O sonho de garantir a instalação da Escola de Sargentos do Exército (ESA) em Santa Maria tem levado a Brasília romarias de políticos e empresários gaúchos, de diversos matizes ideológicos. É que o investimento numa academia que unifique os cursos para essa patente militar pode significar R$ 1 bilhão, quantia nada desprezível para qualquer cidade. Sem contar com a possibilidade de consumo representada por 6 mil pessoas que gravitariam em torno da unidade (1,5 mil funcionários, 2,4 mil alunos e seus familiares).
Além da cidade do centro do Rio Grande do Sul, disputam o páreo para sediar o centro de estudos os municípios de Ponta Grossa (PR) e Recife (PE). Juntas, as três superaram outras 13 concorrentes. A escolha deve sair até julho.
Os sargentos são o posto mais numeroso no Exército, 62% entre os militares profissionais (não contabilizados aí os recrutas, soldados que atuam temporariamente, por um ano). É o sargento que comanda a patrulha e representa a linha de frente de qualquer força armada no mundo. Daí a importância de um bom ensino a esses profissionais.
Atualmente, o treinamento de sargentos está distribuído em 16 unidades pelo país. A ESA funciona em Três Corações (MG), duas outras escolas técnicas estão situadas no Rio de Janeiro e Taubaté (SP) e existem ainda 13 outras unidades de capacitação no Brasil (veja no quadro). A ideia é centralizar o ensino em uma só, em regime de internato, para uniformizar o treinamento, criar espírito de turma e homogeneizar os parâmetros.
— Foi assim quando, na década de 1940, o processo de formação de oficiais foi concentrado na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio. É chegado o momento de fazer o mesmo com os sargentos — resume o general de divisão Joarez Alves Pereira Junior, que coordena o grupo de trabalho para implantação da nova ESA.
Na batalha pela conquista dos corações e mentes das Forças Armadas vale até apelar para o gauchismo. No início de fevereiro, o prefeito santa-mariense Jorge Pozzobom (PSDB) foi recebido em Brasília pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo comandante do Exército, Edson Pujol, ambos gaúchos e generais.
Na pasta, Pozzobom levou um pen drive com powerpoint intitulado "5 Grandes Motivos para Morar em Santa Maria", e elencou:
- O município é um polo educacional (tem duas escolas militares e oito entidades universitárias, que englobam 40 mil alunos)
- Tem o segundo maior contingente das Forças Armadas no país (só perde para o Rio de Janeiro)
- Conta com base aérea e aeroporto com capacidade para jatos comerciais
- Possui oito hospitais com 1.060 leitos
- O custo de vida é considerado baixo, se comparado ao de capitais
Somam-se a isso a profusão de clubes recreativos e o segundo lugar alcançado por Santa Maria entre as cidades gaúchas mais inteligentes e conectadas no ranking Connected Smart Cities (dois predicados que podem atrair jovens interessados na carreira militar).
Qualidades essas que foram enfatizadas pelo senador Luis Carlos Heinze (PP) em visita ao comandante Pujol, também em Brasília, no último dia 20. O general solicitou que o parlamentar articule junto à bancada gaúcha pedido de recursos para residências e quadras esportivas para a família militar, caso a ESA fique em Santa Maria, algo que o senador se compromete a articular.
Comércio
Não só os políticos se mobilizam. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Santa Maria (Cacism), Luiz Fernando Pacheco, também visitou autoridades em Brasília e focou, além dos quesitos militares pelos quais a cidade já é conhecida, na "tradição que os santa-marienses têm de bem receber as famílias". Entre essas qualidades estão lazer, gastronomia e custo de vida acessível aos militares, que fazem de Santa Maria opção muito interessante, ressalta.
E quais as chances de Santa Maria vencer? Grandes, resume o general Valério Stumpf, chefe do Comando Militar do Sul, que abrange mais de 50 mil militares dos três Estados sulinos. Conforme ele, a cidade já tem os principais quesitos:
— É capital dos blindados, capital da simulação (de tiro), temos o Centro de Instrução de Blindados, o Centro de Adestramento, a 3ª Divisão de Exército, a universidade federal. Tem guarnição grande e facilita a instrução do pessoal.
É claro que, por comandar tropas dos três Estados, Stumpf não se posiciona quanto a sua torcida pessoal: a cidade paranaense de Ponta Grossa, também sob seu comando, igualmente está na competição.
Alguns dos entrevistados admitem que há possibilidade de fatores políticos pesarem na escolha.
As relações de Jair Bolsonaro com o governador paranaense Ratinho Junior (PSD), por exemplo, são excelentes. Já com Eduardo Leite (PSDB), nem tanto. E com o governador pernambucano Paulo Câmara (PSB), a sintonia é ruim. A cúpula das Forças Armadas assegura que a decisão será técnica, mas é conhecida a influência de presidente em assuntos estratégicos como esse.
