Nem as oscilações abruptas do mercado brasileiro de ações, motivadas por crise política, pandemia e retração da economia, impediram milhares de gaúchos de estrear na renda variável em 2020. O Rio Grande do Sul terminou o ano com 180,5 mil pessoas físicas operando na B3, a bolsa de valores de São Paulo, o que representa expansão de 91% em relação a 2019. Ou seja, a base de investidores do Estado ganhou 86 mil integrantes e praticamente dobrou em 12 meses.
Quinto Estado com mais investidores na bolsa, o Rio Grande do Sul acompanha a tendência nacional. No ano passado, o Brasil chegou a 3,23 milhões de investidores pessoas físicas, elevação de 92% na comparação com o período anterior. Isso significa que 1,5 milhão de brasileiros, pela primeira vez, passaram a comprar e vender ações de empresas de capital aberto, cotas de fundos imobiliários e outros produtos na B3.
O salto no número de estreantes repetiu o fluxo já verificado em 2019 e não ocorre à toa. Diretor de investimentos da corretora gaúcha Warren, Celson Placido ressalta que os cortes consecutivos na taxa básica de juro, a Selic, balizam esse movimento nos últimos anos.
O indicador, que historicamente se mantinha acima de dois dígitos até 2017, chegou à mínima histórica de 2% ao ano e tornou as aplicações de renda fixa menos atrativas. A poupança, por exemplo, rende hoje 1,4% a cada 12 meses. Sendo assim, o brasileiro aumentou a sua exposição ao risco em busca de melhor retorno.
— Há cada vez mais gente falando de investimentos em renda variável e da necessidade de diversificação na hora de aplicar. A população brasileira começa a entender que precisa investir melhor seu dinheiro e, para isso, tem de correr mais risco — constata Placido.
Neste contexto, a ampliação da oferta de conteúdos sobre investimentos também contribui para que mais pessoas se interessem sobre o tema. Dos influencers de finanças com seus canais nas redes sociais às casas de research, que elaboram relatórios e recomendam carteiras aos clientes, novos atores surgiram no mercado e passaram adotar uma linguagem mais palatável para ganhar a atenção.
— Na medida em que as pessoas ficam mais em casa, durante a pandemia, começaram a olhar mais conteúdos de finanças e a se interessar por isso, o que deixa o investidor mais tranquilo para tomar decisões — indica Denilson Alencastro, economista-chefe da Geral Asset.
Valor
Os investidores do Estado encerraram 2020 com R$ 24,75 bilhões alocados na bolsa de valores, elevação de 39% em relação ao capital investido em 2019. No país, a soma chegou a R$ 452,62 bilhões, alta de 32% na comparação com a temporada anterior. Placido vê espaço para os números seguirem crescendo, mas enfatiza que a pessoa física ainda está longe de ditar a direção do mercado.
— O investidor individual vem aumentando, mas reponde por cerca de 20% do volume de negócios. O que predomina no mercado ainda são os institucionais e principalmente os estrangeiros, que dão as cartas no mercado — pondera Placido.
O diretor de investimentos da Warren avalia que, em 2021, a tendência é de que a base de pessoas físicas operando no mercado se mantenha com forte expansão. Estudo da B3 analisando o perfil e comportamento dos cerca de 2 milhões de estreantes no mercado entre 2019 e 2020 mostra que os jovens têm papel crucial neste movimento.
A nova safra de investidores tem, em média, 32 anos. Além disso, 60% não têm filhos, 56% têm renda mensal de até R$ 5 mil e 62% trabalham em tempo integral.
Estatísticas
- O RS fechou o ano de 2020 como o quinto Estado em número de investidores pessoas físicas na B3, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná
- Dos 3,22 milhões de investidores do país, 74% são homens e 26% mulheres
- A maioria dos investidores na B3 tem entre 26 e 35 anos. Esse grupo é composto por 1,08 milhão de pessoas
- Em valor aplicado, a faixa etária com maior montante alocado são pessoas acima de 66 anos. São R$ 153,2 bilhões investidos
Cautela e foco no longo prazo são as dicas
Quem passou a investir em ações em 2020 pôde vivenciar a sensação de ver seu capital se desvalorizar rapidamente ou então ganhar valor com intensidade pouco tempo depois.
O Ibovespa, principal índice do mercado acionário brasileiro, chegou a despencar 47% entre janeiro e março de 2020, no auge da crise em decorrência da pandemia de coronavírus. Naquele momento, foram acionados seis circuit breakers, mecanismo que interrompe as negociações de papéis após queda superior a 10% em um mesmo pregão. Nos meses posteriores o indicador recuperou fôlego e subiu 87% até dezembro.
Lição
Ao final do ano, a bolsa brasileira fechou com alta de 2,9%. O rendimento é modesto frente à elevação do Ibovespa em 2019, de 31,6%, e até se assemelhou ao de aplicações de renda fixa. Os investimentos atrelados à chamada taxa DI, utilizada como referência nas aplicações mais conservadoras, renderam 2,75%. O desempenho ainda perdeu para a inflação oficial do Brasil, que somou 4,52%.
O educador financeiro Adriano Severo enfatiza que, antes de começar a investir em bolsa, é importante que a pessoa tenha em mente o foco no longo prazo e saiba que a renda variável está suscetível a variações intensas.
Prudência
O especialista frisa que é importante que o investidor tenha reserva de emergência, com parte do seu capital em aplicações de renda fixa, com possibilidade de saque imediato sem penalidades. Assim, caso tenha imprevisto na bolsa, não será necessário vender ações e amargar prejuízo.
— Se a pessoa ainda não tem muito conhecimento, pode investir via fundos de investimentos de ações, no qual um gestor profissional irá cuidar o momento de comprar e vender os papéis — complementa Severo.
A volatilidade deve marcar a bolsa de valores novamente em 2021, segundo o economista-chefe da Geral Asset, Denilson Alencastro.
Fatores como o ritmo de vacinação da população contra o coronavírus, o avanço da pandemia, a situação fiscal do Brasil e a turbulência política devem pautar os movimentos do Ibovespa, para cima ou para baixo, ao longo do ano.