Devido à "persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas", que resultaram em "anos de perdas significativas", a Ford anunciou, nesta segunda-feira (11), que irá fechar as fábricas no Brasil. Conforme o comunicado, a empresa está "mudando para um modelo de negócios ágil e enxuto ao encerrar a produção" no país.
As fábricas a serem fechadas são as de Camaçari, na Bahia, de Taubaté, em São Paulo, e de Horizonte, no Ceará. A sede em Camaçari foi inaugurada em 2001, após desistir de inaugurar as suas operações em Guaíba, no Rio Grande do Sul.
Fundador e presidente do conselho do Lean Institute Brasil, José Roberto Ferro afirma que a decisão não significa que a empresa está abandonando o mercado brasileiro e que a escolha é feita com base no ganho financeiro da Ford.
Ele avalia que a empresa continuará mantendo a rede de distribuição no país e ofertando carros importados de outras regiões na América Latina, como Argentina e Uruguai.
— A Ford precisa investir em uma série de outras áreas e não pode se dar ao luxo de seguir perdendo dinheiro aqui, mas não está deixando o mercado brasileiro, necessariamente. Ela tem como se manter no nosso mercado. Por exemplo, se você vende um volume relativamente alto de veículos e mesmo assim tem uma rentabilidade baixa, não vale a pena. Mas a empresa pode passar, com essa mudança, a vender um volume menor de veículos, mas de forma mais rentável — avalia.
Em relação a uma possível desvalorização dos veículos da empresa no país, Ferro ressalta que a empresa tem "ótima reputação, história e que deve manter o nível de qualidade junto aos clientes" que possuem veículos da Ford no país.
— A questão da desvalorização não vem tanto dessa decisão de ter ou não fábrica aqui, mas das características dos produtos. Os que saíram de linha, que não serão mais feitos, esses podem acabar desvalorizados, mas essa é uma tendência natural do mercado.
Movimento "consistente e esperado"
Sócio-diretor da Roland Berger no país, Marcus Ayres avalia que a decisão da Ford não é necessariamente negativa para o mercado brasileiro, que está acostumado a mudanças.
Ela está saindo dos veículos de R$ 50 mil e se movendo para os de R$ 200 mil, que são mais competitivos para a importação. Ou seja, a presença no país continua, mas a cara da empresa muda. Aquela Ford de veículos mais populares deixa de existir
MARCUS AYRES
Sócio-diretor da Roland Berger
— Isso mostra que há uma série de mudanças que estão acontecendo e que vão continuar acontecendo. Acho super positivo que as empresas estejam se adaptando. O movimento da Ford pode ser o primeiro, e pode acarretar outros. O Brasil foi inovador no setor automotivo nas últimas décadas, o mercado automotivo aqui é muito dinâmico, como mostra a adoção que fizemos dos carros flex, por exemplo — analisa Ayres.
Para ele, o movimento adotado pela Ford é consistente e até esperado, levando em conta os números da empresa nos últimos anos no país. A saída do Brasil, opina, não invalida totalmente a presença da marca por aqui.
— Acredito que ela continuará atendendo perfeitamente o mercado no Brasil. Mas uma coisa a se destacar é que a produção da Ford está focando mais em SUVs, picapes, veículos elétricos. Ela está saindo dos veículos de R$ 50 mil e se movendo para os de R$ 200 mil, que são mais competitivos para a importação. Ou seja, a presença no país continua, mas a cara da empresa muda. Aquela Ford de veículos mais populares deixa de existir — diz Ayres.
Entidades lamentam
Procurada por GZH, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) afirmou que não irá comentar sobre o anúncio da Ford. A entidade afirmou apenas que lamenta a decisão e que vem alertando sobre os problemas que o setor enfrenta.
"Trata-se de uma decisão estratégica global de uma das nossas associadas. Respeitamos e lamentamos. Mas isso corrobora o que a entidade vem alertando há mais de um ano, sobre a ociosidade da indústria (local e global) e a falta de medidas que reduzam o Custo Brasil", disse em nota a associação.
De acordo com o diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Abijaodi, o fechamento das fábricas é uma péssima notícia, em um momento de recuperação econômica, tanto pelos empregos que se perdem quanto por "todo o impacto na cadeia produtiva do setor automobilístico, uma das mais complexas da indústria brasileira".
Na avaliação da entidade, a decisão da Ford é um "sinal de alerta para os governos federal, de Estados e municípios, além do Congresso Nacional, sobre a necessidade de aprovar, com urgência, medidas para a redução do Custo Brasil".
— Entendemos que a decisão está alinhada a uma estratégia de negócios da montadora. Mas, o ambiente de negócios é um dos fatores que pesam no momento de decisão sobre onde permanecer e onde fechar. O Brasil tem que lutar para melhorar sua competitividade, pois, além das fábricas, há toda uma cadeia automotiva que inclui redes de concessionárias, fornecedores de partes e peças e diversos outros serviços. Essa decisão reforça a urgência de se avançar na agenda de competitividade e redução do Custo Brasil — diz Abijaodi.
O Ministério da Economia se manifestou em consonância com o que disse a CNI. Para a pasta, a decisão "destoa da forte recuperação da indústria" no país e exige uma implementação de medidas "de melhoria do ambiente de negócios".
"O Ministério da Economia lamenta a decisão global e estratégica da Ford de encerrar a produção no Brasil. A decisão da montadora destoa da forte recuperação observada na maioria dos setores da indústria no país, muitos já registrando resultados superiores ao período pré-crise. O ministério trabalha intensamente na redução do Custo Brasil com iniciativas que já promoveram avanços importantes. Isto reforça a necessidade de rápida implementação das medidas de melhoria do ambiente de negócios e de avançar nas reformas estruturais",
Assistência ao consumidor
Em relação ao consumidor brasileiro, a Ford afirmou à reportagem de GZH, que "continuará fornecendo assistência total ao consumidor com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia para seus clientes no Brasil e na América do Sul".
"A Ford continua comprometida em atender seus clientes e comercializar produtos modernos conectados provenientes da Argentina, Uruguai e outras regiões", disse a empresa.
A Ford também afirmou que não está desistindo do mercado brasileiro e que segue "comprometida com os clientes no Brasil e na América do Sul com um modelo de negócios enxuto e sustentável baseado em uma linha de veículos icônicos, conectividade e eletrificação".
"A Ford estará ativamente presente no Brasil atendendo seus clientes com um portfólio de SUVs, picapes e veículos comerciais modernos e conectados provenientes da Argentina, Uruguai e outras regiões, enquanto acelera novas e emergentes tecnologias de automação e eletrificação. A empresa também manterá o Centro de Desenvolvimento de Produto na Bahia e o Campo de Provas em Tatuí, São Paulo, desenvolvendo produtos e tecnologias para a América do Sul e outras regiões. Além disso, as operações de manufatura da Argentina e do Uruguai e as operações de vendas para os outros mercados da América do Sul não serão afetadas", complementou.