O mundo está diante de uma nova tecnologia de propósito geral, usada em todos os setores da economia e da vida cotidiana. Assim como foi a internet, a Inteligência Artificial (IA) avança nas plataformas digitais e gera mudanças nas relações entre empresas e consumidores. A convite do Grupo RBS, strategic media partner do South Summit, o cofundador da renomada consultoria americana de inovação, disrupção e transformação digital Decoupling.co, Thales Teixeira, vem a Porto Alegre para participar da terceira edição do evento.
Ao lado de Marcelo Leite, diretor-executivo de Digital e Transformação da RBS, ele irá participar do painel Disrupção Digital Começa pelo Cliente. Na sexta-feira (22), no palco Arena Stage, Teixeira e Leite vão falar sobre a transformação digital de grandes empresas: como diz o título do painel, para além de soluções tecnológicas, a disrupção deve ter como ponto de partida as expectativas do cliente.
Eles vão abordar o case da RBS, que conta com o apoio da Decoupling e da consultoria Meta no processo de transformação digital. Professor de Harvard por 10 anos, Teixeira trabalhou com executivos de 15 das empresas da lista Fortune 100, entre elas: BMW, Nike, Siemens, Bayer e Adidas.
Você constatou um padrão de disrupção digital em várias indústrias, que chamou de decoupling. O que é isso?
“Decoupling,” ou desacoplamento, é a separação de atividades dentro da cadeia de valor do consumidor. Tradicionalmente, as empresas mantinham controle sobre todas as etapas da cadeia de valor, desde a produção até a distribuição e a venda final. No entanto, com o advento da economia digital e das plataformas online, muitas empresas começaram a “desacoplar”, ou seja, separar essas etapas, permitindo que diferentes partes da cadeia de valor fossem executadas por diferentes empresas ou startups. Por exemplo, Uber desacoplou a oferta de carros privados (feita por ela) da direção dos carros (feito por autônomos). Turbi, um site de empréstimo e uso de carros de donos privados, desacoplou o uso de automóveis particulares (feito pela startup) da aquisição destes carros (feita por consumidores). Nubank desacoplou a análise de crédito, envio e gestão de cartão (feita por ela) das operações de pagamentos de estabelecimentos comerciais (feito por redes de cartão de crédito). Nesses e em outros casos de decoupling, os clientes recebem serviços mais baratos, mais rápidos e mais convenientes do que os serviços similares feitas por empresas de táxi, locadores e bancos tradicionais, respectivamente.
Em um mercado que usa cada vez mais IA, qual é a capacitação mais relevante para quem busca empreender?
Um empreendedor almeja algo maior do que tem capacidade para alcançar
Eu fui, até recentemente, professor na Harvard Business School por 10 anos. Com a pandemia, me mudei para a Califórnia e agora sou professor da Universidade da Califórnia. Em Harvard, a definição de empreendedorismo era bastante abrangente e filosófica. Empreender é buscar por novas oportunidades (de negócios), além dos recursos disponíveis para ter sucesso. Ou seja, um empreendedor almeja algo maior do que tem capacidade para alcançar. Empreendedores, no início da jornada, não têm dinheiro suficiente, não têm pessoas qualificadas o suficiente, e não têm experiência de mercado o suficiente para abocanhar a oportunidade que eles descobriram. Assim sendo, eu acredito que a capacitação mais relevante de um empreendedor não é ferramenta tecnológica alguma, mas sim a habilidade ou tenacidade de buscar construir algo do zero, com perseverança e descaso para as múltiplas barreiras e empecilhos que surgirão. Todo empreendedor bem-sucedido que eu já conheci tem uma combinação de visão, descaso com a realidade atual e capacidade de execução com recursos escassos.
A IA será melhor aproveitada por qual tipo de profissional?
