Fundado por um comunicador que começou a carreira falando no alto-falante de uma praça, o Grupo RBS chega aos 65 anos como a conexão de gaúchos em qualquer lugar do mundo com o Rio Grande do Sul. A trajetória da empresa é marcada por ousadia, reviravoltas e superação. Desde o primeiro passo, foi necessário acreditar que daria certo. De locutor na praça de Passo Fundo a campeão de cartas na Rádio Farroupilha nos anos 1950, Maurício Sirotsky Sobrinho recebeu convite para virar sócio da Rádio Gaúcha, que estava em crise.
Mesmo sabendo que poderia colocar em risco a estabilidade financeira da família, aceitou e associou-se a Arnaldo Ballvé, Frederico Ballvé e Nestor Rizzo. Levou junto o Programa Maurício Sobrinho, com atrações que lotavam auditórios. Em 31 de agosto de 1957, teve o registro de diretor na sua carteira de trabalho. É a data escolhida para comemorar o aniversário da RBS. Desde o mês anterior, a nova direção já estava à frente da emissora que ficava no Edifício União, em Porto Alegre. Com plano de renovar a programação, a prioridade anunciada aos funcionários era melhorar as condições técnicas. Um ano e meio depois, a Miss Brasil 1958, Adalgisa Colombo, apertou o botão na inauguração dos novos transmissores da Rádio Gaúcha, prefixo PRC-2.
O presidente emérito do Grupo RBS, Jayme Sirotsky, também é protagonista desta história. Quando o irmão mais velho foi comandar a Gaúcha, ele ficou cuidando da agência de publicidade que mantinham em sociedade. Jayme considera fundamentais os movimentos que formaram o tripé de rádio, TV e jornal, dando origem à Rede Brasil Sul, a RBS, com três letras como as americanas NBC e CBS:
— Quando adquirimos o controle de Zero Hora, completou-se um ciclo. Na raiz da RBS, estão empreendedorismo, criatividade e valores.
Em 29 de dezembro de 1962, foi inaugurada a TV Gaúcha, a "Imagem viva do Rio Grande", o canal 12 de Porto Alegre. Com Jayme já integrado à sociedade, foi uma aposta no futuro da comunicação. Oito meses depois, uma reviravolta. Mesmo com a contrariedade dos irmãos Sirotsky, outros sócios aceitaram vender a TV Gaúcha ao Grupo Simonsen, da TV Excelsior. Maurício e Jayme continuaram como diretores.
O jornalista e advogado Fernando Ernesto Corrêa cita outro momento fundamental para formação da RBS. Ao lado de Maurício, viajou a São Paulo para negociar a recompra da TV Gaúcha, Canal 12, atual RBS TV.
— Não foi fácil a negociação com o grupo da Folha de S.Paulo. Lembro que redigi o contrato em uma máquina de escrever Olivetti. Sem a recompra da TV, não teríamos a RBS — relembra com orgulho Fernando Ernesto, que ingressou na empresa como jornalista e virou sócio anos depois.
Maurício voltou a Porto Alegre eufórico depois de recuperar a emissora de TV. Em casa, jogou papéis para cima comemorando o negócio com a esposa, Ione, e seus quatro filhos, Suzana, Sônia, Nelson e Pedro. Só não sabia ainda como pagaria, mas pagou.
Para formar o tripé, só faltava o jornal. Os irmãos Sirotsky, que já eram sócios de Zero Hora, adquiriram o controle do jornal em abril de 1970. O passivo era gigantesco, maior do que imaginavam quando fecharam o negócio. Temendo perder as emissoras de rádio e TV, ofereceram o jornal a Breno Caldas, dono do Correio do Povo, por intermédio do publicitário Antônio Mafuz. O empresário concorrente fez pouco caso, acreditava que seria mais um periódico que fecharia as portas na cidade. Maurício, Jayme e Fernando Ernesto seguiram adiante, até transformarem ZH no mais importante jornal do Estado.
Os incêndios no prédio da TV e Rádio Gaúcha, em 1972, e na ZH, em 1973, testaram a resiliência do grupo de comunicação. Naqueles momentos críticos, assim como na morte de Maurício Sirotsky Sobrinho, em 24 de março de 1986, diretores e funcionários testemunharam o carinho e a solidariedade da comunidade.
O Grupo RBS, em 65 anos, criou rádios segmentadas, uma rede regional de TV, jornais e vive toda a expansão dos veículos no mundo digital. Nesse período, a RBS sempre foi a grande parceira da Rede Globo no sul do Brasil, tendo sido afiliada nesses anos todos, produzindo conteúdo local e ajudando a formar o modelo de funcionamento da TV brasileira. A partir de 1979, atuou com veículos multimídia em Santa Catarina. Em 2016, os veículos de SC foram vendidos.
