Uma pesquisa sobre endividamento feita em Porto Alegre mostra que, em janeiro, a proporção de famílias com algum tipo de débito superou a marca anterior registrada no final do ano passado e atingiu novo recorde da série histórica, iniciada em 2010.
O levantamento, divulgado pela Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio/RS), mostra que a proporção de pessoas com contas em aberto subiu 20 pontos percentuais em apenas um ano e chegou a 91,9%. A inadimplência, considerada um importante indicador da saúde da economia por especialistas, também segue tendência de alta e atinge praticamente três em cada 10 entrevistados. A combinação entre inflação, juros elevados e desemprego é apontada por economistas como a razão do fenômeno.
A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência dos Consumidores Gaúchos (PEIC-RS) faz parte de uma iniciativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que apura esses indicadores em todo o país. Nesse contexto, é considerada um termômetro de todo o Estado, mas, na prática, foram consultadas cerca de 600 famílias que vivem apenas em Porto Alegre.
Economista-chefe da Fecomércio/RS, Patrícia Palermo lembra que nem todo endividamento deve ser considerado algo negativo, mas destaca a importância de monitorar sua evolução.
— Nesse conceito se enquadram compras feitas no cartão de crédito, um financiamento para comprar um carro ou uma casa, não é necessariamente algo ruim. Mas vemos que esse nível de endividamento tem crescido muito rapidamente nos últimos meses, o que gera um alerta para a inadimplência — observa Patrícia.
A proporção de pessoas que não conseguem pagar suas contas no prazo segue tendência de aumento desde julho do ano passado. Nesse período, saltou de cerca de 20% para 29% de todos os entrevistados (ou 31,6% entre aqueles que têm algum débito). A situação é mais complicada entre aqueles que ganham até 10 salários mínimos ao mês, faixa em que a cifra chega a 34,9%.
Economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcelo Portugal lembra que o salto das taxas de juros costuma estar diretamente ligado ao atraso na quitação de débitos porque aumenta a conta a ser paga.
— Em apenas um ano, a taxa básica foi de cerca de 2% para quase 11% ao ano. Ao mesmo tempo, a inflação vem sendo muito forte. Entre pagar a conta de luz ou um financiamento, muitas pessoas optam por pagar a conta de luz — exemplifica Portugal.
Economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-Porto Alegre), Oscar Frank lembra que a inadimplência havia apresentado queda em 2020 em razão de fatores ligados à pandemia, como o pagamento de auxílio emergencial, a ampliação de períodos de carência e a postura mais conservadora de muitas pessoas diante de um cenário de incertezas. Agora, Frank não vê sinais de uma melhora significativa no curto prazo:
— O ciclo de aumento dos juros ainda não terminou, e a inflação deve seguir incomodando até o segundo semestre, pelo menos. Não acredito que vá haver uma explosão de inadimplência em 2022, mas, certamente, acendeu um sinal de alerta.
Maioria das famílias pretende pagar dívidas vencidas em até 30 dias
Se, por um lado, o nível de endividamento atingiu o patamar mais alto da pesquisa divulgada mensalmente pela Fecomércio/RS, o percentual de famílias consultadas que dizem não ter condições de pagar as suas dívidas vencidas atingiu o grau mais baixo desde o início do levantamento – somente 2,1% de todos os entrevistados admitiram que não vão conseguir quitar faturas em atraso.
Ou seja, mesmo mais endividados, os moradores da Capital jamais demonstraram tanta certeza de que vão conseguir quitar essas contas no mês seguinte. A economista-chefe da Fecomércio, Patrícia Palermo, diz que esse fenômeno, aparentemente contraditório, faz sentido porque em situações de crise é ainda mais importante manter aberta a possibilidade de acesso a mais crédito:
— Quando se pensa em um cenário econômico como o atual, ficar sem crédito é ainda pior do que deixar de pagar as dívidas. O pagamento possibilita, inclusive, continuar consumindo.
O levantamento mostra que a grande maioria dos débitos (90,8%) é de faturas de cartão de crédito, seguidas por carnês, com 55% das respostas. O terceiro item mais frequente é o financiamento do carro, com 28%.