A criação de um programa de renda mínima para famílias com crianças, as perdas econômicas em lares de periferia e o déficit de aprendizagem dos jovens no período de aulas remotas nas escolas públicas foram alguns dos principais temas debatidos no seminário “O RS pós-pandemia”, realizado pela Assembleia Legislativa, em Porto Alegre, na noite desta quinta-feira (12). Na quarta edição do evento, o tema central do painel foi “Como enfrentar a desigualdade social agravada pela pandemia?”
Atuando como mediador a partir do Teatro Dante Barone, o deputado estadual Gabriel Souza (MDB), presidente da Assembleia, ressaltou na abertura o estrago econômico causado pelo coronavírus sobretudo entre a população mais vulnerável.
— A pandemia de covid-19 expôs, alimentou e agravou as desigualdades econômicas e sociais. Para termos uma ideia do impacto da crise, em 2020, 71 milhões de pessoas chegaram à extrema pobreza, revertendo importantes ganhos ocorridos nas últimas décadas — refletiu Souza.
Primeiro painelista, Pedro Fernando Nery, doutor em economia e consultor legislativo do Senado para questões relacionadas a trabalho e renda, destacou que a pandemia “provocou queda de ocupação muito grande na população mais pobre”. Além disso, o auxílio emergencial proporcionou renda periódica, sendo interrompido e, depois, retomado com valor reduzido. Milhares das camadas pobres não puderam receber o socorro por problemas burocráticos, como endereços sobrepostos com vizinhos ou pelo fato de não terem internet ou conta bancária, o que foi salientado por outro palestrante, Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Data Favela, responsável por fazer pesquisas em regiões periféricas.
Nery citou que países desenvolvidos investem mais em redução das desigualdades sociais do que o Brasil, citando diretamente os casos da Finlândia e da França. Projetando o futuro, o economista diz que o melhor retorno do investimento feito pelo Estado em políticas públicas poderá se dar através da aplicação de recursos nas famílias com crianças.
— Está amadurecendo no Brasil a ideia de um benefício universal infantil. Seria para todas as famílias, de forma universal, ou semi universal, excluindo apenas as famílias ricas. Esse tipo de política tem potencial muito grande para combater e quebrar o ciclo estrutural da pobreza, com uma criança estimulada, com brinquedos, alimentação, lar menos estressante, desenvolvendo habilidades cognitivas. Isso desenvolve potencial humano e ela vai prosperar mais no futuro — disse Nery.
Pela teoria do economista, o repasse de um benefício do Estado — provavelmente em dinheiro — para as famílias com crianças vai ajudar a formar adultos mais capacitados no futuro. Quando maduros, irão devolver o investimento público com mais conhecimento, capacidade de trabalho e impostos, entende o economista. Ele ainda defendeu a ideia de a política ser universal ou semi universal, e não somente para os economicamente vulneráveis.
— A vantagem é evitar estigmas. Você pode criar uma coalizão mais favorável à manutenção desse tipo de política — avaliou.
Sobre aportar recursos diretamente nas famílias com crianças, Nery justificou seu raciocínio alertando para a política tributária do Brasil.
— Se essa ideia te parece absurda, os mais ricos já têm esse benefício nas famílias que declaram o imposto de renda e podem deduzir os dependentes do seu tributo. Nós não gastamos nem 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) com Bolsa Família. Há países que gastam 2% do PIB em famílias com crianças — disse o economista.
Também painelista, o economista e professor do Insper Ricardo Paes de Barros abordou o déficit de aprendizagem causado pela pandemia entre alunos da rede pública, sobretudo no período de aulas remotas, em 2020.
Barros apresentou cálculos estimados sobre a perda de proficiência a partir do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Por conta do tempo menor de aula, do fechamento de escolas e das dificuldades de conexão na pandemia, a estimativa foi de que os alunos do Rio Grande do Sul perderam 10 pontos na escala Saeb — utilizada por pesquisadores em educação — em língua portuguesa no ano passado. A sua apresentação classificou as consequências da perda de 10 pontos na escala Saeb como “imensas”. Ele apresentou um cálculo sobre o que a queda significa, aplicando esse recuo médio de aprendizado para 35 milhões de jovens que frequentam a educação pública fundamental e média no Brasil.
— Em virtude da pandemia, cada um desses jovens brasileiros perdeu R$ 21 mil que ganharia ao longo da vida (em consequência da queda de 10 pontos na escala Saeb). Essa perda atinge 35 milhões de jovens — afirmou Barros, em uma conta que impressionou os presentes no debate por somar a cifra de R$ 750 bilhões em riquezas que podem deixar de ser geradas pelas futuras gerações.
Ele avaliou que, para recuperar a aprendizagem e reverter ou atenuar as perdas, é preciso dobrar o engajamento dos jovens com a escola, retomar as aulas ao menos em sistema híbrido e adotar um sistema de recuperação.
— Essa perda é recuperável, mas é difícil. Se fizermos um quarto ano opcional para jovens que estão no Ensino Médio, com uma bolsa, quem sabe? O conhecimento é recuperável, não é como a vida — disse Barros.
Também debatedor, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), foi enfático ao dizer que, no tema da educação, irá comprar vagas na rede privada para atender populações que necessitam de apoio do poder público para ter os filhos na creche ou na escola.
Após o debate, a Assembleia ainda deverá fazer pesquisas de opinião com a sociedade, com o apoio de um instituto contratado, para ouvir demandas da população relacionadas às desigualdades sociais. Depois, com todo o material reunido, tanto pelos apontamentos dos painelistas quanto pelas demandas populares, irá formular sugestões de políticas públicas a serem adotadas pelo governo estadual.
Edições anteriores
O debate desta quinta-feira foi o quarto do seminário “O RS pós-pandemia”, promovido pela Assembleia Legislativa. Nas edições anteriores, estiveram em debate o impacto das vacinas na economia, o futuro da educação e a saúde pública. Em todas as etapas, o programa prevê um debate com especialistas para a identificação de problemas e discussão de soluções. Depois, um instituto de opinião contratado pela Assembleia faz pesquisa junto à população para mapear novas demandas da sociedade, buscando verificar se elas se enquadram nos diagnósticos feitos nos seminários.
Por fim, com as informações recolhidas, a Assembleia encaminha ao governo estadual demandas formais de políticas públicas para a resolução dos gargalos identificados no processo.
— Na saúde, já demandamos políticas para a fila de pacientes não covid. Há carência de exames, diagnósticos, procedimentos terapêuticos e cirurgias eletivas que ficaram represadas por conta da pandemia. Também apontamos necessidade de atenção com a saúde mental dos pacientes covid que ficaram com sequelas — diz o deputado estadual Gabriel Souza (MDB), presidente da Assembleia.
Ele afirma que votar projetos é atividade final do Legislativo, mas avalia que o Parlamento, em momento de complexa transformação na cidadania, também pode ser ativo e propositivo nos debates de temas relevantes.
— Não estamos nos limitando a votar, mas tentando entender quais são as principais demandas da sociedade gaúcha, os efeitos da pandemia, suas mazelas e mudanças que causou no comportamento humano. E não estamos fazendo isso com base em achismos. Estamos debatendo com renomados especialistas e estudiosos do Brasil — afirma Souza.