Desde o seu início, em 1957, até hoje, a RBS sempre aperfeiçoou seus negócios, sendo uma empresa de comunicação familiar e profissional reconhecida por seus valores e princípios e pela qualidade de sua gestão. Pedro Sirotsky, hoje integrante do Conselho de Acionistas do Grupo RBS, vê no DNA da empresa os ensinamentos do pai, Maurício: simplicidade, respeito às pessoas e paixão pela comunicação.
— Tenho na imagem do fundador um exemplo. Não temos diferenças. As circunstâncias materiais e sociais existem, mas os seres humanos são os mesmos. Ele carregava isso todos os dias na conduta como homem, empresário e líder. A empresa é feita de pessoas — enfatiza.
Maurício Sirotsky Sobrinho cultivou na RBS a filosofia de "manter os olhos, os ouvidos e a imaginação abertos" à evolução da tecnologia, mas "sem nunca perder de vista a dimensão humana e o papel comunitário, cultural e de responsabilidade social". Com essas palavras, ele projetava o futuro e os cem anos da empresa, com o alerta de que "fazemos a história no dia a dia de nossas vidas". Depois da morte de Maurício, foi criada a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, responsável pelas ações sociais na empresa e que foi presidida, até 1996, por Ione Pacheco Sirotsky, viúva do fundador da RBS.
A mesma ousadia e resiliência dos anos iniciais aparecem hoje no dia a dia da empresa. Em julho de 2021, em meio à pandemia de coronavírus, que ceifou vidas, destruiu negócios e assombrou o mundo, o Grupo RBS tomou uma decisão: anunciou novo plano de investimento de R$ 70 milhões para acelerar a transformação digital, com modernização dos parques tecnológicos de rádio e TV. A covid-19 ainda não havia virado história, mas o surgimento da vacina, em 2020, fez sócios da empresa e seus executivos vislumbrarem novo ciclo de crescimento no horizonte. Claudio Toigo Filho, o primeiro CEO da empresa não pertencente às famílias proprietárias, lembra aquela iniciativa:
– Imaginamos que haveria um momento em que as coisas começariam a melhorar. Assumimos que continuaríamos investindo em nosso negócio.
Apesar dos impactos da pandemia, a RBS apresentou resultados positivos, fechando 2021 com lucro líquido de R$ 70 milhões em suas principais empresas de mídia. Ao completar 65 anos, o momento é de revitalização. Além dos investimentos em tecnologia, a RBS deseja continuar cada vez mais próxima da comunidade gaúcha e investir em iniciativas que vão ao encontro do desenvolvimento sustentável do Estado. Foi parceira, por exemplo, do Pacto Alegre e uma das fundadoras do Instituto Caldeira — movimento da sociedade organizada para promover inovação e desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Também se fez presente em grandes eventos, como Festa da Uva, Expodireto, Expointer, no aniversário de 250 anos da Capital, assim como nas Olimpíadas de Tóquio, sendo a Gaúcha a única rádio do Brasil licenciada para a competição. Em maio, o apoio à realização do South Summit, evento internacional de inovação, tornou-se um marco dessa reconexão.
— Acreditamos que o Estado tem uma oportunidade de ocupar um lugar melhor em termos de relevância econômica, segurança, educação e empregabilidade. A inovação é a forma mais nítida de trazer novas possibilidades — afirma Toigo.
Visão de futuro
Essa nova página da história da empresa, de alguma forma, está conectada com movimentos paralelos na governança e na organização societária da RBS. Em março de 2020, após passar 12 dias hospitalizado devido à covid-19, Nelson Pacheco Sirotsky, filho do fundador da RBS, tomou a decisão de reaproximar-se da empresa.
— Nunca vou abandonar a RBS — disse à família, após reflexões, enquanto lutava contra o coronavírus. — Não quero voltar como executivo, mas estar perto da empresa sempre foi uma característica da nossa família.
Nelson iniciou na RBS como auxiliar de escritório aos 17 anos, exerceu muitas outras funções e chegou a presidente aos 38, cargo que ocupou até 2012, quando se tornou presidente do Conselho de Administração. Havia se afastado das funções executivas em 2015. Agora, sentia que poderia ajudar, estando mais próximo.
Em dezembro de 2020, Nelson estava sentado em seu escritório em São Paulo, conversando sobre novos negócios. Com ele, estavam seu filho Mauricio Sirotsky Neto e o empresário Fernando Tornaim. Mauricio nasceu em 1985, quase um ano antes da morte do avô.
