Uma das alternativas estudadas pelo Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação federal passa pela tributação sobre empresas estrangeiras do varejo.
A taxação pegaria em cheio gigantes asiáticas como Shopee, AliExpress e Shein, que têm ampliado presença no Brasil nos últimos anos. A previsão é de que a taxação de empresas desse segmento gere de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões, por ano, aos cofres públicos.
Veja, a seguir, as mudanças propostas pelo governo federal e como essa tributação vai impactar no bolso do consumidor.
Qual o impacto para o consumidor?
Se aprovada, a mudança terá efeitos diretos para o comprador brasileiro. Marcel Alcades, advogado e sócio da área de tributário do escritório Mattos Filho, diz que, inevitavelmente, o encargo será um custo repassado ao consumidor.
— Sem dúvida, vai ter um repasse deste preço. E quando o consumidor for retirar esse produto, isso vai ser repassado no preço para ele. Do ponto de vista comercial, claro que as empresas vão olhar pra isso — diz Alcades.
A avaliação é compartilhada pelo consultor tributário da Fecomércio-RS e sócio do escritório Rafael Pandolfo Advogados, Rafael Borin:
— Sem dúvida nenhuma, vai ficar mais caro. Na importação, quem paga o imposto é quem está importando. Se forem tributadas, as empresas provavelmente terão alíquota de 25% sobre essa transação, que é o tema da reforma tributária (futuro Imposto Sobre Valor Agregado, o IVA, a ser cobrado sobre o consumo no Brasil). É uma informação ainda bem geral, mas deve atender a maior parte dos casos.
Como funciona a legislação hoje?
No Brasil, parte significativa dos produtos pessoais importados não são taxados. Isso porque encomendas pessoais (enviadas de pessoas físicas para pessoas físicas) de valor até US$ 50 (R$ 250) são isentas de imposto de importação e de taxação alfandegária. Acima desse montante, uma taxa de 60% do valor do produto mais o frete é cobrada pela Receita Federal, mas muitas vezes as compras são divididas em encomendas menores para escapar da tributação adequada.
Também há suspeitas de que grandes marketplaces internacionais usem do artifício para fraudar a tributação, utilizando o nome de pessoas físicas como remetentes. A prática está na mira do fisco e chegou a ser classificada como “contrabando digital” pelo ministro da fazenda, Fernando Haddad.
A crítica do governo e do próprio varejo brasileiro é de que o ambiente enfraquece o comércio local, principalmente pelo espaço que as plataformas estrangeiras conquistaram entre os compradores. Apesar do encargo extra no bolso do consumidor, especialistas defendem que ajustes são necessários para retirar a desvantagem do produto nacional frente ao estrangeiro. Por outro lado, são “vantagens” permitidas pelo sistema atual. Ou seja, as empresas não necessariamente estão agindo com fraude.
— Existe o princípio da isonomia. Ou seja, se uma empresa nacional é tributada, por que as importações não são, por mais que sejam de pequenos valores? Por outro lado, é preciso ver o aspecto normativo disso. Eu tenho uma lei que concede a isenção — diz Alcades.
— Tem que olhar para esses marketplaces e importações. Se o Brasil quer se reindustrializar e se desenvolver, ele precisa passar por esses ajustes. Não é fechar as portar e criar barreiras, mas criar condições de concorrência — defende Borin.
Quando as cobranças passam a valer?
O aumento não será imediato. As taxações ainda não têm prazo para saírem do papel e dependem de aprovação da Casa Civil e do presidente Lula. A expectativa é de que a proposta seja encaminhada junto com a nova regra de controle de gastos que será enviada ao Congresso. O texto está sendo finalizado.
Antes disso, mudanças estão sendo discutidas para que entrem em vigor até a metade do ano. A primeira delas é maior rigor na fiscalização de itens que entram no país por meio do comércio eletrônico internacional.
A Receita Federal vai exigir uma série de informações que identifiquem exportador e importador, a fim de rastrear a origem e o destino dos produtos e evitar possíveis fraudes. A troca de informações será feita com parceria dos Correios. Casos de subfaturamento ou dados incompletos ou incorretos estarão sujeitos a multa.
E depois?
Também se discute a retirada da isenção do imposto para as encomendas até US$ 50. Segundo a Folha de S. Paulo, o governo colocará fim à isenção, com aplicação da alíquota única de 60% sobre todo os produtos, não havendo mais diferenciação entre as compras feitas pessoas físicas e jurídicas. Ainda não há data para o início da cobrança.
O tributarista Marcel Alcades lembra que o assunto é complexo e remete a um caminho normativo iniciado por uma lei criada em 1980, antes mesmo da Constituição. As normas atualmente em vigor foram estabelecidas em 1999, por definição do Ministério da Fazenda.
— Estamos tratando um problema de marketpleace com uma lei que é de 1980, quando não se trocava nem e-mail. O assunto é muito complexo — acrescenta o advogado.