Uma pesquisa feita por um professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) concluiu que, ao contrário do que foi popularizado, o horário de verão não trouxe economia no consumo de energia no Brasil. Segundo Valny Giacomelli Sobrinho, do Departamento de Economia e Relações Internacionais da instituição, responsável pelo estudo, a medida pode ter até mesmo aumentado a demanda, provocada nos últimos anos por uma mudança no perfil de consumo no país.
A pesquisa é de 2018, e foi divulgada recentemente em uma revista científica internacional. Ela estará na edição de abril da Energy for Sustainable Development.
Conforme Sobrinho, a motivação dele pela pesquisa se deu por conta da defasagem dos dados divulgados, ano a ano, quanto ao porcentual a ser reduzido nas contas de luz. A divulgação sempre tratava de uma “economia média de 4 a 4,5%”, mas sem nenhuma fonte recente. Foi a busca por essa atualização que originou o estudo.
— Eu procurei insistentemente, tediosamente, por fontes oficiais que explicassem a porcentagem divulgada, mas não se tem uma formulação que defina, para os anos recentes, o motivo dos 4%.
Sobrinho explica que o consumo da eletricidade mudou radicalmente na virada dos anos 2000 – quando o ponto principal deixou de ser a iluminação, por conta das lâmpadas econômicas, e passou a ser a refrigeração, à medida que os brasileiros foram tendo mais acesso aos aparelhos de ar condicionado. Como o horário de verão estendia o dia para poder acender as luzes cada vez mais tarde, já era perceptível que a porcentagem não poderia ser a mesma divulgada nos anos 80. Mas o professor acredita, que se essa fosse uma lógica correta, ela poderia ser aplicada o ano todo.
Sobrinho levanta também outras questões que corroboram o estudo, como a inclusão e exclusão, ao longo do tempo, de estados da região Norte e Nordeste – que, pela proximidade com a linha do Equador, não seriam beneficiados com o horário de verão. Lembra ainda que o foco da economia vendida pela mudança dos horários era a residencial, sendo que no Brasil o maior consumidor de energia elétrica é o setor industrial – que, entre seus gastos, o com a iluminação não é significativo.
Com essa mudança efetiva do perfil de consumo - saindo de iluminação e passando para refrigeração, somado a diferença de gastos entre os dois -, o resultado do estudo sinaliza que houve um prejuízo financeiro. Porém, como não houve, no período apurado, algum ano sem horário de verão, o professor afirma que não foi possível calcular o prejuízo real no país. Com o fim do horário de verão na prática, o professor acredita que seja possível fazer, nos próximos anos, um novo estudo, desta vez com a comparação numérica entre períodos com e sem a mudança nos relógios.
A pesquisa usou dados obtidos entre 2006 e 2017 do Anuário de Energia Elétrica, do Ministério de Minas e Energia, relacionadas às regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste.
Para fazer a pesquisa, efetivamente, o professor usou o índice de economia amplamente conhecido, de 4%, e o comparou com uma possibilidade ideal, onde se teria o maior consumo pelo menor custo. Neste plano, a redução no consumo chegaria a 12,5% por ano - três vezes mais que a já defasada projeção para o horário de verão. Na comparação, o cenário real, se houvesse mesmo a economia de 4%, traria uma redução apenas de 5 bilhões de euros (R$ 29,2 bi) no gasto com energia. Em contrapartida, o cenário ideal traria redução de mais de cerca de três vezes mais.
O valor é calculado na moeda europeia em razão do norte da economia ser o Acordo de Paris, firmado em 2015, que visa reduzir emissões de carbono para evitar as consequências do aquecimento global. Um dos modos dessa redução é a economia de energia elétrica de fontes fósseis.
Prejuízos com tratamentos médicos
Sobrinho encontrou, durante sua pesquisa, estudos de outros pesquisadores que tratam de consequências trazidas pelo horário de verão. Alguns dos exemplos são problemas de sono por conta da mudança de iluminação natural; a criação de uma espécie de um falso “jet lag”, devido a mudança brusca de horário, sem passagem efetiva do tempo; além de problemas cardíacos, enxaquecas, ansiedade e até Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Segundo o professor, a mudança do horário pode inclusive afetar o mercado de ações. Conforme referências bibliográficas encontradas por ele, os investidores mudavam bruscamente seu comportamento – seja com uma aversão exagerada a riscos ou a indiferença a ele – logo após as mudanças por conta do horário de verão.
Energia limpa
Ainda segundo o estudo de Sobrinho, o Brasil pode melhorar sua matriz energética. O principal objetivo, segundo ele, deve ser a redução nas emissões de carbono. Como ainda há muitas fontes fósseis de geração de energia, seria necessária uma reorganização do uso e distribuição de energia elétrica no país, além da busca por outras fontes de energia.
O professor explica que, mesmo com as energias renováveis trazendo economia, não é possível torná-las as únicas fontes por conta de sua intermitência.
— Temos a energia eólica que é importante, mas em um dia sem vento não podemos contar com ela para uma grande região, por exemplo. A energia solar também tem sido vista como solução, mas uma grande indústria não pode parar por conta de períodos chuvosos ou de muita nebulosidade.
Além do que, segundo o professor, estas fontes de energia tem a característica de não serem estocáveis por muito tempo – como a da água e a do carvão, por exemplo. Sobrinho explica uma alternativa renovável, válida e que já vem sendo usada: a biomassa, com a queima de resíduos orgânicos a partir das atividades de produção agrícola.