— Esse gurizinho vai dar bom — dissera o fundador da RBS, dois dias antes de morrer, conforme relato de Nelson em seu livro O Oitavo Dia.
— Levar o nome do meu avô nunca foi um peso. É um grande orgulho — afirma Mauricio Neto, hoje com 37 anos.
Depois de um MBA nos EUA, Mauricio voltou ao Brasil para trabalhar na e-Bricks, à época braço de desenvolvimento de negócios digitais do Grupo RBS em São Paulo.
Em 2015, quando Nelson se afastou das funções executivas da empresa e criou a Maromar, holding que tem com seus filhos Marina, Mauricio e Roberto e com a esposa, Nara, Mauricio passou a liderar a empresa de investimentos do pai.
Fernando Tornaim, o terceiro integrante da reunião em São Paulo, era antigo conhecido dos dois e da RBS. Empreendedor aos 18 anos, ele criou, em 2000, o Kzuka, primeira plataforma de comunicação jovem do Brasil. A iniciativa foi comprada pela RBS, e Tornaim permaneceu como executivo e sócio. Em 2012, ele saiu da empresa para criar a Tornak Holding, que soma participação em mais de 20 negócios, alguns deles em parceria com a RBS.
Como fruto da conversa, um possível modelo de reorganização societária da RBS foi encaminhado e inclui duas iniciativas: a criação da RBS Ventures, projeto de desenvolvimento de novos negócios a partir do RS, e o fortalecimento da sociedade na área de mídia, permitindo a entrada de investidores por meio da TKPar até o fim de 2024. Esse projeto foi desenvolvido em 2021 e implementado a partir de julho de 2022.
— Essa aliança com a TKPar Investimentos, liderada por Tornaim, representa a projeção e o fortalecimento da RBS no futuro, garantindo sua sustentabilidade, crescimento e preservando seus princípios e valores construídos ao longo dos seus 65 anos — prevê Nelson.
Tornaim se torna sócio da RBS desde já.
— Teremos um olhar especial para inovação, digitalização e criação de novas plataformas de conteúdo para nos aproximarmos de novos públicos — explica o empresário.
A governança da empresa também está sendo aprimorada com a criação de um Conselho de Representantes presidido por Gilberto Meiches, no qual Tornaim passou a ser vice-presidente. Mauricio, Nelson, Carlos Melzer, Luís Lima (representando Sônia Sirotsky e Pedro Sirotsky), Marcelo Damasceno Ferreira (representando o núcleo Jayme Sirotsky) e Juliano Pereira (representando a TKPar) passaram a fazer parte desse conselho. Geraldo Corrêa, filho de Fernando Ernesto Corrêa, representando sua família, também integra a gestão com sua participação no comitê de mídia da RBS. Nelson, além de estar no conselho, assumiu a posição não executiva de publisher da RBS, com responsabilidade de ser o guardião da linha editorial. Consolidando sua reaproximação, ele criou o Conselho Editorial, integrado por profissionais da empresa e convidados externos.
— Montamos um conselho formado predominantemente por pessoas de fora com capacitação para nos ajudar, muito mais para ouvirmos do que para defendermos posições. O objetivo é obter opiniões diferentes sobre o jornalismo que praticamos — explica Nelson.
Esses movimentos conectam passado, presente e futuro. A maioria dos membros da terceira geração das famílias proprietárias da RBS hoje tem vidas profissionais independentes, mas isso não significa que não sintam orgulho e paixão pela empresa fundada pelos antepassados. Eduardo Sirotsky Melzer, o Duda, neto primogênito de Maurício Sirotsky Sobrinho, trabalhou na empresa de 2004 a 2020, ocupando, inclusive, a posição de CEO, e hoje cuida de seus negócios na eB Capital:
— Vejo a RBS com o vigor de uma empresa de futuro, oferecendo prestação de serviços essencial à sociedade. Tenho muito orgulho de ter feito parte dessa história e sigo sempre conectado e vibrando com os avanços dessa empresa que é única: visão permanente de crescimento com valores e compromissos sólidos, formada por acionistas comprometidos e por um time muito competente.
Carlos Melzer, casado com Suzana e pai de Duda, trabalhou 50 anos na empresa do sogro. Hoje, é membro do Conselho de Representantes:
— Em 1971, fui convidado a me incorporar à RBS. Fui atraído pelos valores da empresa dinâmica, inovadora e arrojada. Mas, sobretudo, porque, embora empresa familiar, tinha um projeto de crescimento e de profissionalização. Projeto de que, com orgulho, fiz parte por décadas, acompanhando e contribuindo para o seu desenvolvimento, com gestão profissional e de olho no futuro.
