Após engatar quatro trimestres de recuperação a passos lentos, o rendimento médio dos mais pobres voltou a cair na região metropolitana de Porto Alegre. A renda média do trabalho das pessoas 40% mais pobres recuou 4,85% no terceiro trimestre de 2021 ante os três meses imediatamente anteriores. Com a redução, o valor recebido por essas pessoas diminuiu de R$244,67 para R$232,80. Ou seja, trabalhadores com reduzido poder aquisitivo estão ganhando menos, o que aumenta a desigualdade na região. Inflação persistente e retomada econômica deficiente ajudam a explicar esse movimento, segundo especialistas.
Na comparação com o terceiro trimestre de 2020, a renda média desse grupo cresceu 25,86%. No entanto, o montante segue 19,59% abaixo do valor verificado no primeiro trimestre de 2020, período sem os maiores efeitos da pandemia de coronavírus.
Os dados fazem parte do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, desenvolvido por Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), Observatório das Metrópoles e Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). A pesquisa usa as informações mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) Trimestral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS André Salata, um dos coordenadores do boletim, afirma que a inflação em patamares mais elevados corrói a renda dos mais pobres, um dos grupos mais afetados. Em 2021, a alta dos preços deu uma guinada, principalmente na segunda metade do ano. Junto da inflação, a retomada frágil da atividade econômica é um dos fatores com maior peso na redução da renda média da população mais vulnerável, segundo Salata:
— Do segundo trimestre do ano passado para o terceiro, o PIB do Rio Grande do Sul, inclusive, chegou a cair. Isso é um indicador de que a atividade econômica deu uma refreada nesse período. Ou seja, a recuperação da atividade econômica não está sendo capaz de se sobrepor a esse custo colocado pela inflação. Não é forte o suficiente para compensar essa perda do poder de compra.
O economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Ely José de Mattos destaca que a retomada do emprego observada nos últimos meses também sofre os efeitos desse cenário econômico frágil. Com a recuperação a passos lentos, o aumento da ocupação e a queda da desocupação estão baseadas em vagas com salários menores e de emprego informal, de acordo com a avaliação do especialista.
— Mais do que lenta, essa retomada é desbalanceada. A gente tem uma recuperação do emprego com rendas menores e a informalidade aumentou. Estamos contratando mais pessoas com menos renda — exemplifica Mattos.
Nas outras duas classes abordadas no estudo, os 50% intermediários recuperaram patamar de renda observado no primeiro trimestre de 2020. Já o grupo dos 10% mais ricos encostou nos valores (veja mais abaixo). Esse cenário em que os mais pobres caminham em ritmo mais lento na busca por recuperação da renda aumenta a desigualdade. O boletim mostra que o coeficiente de Gini subiu de cerca de 0,600 para 0,607 entre o segundo e o terceiro trimestre de 2021 após períodos com quedas. Esse indicador mede a desigualdade em escala de zero a um. Quanto mais próximo de zero, maior o nível de igualdade na área pesquisada. Quanto mais perto de um, maior a diferença nos ganhos na sociedade.
— Nesse último trimestre, a renda dos mais pobres volta a cair, enquanto a renda dos que estão mais acima não cai. Inclusive, ela chega a subir um pouco. O resultado disso é que a desigualdade aumenta. A distância entre quem está em cima e quem está embaixo aumenta — explica Salata.
Perspectiva
Mattos afirma que é difícil estimar como será a dinâmica da renda dos trabalhadores em 2022, mas pondera que a inflação deve seguir incomodando. Segundo o especialista, existem dois cenários nesse sentido. O primeiro e mais provável é o de salários sem aumento, o que achata o poder de compra das pessoas. O segundo é de um processo mais generalizado de reposições salariais represadas, que poderia respingar na inflação.
— Ainda vai ser um ano difícil para as classes com menos renda porque a retomada vai continuar focada em salários baixos e vai depender muito da dinâmica da economia como um todo, inclusive de resultados globais — analisa.
O professor Salata destaca que a recuperação da renda dos mais pobres passa por retomada consistente da economia e controle da inflação.
— A gente sabe que essa equação é sempre difícil porque a própria recuperação da economia tende a gerar inflação. Então, esse é o desafio. Como conjugar as duas coisas. Uma recuperação mais forte da economia e o controle inflacionário — pontua.