Diferentemente de novas tecnologias recentes como as criptomoedas, o blockchain, a realidade virtual, entre outras, a inteligência artificial é uma tecnologia para uso genérico. Isso significa que a sua aplicação é generalizada para uma infinidade de usos, aplicações e contextos. Neste sentido, eu compararia a inteligência artificial à internet e ao computador pessoal. E como tal, a pergunta difícil de responder é qual profissional não se beneficiará de ferramentas baseados em IA. Estamos nos primeiros momentos da era da IA. Para quem passou pela transição do PC – eu ainda era pequeno – mas lembro que meu pai me levava numa loja de software e toda semana tinha aplicativos novos. A internet explodiu quando eu estava na faculdade. Todo dia uma quantidade incalculável de sites novos com conteúdos e serviços novos apareciam. O mesmo está acontecendo hoje: todo dia eu vejo uma nova empresa, uma nova aplicação, um novo algoritmo de IA. Todos nós profissionais devemos estar antenados e motivados a aprender a usar esta nova tecnologia para diversas tarefas e afazeres do dia a dia. Um exemplo de uso corriqueiro de IA, particularmente o IA generativo, que cria novos conteúdos, é a resposta da minha primeira pergunta desta entrevista. Ao invés de respondê-la, eu usei o ChatGPT para responder à pergunta “O que é decoupling?”. Eu vi o resultado, gerado em poucos segundos, e achei correto e coerente.
Quais setores da economia podem se beneficiar mais?
Eu acho que essa pergunta já foi definitivamente respondida pela sociedade. Todos os setores da economia podem e estão se beneficiando pela adoção de tecnologias digitais.
Há um contexto de busca cada vez mais acirrada pela atenção do público. Mas qual é o real limite para a nossa capacidade de absorção de informação e conteúdo?
Nos primeiros cinco anos de minha carreira em Harvard, eu estudei a economia da atenção. Já, há muito tempo, havíamos determinado que a população mundial não tinha atenção suficiente para dar a todo o conteúdo e informação criado diariamente. Em simples “economês”, a demanda por atenção (de empresas) era de magnitude maior do que a oferta de atenção (pelas pessoas). A consequência clara quando a oferta de um recurso escasso, neste caso a atenção, é muito menor do que a demanda é que o seu preço sobe. E é isto que eu constatei nas minhas pesquisas. O custo da atenção, na forma de gasto pago pelas empresas para anunciar na internet, televisão, e outras mídias, tem aumentado ano após ano, muito mais do que a grande maioria de outros recursos ou gastos pelas empresas. O custo para captar atenção de consumidores aumentou nas últimas décadas significativamente mais do que a inflação e outros gastos empresariais como salários, impostos, eletricidade, etc.
Com a inclusão de cada vez mais dados nas estratégias de produto e a busca por personalização, é possível antever o fim dos produtos e dos mercados massificados? Como esses algoritmos preditivos afetariam a economia e o cotidiano?
Talvez, sem saber, hoje, todos nós somos afetados por algoritmos preditivos
Algoritmos bons têm dados bons para calibrá-los, tanto em quantidade quanto em qualidade dos dados. Talvez, sem saber, hoje, todos nós somos afetados por algoritmos preditivos. Se você usa o Waze ou traça rota de direção em outro app, tem um algoritmo por trás. Se você pede um Uber, a rota e o tempo estimado de chegada é determinado por um algoritmo. E assim vai. Quer saber a previsão do tempo? Algoritmo. Sites de mídia social e notícias nos mostram conteúdos baseados em algoritmos preditivos. Tudo o que é digital – conteúdo e serviços que são nada mais do que combinações de “0” e “1” – é customizado para indivíduos. Então esse futuro já chegou. Mas ainda não chegou para os produtos físicos customizados de acordo com cada indivíduo. Por restrições de produção nas fábricas, principalmente na China, a grande promessa de customização “1-a-1” ainda não chegou. Acadêmicos e consultores estão falando nisso há décadas. A realidade é que essa promessa esbarra na capacidade de indústrias chinesas em alterar o processo nas linhas de fábrica para produzirem variações de grande quantidade a partir de microvariações necessárias atingir a completa personalização. Eu não sou futurólogo. Apenas tenho dados sobre o passado e o presente. Mas arriscaria dizer que, apesar de termos grandes avanços em customização de produtos industriais para segmentos (no caso de carros), ou até nichos (no caso de roupas), a personalização total de produtos industriais está longe de ser alcançada, a não ser que cada pessoa tenha sua minifabriqueta em casa. No caso da impressão 3D, isso já é uma realidade.