Um ano, dois meses e 3 milhões de mortos depois, a pandemia de covid-19 lembra o quanto a humanidade depende de bens públicos globais, como água, alimentação e saúde. Informação de qualidade e confiável é também um bem público global, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), principalmente em tempos obscuros como os que vivemos. A vacina contra o vírus da desinformação, com potencial fatal tanto quanto o sars-CoV-2, é o jornalismo. Neste 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade da Imprensa, a Unesco lança campanha global em defesa da imprensa profissional, livre e de qualidade.
– Ter informações confiáveis e precisas nunca foi mais importante do que hoje. Nossas notícias devem ser verificadas e bem fornecidas porque a desinformação se espalha tão rápido quanto o próprio vírus e pode causar muitos danos, não apenas para nossas democracias, mas também para nossas vidas – afirma Guy Berger, diretor de Liberdade de Expressão e Desenvolvimento da Mídia da Unesco.
Ao defender a informação como bem público global, a Unesco destaca que os jornalistas estão na linha de frente dessa batalha contra as chamadas fake news (notícias falsas). A campanha deste ano tem como lema “Por uma indústria de mídia viável, diversa, estável e segura”. Esses são os quatro ingredientes essenciais de qualquer ecossistema de informação saudável, na opinião de Andrew Heslop, diretor executivo de Liberdade de Mídia da Associação Mundial de Jornais e Fórum Mundial de Editores (WAN-Ifra). Ele, entretanto, questiona quantos meios de comunicação hoje podem afirmar que operam em um ambiente com esse nível de liberdade e sustentabilidade financeira.
– A pandemia de covid-19 exacerbou e, em muitos casos, acelerou os desafios dos proprietários dos veículos de mídia, de editores e de jornalistas em todos os lugares – diz, referindo-se aos desafios do modelo de negócio enfrentados pela mídia profissional para financiar um jornalismo independente diante das novas tecnologias.
Ao lembrar as garantias de uma imprensa livre, a Unesco alerta para os riscos trazidos pelos algoritmos nas redes sociais, dirigidos por gigantes da tecnologia que detêm o monopólio de publicidade online.
Restrições
A campanha alerta ainda que jornalistas continuam a ser fisicamente atacados, ameaçados – online e offline – e mortos em números crescentes, mesmo em países que não estão em guerra. As medidas de restrição impostas por governos para conter a disseminação do coronavírus foram exploradas em muitos lugares por autoridades que, mesmo em situações normais, já enxergam a imprensa livre como inimiga. Em países como Hungria e Polônia, por exemplo, novas restrições foram impostas à imprensa. A China, berço do coronavírus, impediu o acesso de investigadores independentes da Organização Mundial da Saúde que viajaram ao país para analisar as origens da covid-19. Jornalistas independentes, que buscam informações sobre como o coronavírus surgiu, são censurados e ameaçados.
– A liberdade de imprensa não é para a imprensa apenas, mas sobretudo para a sociedade, que tem o direito de receber informações sem que sofram censuras ou intimidações – afirma Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
Violência contra jornalistas aumenta 168% no Brasil
Um relatório da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) sobre violações à liberdade de expressão no Brasil informou que, em 2020, casos de violência não-letal contra jornalistas cresceram 168% em comparação com o ano anterior. Reflexo da polarização política, as ações de ofensas, agressões e intimidações representam quatro em cada cinco casos reportados. Pelo menos 189 jornalistas e veículos de comunicação sofreram 150 ataques no período. Quatro em cada cinco ofensas a jornalistas ou empresas de jornalismo profissional foram feitas por políticos ou ocupantes de cargos públicos, com destaque para integrantes do governo federal.
Embora frequentes, as ofensas nem sempre ficam impunes. Em 27 de março, a Justiça determinou que o presidente Jair Bolsonaro indenizasse a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, em R$ 20 mil por danos morais. A repórter acionou a Justiça em fevereiro de 2020, após sofrer ataques de cunho sexual por Bolsonaro, que disse que ela “queria dar o furo a qualquer preço”, em referência ao depoimento de Hans River na CPI das Fake News.
A jornalista fez uma série de reportagens sobre esquema financiado de disparos em massa de notícias falsas contra o então candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, em 2018.
Em nível global, organizações de defesa dos jornalistas também têm denunciado a morte de profissionais em razão da covid-19.
Segundo a ONG dinamarquesa Press Emblem Campaign (PEC), a cada dia, em média, 2,5 jornalistas morrem em decorrência do coronavírus em pelo menos 74 países. O número total passa de 1 milhão e, segundo a entidade, mais da metade dos casos está na América Latina – 619, durante um ano, em 19 nações.
O Ranking de 2021
Países com maior liberdade de imprensa
1º Noruega
2º Finlândia
3º Suécia
4º Dinamarca
5º Costa Rica
6º Holanda
7º Jamaica
8º Nova Zelândia
9º Portugal
10º Suíça
Países com menor liberdade de imprensa
180º Eritreia
179º Coreia do Norte
178º Turcomenistão
177º China
176º Djibuti
175º Vietnã
174º Irã
173º Síria
172º Laos
171º Cuba
Fonte: Repórteres sem Fronteiras