Tanise Sirotsky Dvoskin Dutra, jornalista, neta de Maurício Sirotsky Sobrinho, trabalhou na RBS de 2003 a 2006.
— Tenho muito orgulho de ter escolhido o jornalismo que corria nas veias do meu avô. Que alegria ver que a RBS continua com sua visão local, e eu com o jornalismo no meu sangue. Está todo mundo confiante, acreditando em um novo começo para a empresa — afirma Tanise, integrante do Conselho de Acionistas.
Trata-se de um movimento de evolução, ao mesmo tempo em que preserva a essência, os valores e os compromissos históricos da RBS, segundo Jayme Sirotsky, presidente emérito da RBS e que estava ao lado de Maurício Sirotsky Sobrinho na construção da empresa:
— As gerações se sucederam: os fundadores foram sendo substituídos pela segunda e terceira geração. Agora, estamos em um momento novo: sem perder as raízes, mantemos relações societárias, com introdução de novas ideias. Há abertura para novas alternativas. Buscamos fazer isso da maneira mais sólida possível. Preservamos valores, culturas, mas a empresa se abre, outra vez, ao empreendedorismo desse mundo novo.
Tecnologia e inovação a serviço do Rio Grande
As mudanças na governança e o novo ciclo de investimentos do Grupo RBS inserem-se em um ambiente de transformação do Estado, na opinião de empresários ligados à tecnologia. Para José Renato Hopf, presidente do South Summit, o Rio Grande do Sul está em um momento de sinergia, que culminará na mudança da matriz produtiva para além do agronegócio e do setor metalmecânico, passando a incluir turismo e inovação.
— Grandes eventos de inovação globais, como o South Summit, conseguem ser catalisadores e ajudam a acelerar esse movimento — explica o CEO da 4all, empresa de tecnologia.
Zé Renato, como é conhecido, destaca que mais de 40 representantes de governos e da sociedade civil, entre eles da RBS, uniram-se para trazer o evento para a Capital, ou, em suas palavras, para que "a maré subisse":
— Quando a maré sobe, todos os barcos sobem junto. Fico muito feliz com esse movimento da RBS: uma volta às origens, mas com uma agenda moderna.
O presidente da Associação Riograndense de Propaganda (ARP), Fernando Silveira, comenta que a força empresarial da RBS vai além de seus veículos.
— A RBS tem um senso de organização que é exemplo para o mercado. Sempre procurou estar ao lado das boas causas. Para o setor publicitário, essa organização ajuda o mercado a manter sua profissionalização — avalia.
O publicitário salienta que colaboradores que deixaram a empresa carregam esse legado:
— Vejo a RBS sempre a partir da ideia: "Se vamos fazer alguma coisa, vamos fazer bem feito".
Ao longo de 65 anos, passaram pela empresa milhares de profissionais, que, hoje, estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo. O jornalista Roberto Kovalick, apresentador da TV Globo e ex-correspondente da emissora no Japão, foi um deles. Ele começou sua carreira na Rádio Gaúcha, em 1986, e, no ano seguinte, migrou para a RBS TV.
— Foi nesses dois lugares que aprendi a ser repórter. Exercito o que aprendi na RBS: prestar serviço, questionar autoridades, ser importante para a vida das pessoas. A RBS é importante para os gaúchos, e os gaúchos reconhecem isso — afirma.
A aposentada Vera Regina dos Santos Lopes, 62 anos, leva consigo os produtos da RBS ao longo das diferentes fases da vida. Nos últimos 26 anos, ela foi alterando o endereço da assinatura de ZH à medida que se mudava, de Alegrete a Porto Alegre. Vera começa o dia ouvindo Antonio Carlos Macedo, no programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha, e adormece com a voz de Viviana Fronza, no Estúdio Gaúcha, aos fones. Ao longo do dia, folheia ZH e fica atenta aos alertas de breaking news no aplicativo de GZH no smartphone.
— Não dá para confiar só na internet, há muita fake news — diz. — Por isso, consumimos notícias.
A aposentada, que mora em Portão, prefere o noticiário geral, enquanto o marido, Francisco, e os filhos acompanham o esporte, com as narrações de Pedro Ernesto Denardim.
— Entrei na RBS em 1973 — diz Pedro Ernesto, que destaca as mudanças tecnológicas ao longo da carreira. — A primeira vez em que usei celular foi na Copa de 1990, na Itália. São avanços pessoais e tecnológicos, porque hoje temos também GZH. E eu também estou lá — brinca o narrador, que, no Catar, cobrirá seu 12º Mundial.