O cerco da inflação aperta cada vez mais o bolso dos trabalhadores gaúchos. Em outubro, pela primeira vez no ano, o boletim Salariômetro, da Fipe, apontou que, por aqui, o reajuste salarial mediano ficou -0,8% abaixo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – o principal balizador das negociações entre patrões e empregados no país.
Apesar do ingresso no campo negativo mensal, no acumulado do ano, o Estado ainda contraria a lógica verificada no restante do país e registra reposição ou ganho real nos salários em 66,7% dos acordos e convenções. Nos últimos 10 meses, nas negociações de 42 atividades econômicas, em 33,3% os índices obtidos pelos funcionários não atingiram o INPC, que já exibe alta de 11,08% em 12 meses.
Isso significa que no Rio Grande do Sul a maioria das categorias com tratativas no período conseguiu ao menos a devolução das perdas (45,2%) inflacionárias. Já para 21,5% delas, os resultados foram ganhos reais, mesmo que bastante modestos. Em nenhum dos casos o percentual chegou a um ponto no reajuste mediano, segundo o levantamento da Fipe.
Por outro lado, a análise dos dados nacionais aprofunda a deterioração dos salários, mediante a escalada da inflação. Em 50 setores profissionais, apenas 13 não tiveram perdas – somente dois apuraram ganho real (4%) e outros 11 (22%) empataram com a inflação. Ou seja, 74% dos segmentos no Brasil deixaram as mesas de negociação com reposições menores do que o INPC nos últimos 10 meses.
— É uma situação muito delicada. Nesse cenário, o que costuma acontecer é que os dois lados acabam retirando a ênfase do reajuste para garantir um compromisso maior, que é a manutenção do emprego — avalia o professor sênior da FEA/USP e coordenador do Salariômetro da Fipe, Hélio Zylberstajn.
Cenário desanimador
Para o economista, o panorama, marcado por recessão e desemprego, traz novos elementos para uma equação “pouco animadora”. Isso coloca os trabalhadores em “situação desfavorável”, sem poder de barganha, e as empresas em condição de “descompasso financeiro”, sem margens.
— Os funcionários estão no pior dos mundos e não têm força para exigir aumentos mais significativos. Por outro lado, com a inflação em dois dígitos, a empresa não consegue oferecer reajustes porque não tem como repassar para os preços — complementa.
Reajustes estão abaixo da inflação, menos frequentes, mais parcelados, aplicados a tetos menores e para menos gente
HÉLIO ZYLBERSTAJN
Professor sênior da FEA/USP e coordenador do Salariômetro da Fipe
Zylberstajn chama atenção para outro aspecto que contribui para corroer ainda mais o poder salarial dos brasileiros. Trata-se da diminuição da incidência de negociações. Segundo ele, esse é um fator “inusitado” e denota que as mesas de tratativa, atualmente, discutem outros pontos da vida laboral, que não o salário.
Deste modo, comenta, a proporção de parcelamentos nos reajustes, inclusive os abaixo da inflação, também sobe no acumulado do ano. Há ainda os casos em que a empresa aplica o novo índice até determinado valor. Agora, explica Zylberstajn, o chamado teto também diminuiu:
— Reajustes estão abaixo da inflação, menos frequentes, mais parcelados, aplicados a tetos menores e para menos gente.
Reajustes menores e parcelados
A corrosão dos salários não gera problemas para as empresas apenas no momento de sentar à mesa para negociar. É que a impossibilidade de devolver as perdas inflacionárias já é um efeito da pressão dos custos sobre a produção. Economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank explica que a situação amplia a instabilidade financeira e pesa negativamente para a atividade econômica.
Com relação à inflação, vamos perceber desaceleração somente no segundo semestre do ano que vem. Ainda assim, em patamares elevados. E, neste contexto, menos crescimento deverá gerar a permanência de uma taxa de desemprego mais alta e, por consequência, menor dinâmica de salários e redução do poder de compra
OSCAR FRANK
Economista-chefe da CDL Porto Alegre
Da porta para fora, no comércio, por exemplo, existem três vetores que modelam a dinâmica de consumo: crédito, confiança e renda real. O terceiro é profundamente influenciado pelos salários e, em situação de deterioração generalizada, como a atual, esse fator tende a “erguer mais uma barreira” para a retomada de uma constância econômica no país.
— Precisamos entender o comportamento da inflação e do mercado de trabalho. Com relação à inflação, vamos perceber desaceleração somente no segundo semestre do ano que vem. Ainda assim, em patamares elevados. E, neste contexto, menos crescimento deverá gerar a permanência de uma taxa de desemprego mais alta e, por consequência, menor dinâmica de salários e redução do poder de compra — diz Frank.
A mesma lógica é aplicada à indústria. Guilherme Scozziero Neto, coordenador do Conselho de Relações do Trabalho (Contrab) da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), afirma que o cenário é preocupante. O indicativo de que os sindicatos estão aceitando índices menores revela, segundo ele, o desaquecimento da mão de obra.
Neto entende que não é possível vislumbrar mudanças na concessão de reajustes nas próximas negociações setoriais. Para o dirigente, os salários são um reflexo do mercado e, quando reduzem, refletem que o ganho real é fruto do aquecimento da economia e da produtividade, do contrário, também geram efeitos inflacionários.