As novas parcelas do auxílio emergencial criaram um impasse para o presidente Jair Bolsonaro e passaram a ser questionadas por técnicos dentro e fora do Congresso. Fontes ouvidas pela reportagem contestam a viabilidade de o Executivo abrir um crédito extraordinário para ampliar o benefício sem o aval do Legislativo e fora do teto de gastos, após ter sido limitado, em março, a gastar R$ 44 bilhões com o programa neste ano.
O imbróglio está na necessidade de o governo provar que a nova despesa é imprevisível e urgente, como exige a Constituição para esse tipo de liberação.
Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, assinaram na segunda-feira (5) uma medida provisória abrindo crédito extraordinário de R$ 20,3 bilhões para pagamento e operacionalização da prorrogação do auxílio até outubro. A liberação passa a valer assim que é publicada e o dinheiro pode ser gasto antes de votação no Congresso.
O governo já reservou no Orçamento (empenhou, no termo técnico) R$ 42,6 bilhões do auxílio emergencial em 2021, dos quais R$ 26,5 bilhões foram efetivamente pagos até terça-feira. Parecer do Ministério da Cidadania indica que ainda existem R$ 7,9 bilhões do valor autorizado pela PEC Emergencial. Com esse valor mais os novos R$ 20 bilhões, o governo pretende garantir o benefício até outubro.
A PEC Emergencial foi uma condição do governo para retomar o auxílio emergencial. O benefício foi criado em 2020 para socorrer trabalhadores informais e desempregados durante a pandemia de covid-19. Com a proposta, o Executivo foi autorizado a criar um pagamento residual em 2021 fora do teto de gastos (a regra que limita o crescimento das despesas ao ritmo da inflação) e de outras regras fiscais. Além disso, foi expressamente dispensado da obrigação de comprovar que a despesa era imprevisível e urgente, condição exigida na Constituição. Essa flexibilização, porém, foi limitada a R$ 44 bilhões, garantidos nas quatro primeiras parcelas deste ano. Na ocasião, senadores concordaram com o limite para não dar um "cheque em branco" para o governo.
Restrições
A nova MP é inconstitucional e abusiva, de acordo com a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane. Para a especialista, a extensão do benefício descumpre os requisitos para abertura de créditos extraordinários previstos na Constituição e o limite criado pela PEC Emergencial. Para Élida, a despesa deveria ter sido planejada no Orçamento de 2021 e o teto de gastos já deveria ter sido alterado para viabilizar um planejamento de enfrentamento à pandemia.
— O trato caótico e errático das regras fiscais brasileiras, aliás, tem aberto flancos para o que tenho chamado de feudalismo fiscal — afirma.
De acordo com o governo, o valor que ficar acima dos R$ 44 bilhões deverá ser considerado no cálculo da meta de resultado primário (a diferença entre a arrecadação e as despesas, sem levar em conta o pagamento de juros da dívida).
O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, afirmou que há espaço fiscal para a prorrogação. Ele apontou, no entanto, um impasse jurídico:
— O próprio governo amarrou as mãos com a PEC 109 (PEC Emergencial). Agora, está precisando aumentar a despesa. Um gasto social necessário, aliás.
Em resposta à reportagem, o Ministério da Economia defendeu a legitimidade e a constitucionalidade das novas parcelas do auxílio emergencial. A pasta alegou que a Emenda Constitucional 109 não é um limitador para abertura do crédito extraordinário e que a Constituição já autoriza esse tipo de despesa em situações imprevisíveis e urgentes. Ao justificar a nova medida provisória, a pasta afirma que a urgência da matéria "se justifica pela persistência do quadro de propagação da doença, o aparecimento de novas cepas do vírus e da existência de diversos Estados com medidas restritivas de circulação".