Um grupo de ex-presidentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na tarde desta segunda-feira (24) um manifesto em defesa da realização do Censo Demográfico em 2021. A carta foi motivada pela notícia de o relatório do senador Marcio Bittar (MDB-AC) cortava o orçamento do Censo Demográfico de um total de R$ 2 bilhões programados pelo Executivo para R$ 240,7 milhões este ano, sendo que R$ 50 milhões ainda ficariam travados, sob o descumprimento da regra de ouro.
"A expectativa é que, em agosto, o Brasil já tenha saído ou esteja saindo da epidemia da covid, e o IBGE vem se preparando para realizar o trabalho fazendo uso de protocolos estritos de proteção sanitária de entrevistadores e entrevistados", defende a carta.
O documento é assinado por Edmar Bacha, Eduardo Nunes, Eduardo Augusto Guimarães, Edson Nunes, Eurico Borba, Sérgio Besserman, Simon Schwartzman e Silvio Minciotti.
"Como ex-presidentes do IBGE, instamos aos senhores Senadores e Deputados, membros da Comissão Mista do Orçamento, que preservem os recursos do censo e não deixem o país às cegas", diz o texto.
Quedas sucessivas no orçamento
Quando ainda era preparado, o Censo Demográfico foi orçado pela equipe técnica do IBGE em mais de R$ 3 bilhões, mas a presidente do órgão, Susana Cordeiro Guerra, anunciou em 2019 que faria o levantamento com R$ 2,3 bilhões. Em meio às restrições orçamentárias, o órgão decidiu que o questionário básico do Censo seria reduzido de 37 perguntas previstas na versão piloto para 26. Já o questionário mais completo, que é aplicado numa amostra que equivale a 10% dos domicílios, encolheu de 112 para 77 perguntas. Com o adiamento de 2020 para 2021, o governo federal enxugou ainda mais o valor destinado ao censo no orçamento deste ano enviado ao congresso.
O montante previsto no relatório poderá ser alterado até a votação do Orçamento, programa para ocorrer na Comissão Mista de Orçamento (CMO) até quarta-feira, 24, e no plenário na próxima semana.
Além das ameaças orçamentárias, o IBGE enfrenta crescentes pressões de servidores pelo adiamento do Censo Demográfico. O levantamento deveria ter ido a campo em 2020, mas foi adiado por causa da pandemia do novo coronavírus. O IBGE trabalha nos preparativos para que a coleta tenha início em agosto deste ano, mas informou que o corte orçamentário proposto pelo relator "inviabilizaria a operação".
"O IBGE conta com o apoio da Comissão Mista de Orçamento na próxima votação para que esse cenário seja revertido", afirmou o órgão, em nota à imprensa.
Mais de 70 milhões de lares visitados
O levantamento visita todos os cerca de 71 milhões de lares brasileiros. Diante do agravamento da pandemia no País, trabalhadores do órgão em dez Estados já demandaram às chefias estaduais e à direção que o levantamento seja transferido para 2022.
O movimento começou em fevereiro no Rio Grande do Sul, quando coordenadores de área do estado ameaçaram uma entrega coletiva de cargos caso a presidência do órgão mantivesse a o cronograma atual do censo. Servidores na Bahia, Maranhão, Roraima, Paraná, São Paulo, Paraíba, Goiás, Sergipe e Espírito Santo também encaminharam às chefias estaduais e à direção do IBGE pedidos de adiamento do censo, segundo o sindicato nacional de funcionários do instituto, o Assibge. Em plenária nacional realizada remotamente pelo sindicato no último fim de semana de fevereiro, os servidores votaram por aderir ao pleito de adiamento do levantamento censitário para o ano que vem.
"No país, vive-se a pior situação enfrentada desde o início desta emergência sanitária. Hoje, enfrentamos um colapso no sistema de saúde em praticamente todo o território nacional, com leitos hospitalares lotados - além de uma fila de espera enorme para atendimento - e com déficit de profissionais e de recursos para atender às demandas dos enfermos. Como se não bastasse, estão sendo descobertas novas variantes do vírus, mais transmissíveis, aumentando exponencialmente o perigo de infecção da população. Segundo especialistas, o ritmo da vacinação e a disponibilidade insuficiente das doses nos próximos meses também não contribuem para um cenário otimista para este ano, nem mesmo no seu 2º semestre. É cada vez mais evidente que encaramos circunstâncias muito mais difíceis neste ano do que no anterior (2020)", diz a carta enviada pelos servidores à chefia estadual do IBGE em Goiás.
O sindicato denuncia que servidores do órgão receberam da direção como equipamento de proteção contra a covid-19 apenas máscaras de tecido, que consideram inadequadas para o trabalho de campo. "O IBGE fez a aquisição das máscaras seguindo estritamente as recomendações da Anvisa", respondeu o órgão à reportagem.
No início de março, o IBGE teve que suspender a realização de um teste de coleta em campo do Censo Demográfico que faria no município Engenheiro Paulo de Frontin, no estado do Rio de Janeiro. A prefeitura local comunicou ao órgão que teria que impor medidas restritivas para combater a disseminação do novo coronavírus na cidade.
"O Censo Demográfico precisa e deve ser realizado, mas não agora, não em meio à pandemia que marcará esta geração pelos milhares de mortes que já ocorreram e que, infelizmente, ainda vão ocorrer. O IBGE não pode se colocar na posição de potencializador de tal catástrofe", completa a carta de Goiás, que tem conteúdo semelhante às escritas pelos servidores das demais unidades estaduais.
O cadastro de domicílios que serão percorridos no censo ainda precisa ser atualizado, o que seria feito presencialmente. Em carta à presidência do IBGE, coordenadores do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (Cnefe) informaram que o trabalho em campo representaria um risco à saúde dos trabalhadores e que não seria possível entregar os dados no prazo determinado pela direção do órgão.
"Para o entrevistador entrevistar todo mundo e ir a todos os domicílios, ele precisa saber onde estão todos esses domicílios. Esse cadastro de domicílios só está 30% atualizado, sendo generosos. O IBGE colocou uma portaria dizendo que o pessoal tinha que ir a campo para atualizar esse cadastro agora. Coordenadores do Cnefe do Brasil inteiro disseram que não têm condições de fazer isso neste momento, de atualizar esse cadastro, ir à rua", disse Dione de Oliveira, dirigente da Assibge.