"Será que a América Latina vai se tornar mais parecida com os Estados Unidos, ou os Estados Unidos vão se tornar a América Latina?". Com essa provocação, centrada no avanço do processo inflacionário mundial, o ex-secretário do Tesouro norte-americano (durante a gestão de Bill Cliton) Larry H. Summers começou a sua participação, nesta quinta-feira (4), no segundo e último dia do XP Expert — um festival de investimentos — promovido pela XP Inc., em São Paulo.
E conhecimento de causa não lhe falta. Economista com doutorado pela Universidade de Harvard, onde também foi reitor por cinco anos e presidente emérito, em duas décadas ainda exerceu as funções de economista-chefe do Banco Mundial e membro do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, na administração de Barack Obama.
Considerado um pensador influente da atualidade, para ele, não existe céu de brigadeiro no horizonte macroeconômico dos Estados Unidos e da Europa, razão pela qual antevê uma recessão mais longeva, com potencial de espraiar seus tentáculos por todo o planeta. Em linha com o que falam outros economistas de renome, afirma que o "pouso suave" — expressão utilizada pelo presidente do Banco Central norte-americano (o Fed), Jerome Powell, para definir a tentativa de controle da inflação sem desaquecer por completo a atividade — não passa de uma "vontade" dos atuais dirigentes da política monetária em seu país.
Isso poque, após quatro altas, os juros norte-americanos estão posicionados, agora, no intervalo entre 2,25% e 2,50% ao ano (próximo do que seria a chamada taxa neutra, ou seja, que não incentiva, mas também não freia a economia). A ideia seria barrar o descontrole do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês), que já acumulam alta de 9,1%, em 12 meses, e trazê-lo o para a meta de 2% ao ano.
Mas o que pensa Summers a respeito? Ele garante que haverá, sim, recessão. Crava período mínimo de 18 meses e diz que será necessário pesar a mão, além do que sustentam os atuais indicativos do Fed.
— Aterrissagem suave é o triunfo da esperança sobre a experiência, pois não há relatos na literatura de algo desse tipo. É muito fácil se comprometer com o que o Fed acredita que seria um sucesso, isto é, reduzir o CPI para 2% sem passar de 3,25% os juros e com desemprego abaixo de 4,1%. Essa é a dita recessão leve ou o pouso suave. Mas, se pensarmos que a recessão é parte de um processo de controle inflacionário, se vier maior, e virá, é preciso pisar mais firme no freio. Portanto, minha leitura é diferente e minha esperança é que o Fed faça o necessário para colocar o gênio da inflação na garrafa por mais 40 anos — argumenta.
Se pensarmos que a recessão é parte de um processo de controle inflacionário, se vier maior, e virá, é preciso pisar mais firme no freio. Portanto, minha leitura é diferente e minha esperança é que o Fed faça o necessário para colocar o gênio da inflação na garrafa por mais 40 anos.
LARRY H. SUMMERS
Ex-secretário do Tesouro norte-americano
O ex-secretário do Tesouro ainda afirma que errar a estratégia, neste momento, seria equivalente a "não tomar antibióticos pelo tempo exato prescrito". Outro equívoco apontado por ele é olhar para o descontrole de preços com base em cada produto em separado (comodities, petróleo, grãos, etc).
Como exemplo, cita a escassez de semicondutores, que, entre outros segmentos, atingiu em cheio a tradicional indústria automobilística dos Estados Unidos. O resultado: a produção anual caiu de 17 milhões de unidades, na média, para 12 milhões de veículos, diz. Algumas consequências: preços elevados no mercado de usados, mais dinheiro gasto em outros itens e o Produto Interno Bruto (PIB) em queda anualizada de 0,9% no primeiro trimestre, comenta.
— Tem muita coisa acontecendo. Quando se analisa produto por produto, se enlouquece. E como uma pessoa que se levanta em um jogo de futebol para ter a melhor visão e obriga todos os demais a fazer o mesmo para que, no fim das contas, ninguém mais veja a partida. É preciso olhar o todo — orienta.
O futuro da América Latina
Ao buscar o DNA do processo inflacionário, Larry H. Summers critica a política nacionalista do ex-presidente Donald Trump e afirma que o maior de todos os erros é não admitir que "criamos um problema inflacionário". Lembra que o processo enfrentado pelo primeiro mundo, no momento, faz parte da história recente dos países latino-americanos e, quase sempre, está ligado a uma variação de "descaminhos das políticas monetárias" de seus respectivos países.
Questionado sobre o futuro do Brasil como opção de mercado emergente para investimentos, lembra que o país obteve o maior crescimento do mundo durante um século (1880 a 1980). Segundo ele, o fato comprova a qualidade das pessoas, as riquezas e o potencial econômico. No entanto, acrescenta que um novo processo de expansão desta natureza não decorreria de "uma convergência natural", pelo contrário, dependeria de alguns aspectos.
— Essa pergunta deveria ser sobre política econômica. Será que a sociedade brasileira vai conseguir se impor e dar educação decente às crianças? Será que os governos vão reduzir o seu peso para que as boas empresas consigam atrair e capital de investimento? Será que terão instituições públicas confiáveis? Tudo que fizerem para tornar a sua democracia um instrumento para o povo e pelo povo vai ser muito importante. Mas a grande pergunta que gostaria de deixar é: será que a América Latina vai se parecer mais com a América do Norte ou vice-versa? — pontua.