O que não falta nos 18 pavilhões abarrotados por milhares de estandes de empresas globais até a próxima sexta-feira (21), em Hannover, na Alemanha, é inovação. Na maior feira de tecnologia aplicada à fabricação de produtos em qualquer dos segmentos imagináveis do segundo setor nasceria, em 2011, aqui mesmo, o conceito de Indústria 4.0 – até hoje um divisor de águas para o modo de produção mundial.
Não é por acaso que essa ideia, lançada por alemães há 12 anos, também é conhecida como a “Quarta Revolução Industrial”. Em síntese, trata-se de reunir soluções avançadas de inteligência artificial, robótica, internet das coisas (IoT) e computação em nuvem para potencializar negócios.
No Rio Grande do Sul, não é diferente. Boa parte das mais de 60 empresas gaúchas integrantes da missão Hannover Messe 2023 garimpa (sem emissão de carbono), entre as alternativas expostas aos olhos dos mais de 80 mil visitantes aguardados para cinco dias de evento, o que de melhor poderia ser aplicado dentro de diferentes realidades e, sobretudo, distintas escalas industriais.
O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) e vice da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gilberto Petry, participa dessa feira desde a década de 1980. Ele recorda que o termo “4.0” passou por questões mercadológicas que levaram a Alemanha a inverter o jogo diante do “Just in time” japonês, assim como o "lean manufacturing” e o “smart plan” dos Estados Unidos, todos focados em fundamentos cujo alvo era a alta produtividade no chão das fábricas.
— Viemos em uma missão específica, só para ver isso e, quando deparamos com o letreiro do 4.0 nos pavilhões, ainda não percebíamos o que aquilo significaria. Hoje, dizem que a feira, e as feiras de modo geral, estão esvaziadas (desde a pandemia) por causa dos encontros visuais, mas nada substitui o contato mais próximo, principalmente, para fechar negócios e encontrar caminhos conjuntos — comenta.
A fala do dirigente acerta em cheio o momento atual. É que desse ponto de partida emergem condições para que soluções em comum já saiam de Hannover com projetos alinhados, capazes de gerar outras inovações ou adaptações às distintas realidades.
Foi exatamente o que aconteceu com Giuliano Hoffmann, CEO da FlokiSys (empresa voltada ao desenvolvimento colaborativo de softwares) e Gabriel Pedroso, da Transmaq (indústria que atua desde 1972 com redutores de velocidade), ambas gaúchas, nesta terça-feira (18), em Hannover.
— Compramos os motores e fabricamos os redutores — elucida Pedroso, ao falar sobre o mercado que envolve toda linha de produção com movimento, da mineração a uma máquina de sorvetes italianinho.
— Os redutores são uma tecnologia antiga e 100% mecânica. Nesse momento, com 5G, IoT e automatização, saber para onde vai esse setor é fundamental. Aqui, a gente consegue conversar com os grandes fabricantes que nos indicam os caminhos — complementa.
Os dois já mantinham algum tipo de conversação. Por quê? Para implantar condutas em eventuais testes de qualidade da FlokiSys na Transmaq, desde 2021. Faltavam pelo menos dois detalhes, até que fossem traduzidos por um breve insight que viria com a visita, na manhã desta terça, ao estande da Fendler.
O primeiro: foi ali que eles perceberam uma solução já existente, entretanto, adaptável às pequenas e médias indústrias nacionais. Trocando em miúdos: aquelas que ainda enfrentam “preços proibitivos”, reforça Hoffmann, para acessarem ferramentas disponibilizadas pelas gigantes do setor, caso de SAP e Siemens, por exemplo.
Giuliano Hoffmann explica um pouco melhor, enquanto termina de elaborar um planejamento que junta, de imediato, suas plataformas às demandas da Transmaq – a partir daqui, transformadas em uma possibilidade para que o cliente Pedroso não só resolva suas questões de qualidade, mas ainda possa oferecer um novo serviço embutido na entrega de seu produto a outros compradores. É o que no palavreado popular se chama de “ganha-ganha”.
