Um artigo assinado de forma conjunta pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e da Argentina, Alberto Fernández, confirma a intenção de criar uma moeda comum sul-americana para transações tanto comerciais quanto financeiras. O texto assinado pelos chefes de Estado, às vésperas do primeiro encontro bilateral entre presidentes dos dois países em mais de três anos, foi publicado neste domingo (22) pela revista argentina Perfil.
"Pretendemos quebrar as barreiras em nossas trocas, simplificar e modernizar as regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum que possa ser usada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa", escreveram Lula e Fernández.
No artigo (leia abaixo, na íntegra), os dois presidentes também condenam todas as formas de extremismo antidemocrático e violência política, numa clara referência aos atentados, de duas semanas atrás em Brasília, contra as sedes dos três poderes da República.
"Os laços entre Argentina e Brasil se sustentam na consolidação da paz e da democracia. Queremos democracia para sempre. Ditadura nunca mais", diz o texto.
Apesar de ser uma revista pouco conhecido no Brasil, o artigo publicado na Perfil repercutiu nos grandes jornais argentinos, como o Clarin. O britânico Financial Times também deu espaço hoje para a criação da moeda comum.
Segundo reportagem do Financial Times, o movimento pode eventualmente criar a segunda maior moeda de um bloco econômico do mundo. O ministro da Economia argentino, Sergio Massa, afirmou ao veículo inglês que serão estudados os parâmetros necessários para uma moeda comum. Conforme o Clarin, a ideia de que Argentina e Brasil tenham uma moeda em comum para trocas comerciais transcendeu as rachaduras políticas entre os países.
"Lula a propôs assim que foi eleito para seu primeiro mandato, em 2002, a ideia foi retomada anos depois pelos governos de Jair Bolsonaro e Mauricio Macri, e agora Lula e Alberto Fernández sonham com ela", lembrou o jornal argentino.
Leia a íntegra do artigo:
Relançando a aliança estratégica entre a Argentina e o Brasil
Alberto Fernández
Luiz Inácio Lula da Silva
Dois povos irmãos voltam a se encontrar. Amanhã nos reuniremos em Buenos Aires para o primeiro encontro presidencial entre o Brasil e a Argentina em mais de três anos. Logo depois será realizada a VII Cúpula da CELAC, foro que reúne os 33 países da América-Latina e do Caribe e que, desde o ano passado, está sob a presidência da Argentina. O evento representará a volta do Brasil a esse mecanismo de diálogo e concertação regional. Essa relação nunca deveria ter sido interrompida e a história de irmandade latino-americana faz com que seja retomada. Ambos os encontros marcam um momento de recomeço, justamente no ano em que celebraremos o bicentenário das nossas relações diplomáticas.
Em Buenos Aires, vamos relançar a aliança estratégica bilateral, com a reativação de diversos espaços de cooperação e diálogo. São múltiplas as áreas em que voltaremos a atuar juntos em temas importantes para a qualidade de vida das nossas populações, como o combate à fome e à pobreza, saúde, educação, desenvolvimento sustentável, mudança climática e redução de todas as formas de desigualdade. De uma vez por todas, a história será escrita pelos nossos povos. Vamos fortalecer o papel da sociedade civil, dos governos estaduais e municipais e dos Parlamentos como atores dessa reaproximação. Sabemos que o sonho de estarmos unidos agora é uma realidade possível.
Os laços entre a Argentina e o Brasil têm como fundamento a consolidação da paz e da democracia. Queremos democracia para sempre. Ditadura nunca mais. Condenamos todas as formas de extremismo antidemocrático e de violência política.
A reindustrialização das nossas economias, com geração de emprego de qualidade e investimentos em inovação, merecerá atenção especial. O comércio entre a Argentina e o Brasil já tem alta participação de produtos industrializados em setores estratégicos. A integração entre as nossas cadeias produtivas contribui para mitigar choques externos, como os que ocorreram durante a pandemia. Não podemos depender de fornecedores externos para termos acesso a insumos e bens essenciais para o bemestar das nossas populações.
Contamos com um setor privado dinâmico e empreendedor, cuja contribuição ao processo de integração bilateral é cada vez mais necessária. Compartilhamos o firme propósito de fortalecer os já sólidos laços de comércio e investimentos entre os nossos países e promoveremos um seminário empresarial no contexto da visita presidencial.
Os nossos países continuarão desempenhando um papel fundamental para a segurança alimentar em um mundo afetado por riscos geopolíticos e graves interrupções nas cadeias de abastecimento. Estamos comprometidos em dotar a nossa agropecuária de elevados padrões de sustentabilidade e a manter seus altos níveis de produtividade.
Desejamos impulsionar projetos no campo da infraestrutura. Um tema central deste novo momento é a integração energética. A interconexão elétrica entre os nossos países já é uma realidade e a integração gasífera tem potencial para se tornar um dos projetos estratégicos da relação bilateral, com ganhos duradouros em atração de investimentos, geração de empregos e para a nossa segurança energética.
Consolidaremos a nossa posição de detentores de tecnologia nuclear para fins pacíficos, fortalecendo a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares e dando continuidade a projetos ambiciosos como o do reator multipropósito. Com a reativação do Grupo de Trabalho Conjunto sobre Cooperação Espacial, vamos colocar em órbita satélites para a realização de estudos costeiros e oceanográficos.
A relação fluente e dinâmica entre o Brasil e a Argentina é fundamental para o avanço da integração regional. Juntamente com os nossos sócios, queremos que o Mercosul constitua uma plataforma para a nossa efetiva integração ao mundo, por meio da negociação conjunta de acordos comerciais equilibrados e que atendam aos nossos objetivos estratégicos de desenvolvimento.
Pretendemos superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda comum sul-americana que possa ser utilizada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo os custos de operação e diminuindo a nossa vulnerabilidade externa. Trabalharemos juntos pelo resgate e pela atualização da Unasul, com base no seu inegável patrimônio de realizações. A Argentina e o Brasil estão decididamente engajados na construção de uma América do Sul forte, democrática, estável e pacífica.
Precisamos lidar com um mundo cada vez mais complexo e desafiador, e temos ampla convergência sobre a agenda multilateral. Falta vontade política efetiva para enfrentar os dilemas atuais e as grandes crises: mudança climática, pandemias, guerras, fome e imigração. A ONU e o G20 devem contribuir para preencher essa lacuna de liderança em prol da mudança. Ambos podem impulsionar pautas inclusivas, emitindo sinais claros para a atuação de organizações como a OMC, o FMI e o Banco Mundial. Vamos atuar de forma colaborativa em benefício da paz e do desenvolvimento.
O mundo mais justo e mais solidário que almejamos somente será viável se tivermos a coragem de ousar moldar o nosso futuro em comum. Esse é o sentido estratégico da integração bilateral.
Não existe nada mais emancipador do que a irmandade dos povos que vêm dos primórdios da nossa história para tomar posse do seu futuro.