A indústria calçadista do Rio Grande do Sul vive o melhor momento nas exportações nos últimos 11 anos. Nos dois primeiros meses de 2022, o setor gerou a maior receita com a venda de produtos para o Exterior em um primeiro bimestre desde 2011. As exportações do segmento calçadista cresceram 76% no primeiro bimestre ante o mesmo período de 2021, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
O Estado foi o maior exportador do país no período. As vendas internacionais são o principal motor do setor na retomada em um cenário onde a demanda interna não consegue tração diante de economia instável.
O setor gerou receita de US$ 91 milhões em exportações no período no Estado, maior valor desde 2011, quando anotou US$ 124,2 milhões. No ano passado, esse total ficou em US$ 51,8 milhões.
Dólar alto e demanda maior por parte de alguns mercados diante de entraves comerciais em algumas regiões, como a Ásia, são alguns dos fatores que ajudam a explicar essa guinada, segundo especialistas.
O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, afirma que o dólar, mesmo com movimento de recuo nos últimos meses, segue entre os principais fatores que explicam esse bom momento do setor. Além do câmbio favorável, a guerra comercial entre Estados Unidos e China também favorece as exportações brasileiras, segundo Ferreira. Isso ocorre porque o mercado americano migra suas importações de calçados da China para o Brasil diante dessa tensão comercial.
— Isso continua em um outro tom, mas favorece a busca por outros fornecedores — pontua o dirigente.
Ferreira destaca que os efeitos da pandemia também fizeram com que os mercados internacionais, principalmente o americano, optassem por diversificar a busca por fornecedores para diminuir a dependência de um único local.
Especialista no setor e professor da Unisinos, o economista Marcos Lélis afirma que os preços dos fretes internacionais também ajudam a impulsionar as vendas externas do setor calçadista:
— Tem a questão logística. O frete marítimo aumentou muito. Aí o Brasil tem um ganho, porque tem a proximidade logística com alguns países importadores.
O bom desempenho do ramo ocorre na esteira dos números de exportações da indústria no Estado. Pesquisa da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), divulgada na semana passada, mostra que as exportações da indústria de transformação acumularam US$ 2,4 bilhões no primeiro bimestre deste ano, valor 39,8% do que o registrado no mesmo período do ano passado. Em fevereiro, o setor anotou US$ 1,2 bilhão em vendas externas. O segmento de couro e calçados foi um dos destaques no mês, com o quinto melhor desempenho.
O analista Marcos Lélis destaca que as exportações são a válvula de escape do segmento neste momento de retomada. Por outro lado, o mercado interno brasileiro ainda sofre com a demanda desaquecida, segundo o economista.
Projeções da Abicalçados corroboram essa avaliação. A entidade estima que o setor vai fechar 2022 com crescimento de 2,5% a 3% na produção geral no país, mas seguirá 11% abaixo do patamar pré-pandemia em razão do tombo em 2020. Reversão desse cenário só deverá ocorrer diante de demanda interna mais aquecida, segundo a entidade.
Cenário para os próximos meses
O presidente-executivo da Abicalçados afirma que a tendência para os próximos meses é de continuidade de desempenho melhor nas exportações. Os efeitos da guerra na Ucrânia neste momento são incertos e podem ocorrer no âmbito de desaceleração da demanda por parte dos compradores, segundo o dirigente.
— Os dois países que estão em guerra não são grandes importadores de calçados. Mas a Europa consome a nossa exportação. Se enfraquecer esse consumo, vai refletir aqui — afirma Ferreira.
Lélis concorda com a avaliação de que o mercado de calçados seguirá mais pujante nas vendas externas. Como os contratos costumam ser fechados por períodos, os efeitos da tensão no leste europeu não seriam imediatos, segundo o especialista. Já no consumo interno, a situação será mais difícil diante de alguns problemas, como inflação e juro altos e queda da renda da população, segundo o especialista.
— Vai sobrando cada vez menos renda das pessoas para esse tipo de bem. E o setor de calçados cai nisso. Cada vez mais a população está gastando o seu salário, a sua renda com bens essenciais e tá sobrando menos — pontua Lélis.
Mercado de trabalho
Outro termômetro que reforça o bom momento da indústria calçadista no Rio Grande do Sul é a geração de empregos. Além de aumentar em 76% a receita de exportações no primeiro bimestre, o setor foi destaque no mercado de trabalho em janeiro. O segmento abriu 1,9 mil vagas com carteira assinada no Estado em janeiro e ocupou o melhor lugar dentro da indústria de transformação, destaque no saldo entre contratações e demissões no mês. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Previdência.
— O setor no Estado está crescendo, contratações estão acontecendo. Teve a inauguração de mais uma filial de indústria em Candelária. Então, é bastante positivo esse início de ano — afirma o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.
O presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Calçado e do Vestuário do Rio Grande do Sul (Feticvergs), João Nadir Pires, também afirma que a geração de empregos no setor está aquecida no Estado. Dentro desse contexto, Pires afirma que existe uma disputa entre as indústrias na busca por mão de obra qualificada.
— Tem uma disputa saudável das empresas tirando os funcionários umas das outras. Tem até mesmo algumas regiões proporcionando aumentos espontâneos para os empregados. Para o trabalhador isso é bom — afirma Pires.
Nos vales do Sinos, do Paranhana, do Taquari e do Caí, principais polos da indústria no Estado, há vagas no setor e disputa por profissionais, segundo o presidente da Feticvergs. Pires destaca que junto desse movimento também ocorre uma busca maior por especialização na área.
O crescimento de postos abertos em janeiro ocorre após retração acentuada em dezembro, mas ainda é menor do que o volume registrado em janeiro do ano passado. O presidente-executivo da Abicalçados afirma que os números do primeiro mês do ano são bons e confirmam a retomada do setor.
Ferreira explica que o saldo é menor em relação ao ano anterior, porque 2021 marcou o início de uma recuperação do setor após tombo em 2020 diante dos efeitos da pandemia. Em relação às quedas de novembro e dezembro, o dirigente disse que esse movimento é sazonal, com desmobilização no setor nesse período do ano.