Cinco fatores vão definir o local
O anúncio da decisão final sobre a Escola de Sargentos cabe ao comando do Exército, em consonância com o Ministério da Defesa. o general de divisão Joarez Alves Pereira Junior, que coordena o grupo de trabalho para implantação da nova ESA, informa que o trabalho do grupo que preside vai apontar vai analisar a qualidade do Campo de Instrução que dará suporte à Escola, as estruturas militares já existentes na cidade e nas proximidades, a facilidade de acesso ao município para alunos vindos de todo o país, as estruturas de apoio à família do sargento, já existentes e aquelas que precisarão ser estabelecidas, e ainda os custos relativos à implantação e as contrapartidas oferecidas pelos estados e municípios.
— Os fatores estão sendo estudados detalhadamente nesta fase e serão apresentados entre julho e agosto — conclui.
Contingente
Santa Maria conta hoje com 9,5 mil homens e mulheres das Forças Armadas, distribuídos em 22 organizações militares (segundo maior contingente do país, atrás apenas do RJ). A cidade sedia ainda a 3ª Divisão de Exército (3ª DE), que conta com 15 mil militares e 47 quartéis.
Caso a escola de sargentos seja implantada:
- O investimento do Exército pode ser de até R$ 1,2 bilhão na construção do complexo, que deve ter até 40 prédios
- A estrutura, uma vez construída, prevê ainda uma nova vila militar (a ser erguida no bairro Caturrita)
- Por ano, com folha de pagamento dos mais de 2,2 mil alunos, a prefeitura calcula acréscimo de R$ 250 milhões em receita
Prós e contras de cada cidade cotada para sediar a ESA
A reportagem falou com políticos, militares e empresários para checar quais pontos fortes e fracos cada cidade tem na disputa para sediar a Escola de Sargentos. A mais cotada é mesmo Santa Maria, mas sempre podem ocorrer surpresas. Confira:
Santa Maria
Prós: é a que conta com melhor logística militar (segunda concentração de quartéis no país), de educação e saúde (com várias universidades e hospitais). Possui base aérea e aeroporto.
Contras: está longe da capital gaúcha (291 quilômetros) e até pouco tempo atrás os voos eram escassos, tanto para Porto Alegre como para outros locais. A perspectiva melhorou com a Azul abrindo voos em fins de semana e a Gol planejando voos diários para São Paulo, no segundo semestre.
Ponta Grossa
Prós: possui diversas unidades militares, como um regimento de carros de combate, um batalhão de infantaria blindado, dois pelotões da Polícia do Exército e um esquadrão de cavalaria blindada. Está a 96 quilômetros da capital (Curitiba). Seria um ganho político para o Paraná, que não está entre os Estados mais militarizados do país.
Contras: está a 100 quilômetros do aeroporto mais próximo. Sua estrutura educacional e de saúde é muito menor que a das concorrentes (Recife e Santa Maria).
Recife
Prós: é capital de um Estado, sede do Comando Militar do Nordeste e com grande concentração de militares. Além do comando, conta com um batalhão de comunicações, um batalhão da PE, um depósito de suprimentos, uma companhia de infantaria motorizada, um esquadrão de cavalaria mecanizada, um campo de instrução de tropas, um hospital militar e uma companhia de inteligência. A cidade tem um aeroporto internacional e uma base aérea.
Contras: a cidade não tem estrutura de saúde e educação comparáveis com as de Santa Maria. As unidades militares não são tão estratégicas como as santa-marienses.
Onde são formados sargentos
A atual estrutura de formação de sargentos do Exército conta com 16 locais.
Unidades Escolares Tecnológicas do Exército (UETEs): são agregadas a unidades operacionais (batalhões ou regimentos). O mais provável é que sejam mantidas para treinamentos, mas não como escola de formação. Estão situadas em unidades militares dos municípios de Alegrete (RS), Rio (RJ), Itajubá (MG), duas em Juiz de Fora (MG), Pouso Alegre (MG), Jundiaí (SP), Pirassununga (SP), Natal (RN), Campo Grande (MS), Fortaleza (CE), Blumenau (SC), Jataí (GO)
Escola de Sargentos: é a atual escola de formação geral de sargentos. Fica em Três Corações (MG)
Escola de Sargentos de Logística: fica no Rio de Janeiro
A ideia, em relação às duas escolas, é que sejam aproveitadas para aperfeiçoamento, mas não para formação
Centro de Instrução de Aviação do Exército (CIAvEx): fica em Taubaté (SP). Deve permanecer, mas talvez sem a parte específica para sargentos