Ao manter a taxa de juro básico no mesmo patamar pela sexta vez consecutiva, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) não trouxe surpresas ou indicativos mais claros sobre o início dos cortes na taxa, como esperava parte do mercado e dos analistas. Especialistas afirmam que o colegiado mantém tom conservador e duro, não cedendo às pressões do governo, reforçando que a decisão precisa ser técnica.
No comunicado que acompanha a decisão, o órgão destaca que a reoneração dos combustíveis e, principalmente, a apresentação da proposta de arcabouço fiscal reduziram parte da incerteza no campo da política fiscal. Por outro lado, cita processo desinflacionário que tende a ser mais lento diante de expectativas de inflação desancoradas. O órgão também mostra certa prudência em relação ao novo marco fiscal, citando incerteza ainda presente sobre o desenho final do texto. No fim do texto, salienta que cenário de nova alta na taxa é menos provável, mas segue com tom vigilante:
“O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”.
O economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini, afirma que o comunicado do Copom não traz surpresas e mantém o tom duro no sentido de preservar a estratégia de política monetária. O especialista afirma que o comitê preserva a credibilidade institucional ao governo federal e ao mercado ao destacar que a decisão seguirá sendo técnica:
— Ele dá um sinal muito claro para o governo de que a decisão tem de ser técnica. Quando o Copom reforça o que disse na nota anterior, sinaliza que a decisão vai ser técnica e que ainda não tem condições para reduzir a taxa.
Agostini avalia que, como os indicadores já estão mostrando o efeito da alta do juro, o Copom poderia iniciar o processo de corte ou sinalizar essa iniciativa para junho. No entanto, ele afirma que o BC mantém um preciosismo maior diante de uma estrutura de inflação que precisa ser repensada, revista em alguns pontos, como indexação e contratos de preços administrados. Ele também cita a necessidade de modernização no sistema, como não ter o ano-calendário como ponto para medir o cumprimento ou não da meta. O economista destaca que os ataques do governo federal também influenciam nesse processo de manutenção da taxa em 13,75%. O economista projeta que o colegiado votará pela redução da taxa Selic em 0,50 ponto percentual em junho em um cenário onde o Conselho Monetário Nacional eleve a meta de inflação no mesmo mês.
Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor de estudos e pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), também avalia que o posicionamento do colegiado não traz novidades. O diretor afirma que já existe espaço para redução na taxa diante de uma inflação que não é de demanda, mas sim de custos, de endividamento elevado e de problemas de desemprego.
— Juro elevado nesse patamar só piora a situação da economia. O país não cresce, não gera emprego e renda. Além disso, você também reduz a arrecadação de impostos, o que agrava a situação fiscal.
Oliveira estima que o Copom seguirá com postura conservadora em um cenário onde a inflação segue longe da meta. Nesse sentido, projeta início de corte na taxa apenas no segundo semestre, em agosto, em um processo lento, com pequenas reduções.
A Selic é usada como referência para uma série de taxas atreladas ao crédito. Portanto, em nível elevado, o indicador afeta uma série de decisões de investimentos de empresas e o mercado de crédito, diminuindo o número de transações. Por outro lado, mantém os investimentos em renda fixa atrativos. A autoridade monetária usa a taxa para conter a demanda e equilibrar a inflação.
Cenário desafia a indústria, diz Fiergs
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) afirmou que a inflação e a situação fiscal do país justificam a decisão do Copom. A entidade também cita o arcabouço fiscal, avaliando que o projeto trouxe incertezas quanto à estabilidade da trajetória da dívida pública.
“O mecanismo escolhido para a formação de superávit primário requer aumento das receitas e não a contenção do gasto público, instrumento que preocupa dado seu caráter cíclico e ao atual nível de carga tributária. Também ficou estabelecido que o descumprimento da meta de resultado primário não configura infração e o contingenciamento de despesas não é mais obrigatório. Por esses motivos, as expectativas inflacionárias foram elevadas”, afirmou o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry, ao comentar a decisão no comunicado.
O dirigente reforça que a atividade econômica e o mercado de crédito seguem sofrendo com os efeitos dos juros altos, “trazendo desafios para a indústria nacional já tão penalizada”.