— Essa é a tendência: todos os equipamentos industriais direcionados à automação têm sensores de coleta de dados embarcados. Significa que todo fabricante de produtos usados em máquinas de automação industrial vai mandar o seu sensor junto — identifica o CEO da Flokisys.
O segundo detalhe, e não menos importante, é que por se tratar de duas empresas – uma de pequeno porte (a Flokisys, de Hoffmann) e outra de médio (a Transmaq, de Pedroso), há uma fenda escancarada para subsídios do Sistema-S (nove instituições prestadoras de serviços que são administradas de forma independente por federações e confederações empresariais dos principais setores da economia), dentre as quais a Fiergs e o Sebrae possam aportar.
— Onde ocorre o casamento? Eu já tenho a plataforma que pode rever esses dados e entregar alertas inclusive em smartwatch (relógios inteligentes). Precisávamos do sensor que vai estar conectado com o termômetro de vibração e depois jogar esses dados em algum lugar em nuvem. Aí entra o Sistema-S. Como é um desenvolvimento de produto, unimos as duas empresas, o Sebrae e Embrapii, e fazemos um projeto por quatro mãos — diz Hoffmann
Grandes indústrias do RS impulsionam as menores
Se o tema é colaborativo, no que tange à indústria 4.0 com elevadas pulsões de sustentabilidade, a Tramontina não chegou atrasada, mas ocupa, sim, um lugar à janela. Os irmãos Zaro, Eduardo (gerente de suprimentos) e Gustavo (supervisor de programação e controle de produção), da tradicional fabricante de Carlos Barbosa, procuram com olhar clínico entre os pavilhões da Hannover Messe o que serviria de novo impulso para a centenária marca gaúcha.
Entre robôs que diminuem a exposição de colaboradores aos riscos de inspeção em áreas de contenção ou alternativas para turbinar a produtividade da empresa, que recentemente concluiu o maior investimento de sua história no distrito industrial de Moreno, a 30 quilômetros de Recife, capital de Pernambuco. Com geração de 350 empregos diretos na fase um, a unidade voltada à diversificação do negócio para o segmento de porcelanas, inaugurada no ano passado com aporte de R$ 400 milhões, é um dos cases de aplicação nacional da indústria 4.0. E a empresa gaúcha também já utiliza plásticos recolhidos de oceanos para a fabricação de cabos de utensílios domésticos e já lançou uma panela com IoT capaz de interagir com o usuário, por exemplo.
— Buscamos por aqui opções em digital twins (gêmeos digitais). O foco é na digitalização 4.0 e entender o que está sendo produzido para que possamos otimizar, ganhar escala, diminuir custos de materiais, alinhar estratégias ao ESG, com a pegada da descarbonização. Quem não fizer isso fica para trás — comenta Gustavo Zaro.
Incentivo
Agenor de Carvalho, CEO da Morlub, indústria de Caxias do Sul, produz óleos lubrificantes e hidráulicos de aplicação em linhas de produção industrial, mas originárias de fontes orgânicas (portanto, redutoras de impactos ambientais) e menos demandantes da cadeia do petróleo. Esses componentes são usados pela fabricante de pneus Bridgestone ou pela armamentista Taurus, só pra estancar os exemplos em dois segmentos.
Mas foi no início das pesquisas, em 2014, numa feira de São Paulo, que ouviu de um dos altos executivos da Tramontina o seguinte desafio:
— Eu quero os teus produtos na minha empresa.
Carvalho, em processo de pesquisa ainda incipiente, teve, por primeiro reflexo, a negação.
— Não, é que estamos em fase de desenvolvimento e, se eu falhar agora com vocês, eu perderia uma grande chance — relata o empresário e pesquisador sobre o que respondeu à época.
Surpreso, conta ter ouvido de volta de uma das lideranças que hoje está entre os seus principais clientes um convite “irrecusável” para crescer:
— Não. Se der errado, nós vamos te ajudar até fazer com que isso dê certo.
Em vídeo, veja outras curiosidades da feira
Solução de robótica em sete eixos para maior precisão de movimentos:
Robô que vistoria espaços de risco:
* O repórter viajou a convite da Fiergs