que antecipar a velocidade da linha contratando mais gente — declarou.
Economista e coordenador do PUCRS Data Social, André Salata percebe cenário positivo para a renda. No que se refere à domiciliar per capita, advinda do trabalho, salienta que se trata do maior valor em toda a série histórica iniciada em 2012. A Região Metropolitana de Porto Alegre, alvo de pesquisa recente realizado por ele, também indica tendência crescimento, ainda que em ritmo menor do que o nacional.
Na leitura de Salata, em momentos de crise muito intensos, como os enfrentados a partir da pandemia no país, é papel do Estado promover condições de retomada do mercado de trabalho e da renda das famílias, apesar de eventuais riscos para o aumento da inflação:
— É nesse balanço que importa ficarmos atentos.
O que explica a tendência de aumento da renda no país
Economistas e estatísticos consultados por GZH apontam a tendência de aumento da renda. O principal fator destacado é o aquecimento do mercado de trabalho, cuja taxa de desocupação atualmente está em 7,4% no país e 5,4% no Estado, muito próximas em ambos os casos das menores médias históricas. Na esteira do desempenho, existem pelo menos quatro elementos que ajudam a explicar o atual cenário
- Retorno da política salarial com aumento real: em 2023, o governo federal retomou os reajustes salariais acima da inflação. Em 2024, o valor subiu para R$ 1.412, após elevação de 6,97% sobre o vigente em 2023, que era de R$ 1.320. Movimento semelhante ocorreu no ano anterior, quando o piso foi estabelecido com reajuste de 8,9% sobre os R$ 1.212 praticados em 2022. A inflação teve elevação menor (e 4,62%, em 2023, e 5,79%, em 2022). Além dos efeitos diretos na renda dos trabalhadores, existem os indiretos, uma vez que o salário mínimo é referência de remuneração para aposentadorias, planos de previdência e Benefício de Prestação Continuada (BPCs), fatores que contribuem com o aquecimento do consumo, o que também ajuda a gerar demanda por mais vagas de trabalho.
- Alta dos gastos públicos em programas sociais: os programas de transferência de renda, a exemplo do bolsa família, não são usados para a composição da renda do trabalho, mas influenciam a renda per capita das famílias. De uma forma ou de outra, injetam recursos na economia e favorecem o cenário de consumo, o que a exemplo do que acontece com a política de aumento real para o salário mínimo, turbina o cenário de consumo e aumenta a demanda por mão de obra no mercado de trabalho. Nesse aspecto, em 2022, houve um pacote de bondades que elevou os pagamentos do Bolsa Família. Em 2023, no início do atual governo, os programas sociais foram redesenhados e houve a inclusão de renda adicional por quantidade de filhos, o que também ampliou o volume dos repasses federais.
- Novo ciclo de redução da taxa de juros: depois de 12 meses no patamar de 13,75% ao ano, a taxa Selic, que norteia as operações de crédito no país, iniciou nova trajetória de baixas, em agosto do ano passado. No momento, está fixada pelo Banco Central em 10,75%, com perspectiva de deixar os dois dígitos para trás ainda este ano. Juros mais baixos favorecem o cenário de investimentos para ampliação da produção nas empresas. Na outra ponta, estimula o crédito pessoal. Ainda que o crédito não seja contabilizado como renda, também cumpre a função de aquecer o consumo. Ao concluir esse ciclo, influencia positivamente a atividade econômica.
- Maior formalização do mercado de trabalho: os dados da Pnad Contínua mostram o aumento sustentado do rendimento médio do trabalho no Brasil. Além da desaceleração da inflação, há avanços no trabalho formal. Ocupações formais têm rendimentos médios maiores do que as informais. Essa migração de pessoas já ocupadas da informalidade para a formalidade contribui com o rendimento médio real. Para ilustrar, a participação no total do emprego formal cresce acima da média, com destaque ao emprego no setor privado com carteira assinada (alta de 4% em 2023 e correspondendo a 37,4% do total de ocupados no ano passado). Empregos com carteira assinada também elevaram o rendimento médio, uma vez que o mercado de trabalho mais apertado possibilita maiores salários de contratação. Da mesma forma, a inflação baixa (e taxas de desocupação baixas) aumentam a pressão por aumentos salariais reais nas negociações coletivas.