Que atire a primeira pedra quem nunca precisou enfrentar uma situação inesperada ou um aperto financeiro durante a vida. Um estudo realizado pelo Instituto FSB Pesquisa, divulgado em agosto pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que os moradores do Sul são os mais endividados do país. Segundo os dados do estudo, 26% dos habitantes do Sul contraíram dívidas nos últimos 12 meses da data em que foi feita a pesquisa, contra 22% no Brasil.
Com o objetivo de informar a população sobre como funciona o mercado financeiro e prevenir o superendividamento, foi criado o projeto Direito em Conta. A iniciativa é da Defensoria Pública do RS (DPE/RS), em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) e com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Imprevistos
Durante a pandemia de coronavírus, a professora da rede estadual Graziella Franco, 47 anos, de Santa Cruz do Sul, se viu em meio a uma quantidade exacerbada de dívidas. Pagar o valor total da fatura do cartão de crédito já não era mais possível. Foi quando ela recorreu ao cheque especial. A situação saiu do controle e todo dinheiro que entrava era utilizado para pagar os juros gerados pelas dívidas existentes.
— Cheguei em um ponto em que eu não tinha mais nenhum tipo de crédito. E a dívida ficava cada vez maior. Eu não conseguia dormir direito — relembra a professora.
Entre as preocupações de Graziella, estava o medo de não ter recursos para sustentar o filho de 14 anos e para auxiliar a filha de 21, que faz faculdade em Porto Alegre. Neste contexto, em 2021, ela procurou a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS) para buscar uma solução. Uma sessão de conciliação foi agendada com a instituição para a qual ela devia:
— Minha intenção era juntar todas as dívidas e parcelar em um valor que eu conseguisse pagar. Me senti acolhida. Consegui um bom parcelamento e evitei ter meu nome negativado.
A pandemia também foi um momento desafiador para o aposentado Plauto Paim Espinosa, 81 anos, de Porto Alegre. Durante alguns meses, ele ficou sem receber as faturas dos cartões de crédito. Quando notou, já tinha uma dívida de cerca de R$ 46 mil. Foi quando decidiu buscar o auxilio da DPE/RS:
— Para mim, seria muito caro pagar um advogado. O atendimento que tive foi nota 10 e me ajudou a resolver as pendências que existiam.
Educação financeira
O projeto surgiu para ser uma fonte de conhecimento para o público assistindo pela Câmara de Conciliação Cível da DPE/RS, conta a coordenadora e defensora pública Ana Carolina Sampaio Pinheiro de Castro Zacher. Além disso, a iniciativa tem como foco atender pessoas que estejam endividadas ou que queiram aprender mais sobre o mercado financeiro. A pessoa superendividada é aquela que está impossibilitada de pagar as despesas básicas para sobreviver.
— Nos demos conta de que "somente" resolver a situação de superendividamento não seria suficiente. Porque essas pessoas tinham grande possibilidade de seguir fazendo negociações sem entender, com todos os detalhes, o que estavam contratando — explica Ana Carolina.
O projeto busca informar a população sobre como funciona um empréstimo, como são calculados os juros, como fazer um planejamento financeiro, entre outros temas. A parceria promoverá oficinais mensais, presenciais e online, em diferentes cidades do Rio Grande do Sul. Em outubro, começou a primeira fase do trabalho, que consiste na divulgação de vídeos e outros materiais nas redes sociais da Defensoria Pública do RS (@defensoriapublicars, no Instagram) e no site da instituição (www.defensoria.rs.def.br). Em breve, os materiais devem ser divulgados nas redes sociais do TJRS e da UFRGS.
Craque nas finanças
Nas oficinas, os participantes aprenderão o conceito de juros, de cheque especial e como entender uma fatura de cartão de crédito. Além disso, o grupo apresentará quais são as obrigações das instituições financeiras.
— Com a educação, essa pessoa passa a entender esses termos e não corre o risco de cair novamente na mesma armadilha. É uma educação sobre direitos dos consumidores — detalha a defensora pública.
De acordo com a juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) Karen Rick Danilevicz Bertoncello, serão apresentados ao público os direitos e os deveres do consumidor, os tipos de procedimentos jurídicos que existem para tratar o superendividamento e como esses recursos podem ser acessados. Nos encontros, haverá a apresentação do que é superendividamento, quais as dívidas que podem ser renegociadas e que tipo de perigos existem no excesso de crédito.
— É importante a palavra excesso aqui. Não temos nada contra crédito— explica a juíza.
Idosos estão entre os mais atendidos
De acordo com a coordenadora da Câmara de Conciliação Cível da DPE/RS, há três perfis de consumidores que aparecem com mais recorrência para atendimento na defensoria. Em primeiro lugar, estão pessoas de baixa renda que, muitas vezes, precisam fazer "malabarismos" para administrar as finanças. Os idosos, por terem um salário fixo, também se tornam o público-alvo das instituições financeiras.
— Percebemos que não há fraude. Mas, algumas vezes, falta uma explicação maior sobre informações que são essenciais — destaca Ana Carolina.
Um novo nicho que surgiu com a pandemia foi o de pessoas que tinham uma renda alta mas que se desorganizaram. Após perderem parte da renda, elas continuaram querendo manter velhos hábitos, o que resulta em endividamento, explica a defensora pública.
Com processos no Judiciário, há pessoas superendividadas com diferentes orçamentos familiares, relata Karen:
— Principalmente aposentados e servidores públicos, que têm recebido vários contratos de crédito acima da capacidade de reembolso deles.
Pesquisa acadêmica
Professor titular da Faculdade de Educação da UFRGS, Johannes Doll realiza, desde 2008, pesquisas sobre o endividamento de pessoas idosas. Ele destaca que uma das principais maneiras de combater práticas abusivas é a educação financeira. No entanto, o professor afirma que esse conhecimento por si só não tem o poder de solucionar todas as questões que geram o endividamento:
— Se você ganha pouco, não adianta resolver ou evitar problemas financeiros. Não tem como dar conta. A educação deve existir em conjunto com a luta por uma renda digna para as pessoas terem condições de viver.
Fique de olho
Confira algumas dicas para evitar o superendividamento:
- Antes de contratar empréstimos, fique atento às informações do contrato tais como juros, valor da parcela e a incidência do encargo se o pagamento da parcela atrasar.
- Procure entender como os juros serão aplicados também em casos dos cartões de crédito.
- Se possível, faça algum planejamento financeiro para o futuro.
- Em caso de dúvidas, procure a Defensoria Pública Estadual na sua cidade.
Fontes: Karen Rick Danilevicz Bertoncello e Johannes Doll
Para participar das oficinas
- Entre em contato pelo Instagram da DPE/RS (@defensoriapublicars), pelo site (www.defensoria.rs.def.br), pelos telefones (51) 2126-3045 e (51) 2126-3047 ou pelo e-mail nomelimpo@defensoria.rs.def.br.